De 22 de abril de 1500 até a Independência do Brasil, pertencia ao Rei
de Portugal toda a posse sobre o território descoberto, a título de domínio original
do Estado. Investido o Rei deste senhorio, em 1532, determinou a divisão
administrativa do território em 15 capitanias. A partir de março do mesmo ano,
as primeiras cartas de doação começaram a ser entregues aos beneficiários.
O historiador Hélio Viana afirma que em 1504 já fora criada a primeira
Capitania Hereditária do Brasil: Ilha de São João ou da Quaresma – hoje
Fernando de Noronha – e doada a Fernão de Noronha.
Embora houvesse sido o território, na primeira divisão administrativa do
Brasil, dividido em 15 partes, foram apenas 12 os donatários, cujos quinhões
foram delimitados e as prerrogativas inseridas nas respectivas Cartas de
Sesmarias, começou a cindir-se o domínio original do Estado, iniciando o
domínio privado sobre as terras.
Da Independência até o ano de 1850, houve ocupação do solo pela tomada
da posse sem qualquer título.
O Registro Imobiliário no Brasil tem sua origem fixada pela Lei 601, de
18.09.1850 e seu Regulamento 1.318, de 30.01.1854, quando a posse passou a ser
reconhecida perante o Vigário da Igreja Católica. Por isso, essa lei passou a
ser conhecida por "Registro do Vigário" e se fazia na freguesia da
situação do imóvel. O efeito desse registro era meramente declaratório, para
diferenciar o domínio particular do domínio público, conforme lição de Waldemar
Loureiro.
Segundo José Maria Junqueira de Azevedo, o Registro de Imóveis, com a
função de transcrever aquisições imobiliárias e inscrever ônus reais,
instituiu-se, no Brasil, pela Lei 1.237, de 24.09.1864, regulamentada pelo Dec.
3.453, de 26.04.1865. Anteriormente, com o fim restrito de inscrever hipotecas,
criou-se, pela Lei Orçamentária 317, de 21.10.1843, o Registro Hipotecário.
Vigoravam, até então, as normas do Registro Paroquial. Vê-se, assim, que o
instituto do crédito precedeu à titulação da propriedade. A inscrição da
hipoteca antecedeu a transcrição do imóvel, que só veio a ser instituída com a
lei antes referida, que transformou o Registro de Hipotecas em "Registro
Geral". Foi aquele que deu origem ao Registro de Imóveis, haja vista seu
escasso préstimo para o crédito.
A citada Lei 1.237 substituiu a tradição da coisa pela transcrição
do título como modo de transferência, continuando o contrato, antes dela, a
gerar apenas obrigações. Ampliou, assim, o registro para as transmissões de
bens de raiz por atos inter-vivos e constituição de ônus reais, firmando o
princípio de que a transmissão do imóvel só se operava por via de Registro, na
data deste e, embora não induzisse prova de domínio, regulou a inscrição
hipotecária, quer legal, quer convencional, declarando indispensável a transcrição, para validade
contra terceiros.
Seguiram-se a Lei 3.272, de 05.10.1885; o Dec. 169-A, de 19.01.1890, e o
Dec. 370, de 02.05.1890, que introduziram modificações no Estatuto de 1864 e
proclamaram que o contrato, antes de transcrito, só conferia direitos pessoais
aos contratantes. Tinha essa
doutrina precedentes firmados por Teixeira de Freitas, na
Consolidação das Leis Civis. Prescreviam as ordenações, no concernente à
transmissão da propriedade imóvel, "que essa se operava por força do
contrato, tanto que ao comprador fosse entregue a cousa e pagar o
preço, logo é dela feito senhor".
Consolidando a legislação filipina e notando os inconvenientes da
transmissão de imóveis tão-só por força do contrato, assentou Teixeira de
Freitas que "para a aquisição do domínio não basta, simplesmente, o
título, mas deve aceder à tradição; e, sem esta, só se tem direitos
pessoais". Ao comentar o art. 524, nota 27, da Consolidação, melhor
esclareceu o jurista o seu pensamento: "Nos países onde o registro de
títulos translativos da propriedade imóvel é necessário, ou importando em prova oficial do
domínio, ou sendo, simplesmente, veículo de publicidade, prefere como legítimo
adquirente, aquele que tiver registrado seu título de aquisição, ou que tiver,
a seu favor, a prioridade no Registro. Em tal caso, só depois da transcrição ou
inscrição no Registro, é que o título opera seus efeitos, em relação a
terceiros". E conclui afirmando: "Estamos hoje, quanto à transmissão
de imóveis, por atos intervivos, no caso desses países, onde o registro de títulos translativos da
propriedade de imóvel, é a sua tradição legal".
Em referência aos ônus reais, estatui o mesmo preceito: "Para a
hipoteca convencional produzir os efeitos do art. 1.269, é necessário que seja
inscrita no Registro Geral de Hipotecas e esses efeitos começam a existir da
data da inscrição" (art. 1.283). Era, aliás, o que dispunha o regulamento
anterior, prescrevendo o art. 9. que as "hipotecas convencionais só valem contra
terceiros, da data da inscrição".
Confirmou Carlos de Carvalho "esses preceitos, estabelecendo que a
tradição dos bens imóveis, por efeito de atos inter-vivos, gratuitos ou não, só
produzem efeitos, a respeito de terceiros, pela publicidade legal, isto é, a
transcrição no Registro e desde a data dele". E aditou que "até a
transcrição, a tradição só obriga as partes contratantes". Ressalvou,
porém, que a transcrição "não induz prova de domínio, que fica a salvo a
quem o for". E, ao enumerar os atos sujeitos à transcrição, "para
valer contra terceiros desde a data dela" isentou da transcrição as transmissões "causa mortis" ou
por testamento e os atos judiciários.
Ainda no ano de 1890, assinalou-se no Brasil, tentativa de adoção do
sistema australiano, conhecido como o Registro Torrens, nos termos
do Dec. 451-b, de 31.05.1890, regulamentado pelo Dec. 955-A, de 05 de novembro
do mesmo ano.
O Registro Torrens constituiu tentativa de emprestar aos atos do registro da propriedade
imóvel segurança e liquidez, fazendo incontestáveis os títulos registrados.
Seria esta a situação dos cadastros germânicos. Foi admitido no Brasil para
certos casos de legalização da propriedade rural. Aquele sistema, embora a
afinidade com o germânico, é originário da Austrália, idealizado pelo deputado e oficial do Registro
de Imóveis Sir Robert Torrens, que emprestou seu nome ao processo. Cifra-se este, no dizer do
organizador, em providências que ministrem excepcional segurança às transações
imobiliárias.
Para obter cadastro ou matrícula, no Registro Torrens, deve o
interessado requerê-la ao Juiz, perquirindo-se a boa origem, nos termos da Lei
6.015/73, aduzindo provas da legitimidade do domínio pelo seu título,
devidamente filiado. Assim, era uma espécie de processo depurativo do domínio,
declarado legítimo judicialmente. A titularidade seria, desse modo, inatacável juris et de jure. Verificada a regularidade do processo e não havendo contestação de
terceiros, promove-se o registro, ficando arquivados, em cartório, os
documentos apresentados.
Do Código Civil
Com o advento do vigente Código Civil, em 01.01.1917, a transcrição do
título hábil, no registro imobiliário da situação do imóvel, passou a
constituir exigência para a aquisição da propriedade imóvel (art. 530). Aliás,
o Código Civil dedicou a Seção VI do Cap. XI do Tit. III, "Do direito das coisas", ao Registro de Imóveis.
Regulou minuciosamente a matéria, determinando sua função e alcance. Inovou em
muitos pontos a legislação anterior; fez obra de sabedoria e proveito, saneando
lacunas do regime anterior. São os seguintes os pontos culminantes da
codificação: "a) que os direitos reais sobre imóveis, constituídos ou transmitidos, por
atos intervivos só se adquirem depois da transcrição do referido título, no Registro de
Imóveis (arts. 532 a 676); b) que se presume pertencer o direito real à pessoa
em cujo nome se inscreveu, ou transcreveu (art. 859); c) que os atos sujeitos à
transcrição não transferem domínio, senão da data em que se transcreverem (art.
533)".
Sobre os ônus reais, estabeleceu princípios correlatos: "a) que todas as hipotecas serão
inscritas no lugar do imóvel (art. 831), não se destinguindo entre as hipotecas legais ou convencionais e
abolindo as hipotecas ocultas; b) que o número de ordem determina a prioridade
e esta a preferência, entre as hipotecas (art. 853, par.ún.); c) que as hipotecas somente
valem contra terceiros, desde a data da inscrição e que, enquanto não inscritas,
só subsistem entre os contraentes (art. 848)".
E determinou que o Registro de Imóveis compreendesse:
I – "a transcrição dos títulos da propriedade, enumerada no art.
532; II – a transcrição dos títulos constitutivos de ônus reais, sobre coisas alheias;
III – as inscrições das hipotecas (art. 856, I a IV)".
Consagrava-se, dessa forma, o princípio de que a "propriedade
imóvel só se adquire pelo registro" que é, assim, a forma e o modo de
aquisição. Os atos contratuais ou os judiciários reputam-se preparatórios, pois
só obrigam as partes contraentes. Vulgarizou-se esse princípio, traduzindo-se
na linguagem popular pela afirmação de que "quem não registra não é
dono". E o Código Civil, regulando a matéria, colocou-se entre as mais
adiantadas legislações.
Leis e decretos posteriores
O Código Civil necessitou de regulamentação no tocante à matéria registrária e seus
serviços específicos, o que se deu através de decretos. Houve grande progresso
na matéria ao erigir-se a transcrição em troca da tradição solene da transação,
geradora do direito real para o adquirente, com a transmissão do domínio.
Entretanto, com o desenvolvimento socioeconômico e jurídico do país,
começaram a surgir as falhas e deficiências do sistema imobiliário.
O Código Civil instituiu um sistema de registro imobiliário comum, mas
obrigatório, abrangendo todos os atos judiciais e extrajudiciais, porquanto
anteriormente aqueles estavam excluídos dos registros, tornando o sistema
inseguro. Mas não se aboliu o sistema Torrens, com o que se ficou com dois sistemas simultâneos:
um comum e obrigatório (instituído pelo Código Civil), com presunção relativa
de domínio e outro facultativo (o Registro Torrens), com presunção absoluta do domínio. Ainda hoje
persiste o duplo registro sobre determinados imóveis, em regiões localizadas.
Sucederam-se leis e decretos aplicáveis ao Registro de Imóveis, sendo o
primeiro o de n. 12.343, de 03.01.1917, que deu instruções para a execução dos
atos dos registros instituídos pelo Código Civil. Seguiram-se a Lei 4.827, de
07.02.1924; o Dec. 18.527, de 10.12.1928 e o Dec. 4.857, de 09.11.1939,
modificado pelo Dec. 5.718, de 26.02.1940. Esses dois decretos vigoraram por
mais de 30 anos, contemplando figuras jurídicas novas, como o loteamento de
terrenos urbanos e rurais, para venda a prestações; a promessa de venda e
compra do imóvel loteado e não loteado; o contrato de penhor rural; o
condomínio em prédios de apartamentos. Foi seu elaborador o eminente jurista Filadelfo de Azevedo.
Seguiu-se o Dec.-lei 1.000, de 21.11.1969, que atualizou as normas da
legislação anterior. Como já foi afirmado, esse Decreto-lei, depois de ter a
sua vigência prorrogada várias vezes, acabou sendo definitivamente revogado, a
despeito de seus incontestáveis merecimentos. Salientou-se pelo empenho em simplificar os trâmites
cartorários, dispensando, por inúteis, certos assentamentos, como os do
Livro-Talão. Ao mesmo tempo, permitiu que os livros do registro fossem
substituídos por fichas ou pelo sistema de folhas soltas, suscetíveis de serem
datilografadas. Cuidou de abreviar providências escusadas, facilitando a tarefa
dos escrivães e auxiliares. Acompanhou, assim, o progresso da tecnologia, em matéria
de escrituração dos atos do registro, à maneira dos progressos da escrituração
bancária, comercial e pública. Tentou retirar das Serventias da Justiça os processos morosos, intrincados e
obsoletos.
Em substituição a esse Decreto-lei, elaborou-se a vigente Lei 6.015, de
31.12.1973, alterada pela Lei 6.216, de 30.06.1975. Dentro dos roteiros da Lei
6.015, primou por maior simplificação, condensando no Título V a matéria
relativa ao Registro de Imóveis (arts. 167 a 296).
Vige no país o princípio da territorialidade para fins de registro. De
regra, cada Municipalidade tem um registro imobiliário, o órgão isolado, sem
conexão com os demais. E a competência para a prática dos atos é absoluta. Se o
registro for promovido em circunscrição diversa, o ato é considerado
inexistente.
De outro lado, nas escrituras de compra e venda exigem-se muitos
documentos fiscais, além do tributo correspondente, o que não acontece com os
documentos particulares. Daí porque se opta pela solução mais cômoda. O Brasil
real não coincide com o Brasil legal. Há um incessante combate entre os documentos
públicos e os particulares.
O principal e mais transcendente está na instituição da matrícula
para cada imóvel em sua folha, na qual os registros e as averbações dos
títulos que tenham por objeto o imóvel matriculado são efetuados,
cronologicamente, modificando radicalmente a sistemática tradicional do
registro, proporcionando a futura cadastração imobiliária, aproximando-nos bastante do sistema
cadastral germânico, considerado o mais perfeito por todos os especialistas na
matéria.
Outrossim, a matrícula
(fólio real), se distingue de outras em países irmãos, porquanto a brasileira
mantém todos os requisitos anteriores. Um autêntico curriculum vitae da
propriedade imobiliária. O inconveniente está em que ela só foi instituída a
partir de 01.01.1976, trasladando-se os atos existentes anteriormente
(transcrições e inscrições). E não houve obrigação legal de todos os
interessados de trasladar para o novo sistema, assim que temos propriedades
tituladas sob a égide da transcrição, cujos livros obsoletos e manuscritos
remanescem e são manuseados, e temos propriedades já lançadas em matrículas
abertas sob os auspícios da nova lei, valendo-se dos dados existentes. Isso
acarreta grandes dificuldades no manuseio e controle dos atos, quer pela falta
de espaço, quer pela corrosão do tempo. Tal obrigação somente ocorre quando se
pratica ato passível de registro.
Os atos judiciais são passíveis de registro, mesmo os de caráter
acautelatório, v. g., protestos contra alienação. Mas há luta constante
entre a atividade registral e a jurisdicional, entendendo alguns magistrados
que a eficácia de seus atos não pode ser condicionada a registro, porquanto
estaria ferida a soberania dos vereditos. Não existe, ainda, no Brasil, uma consciência fundada na segurança
jurídica como fator de paz social.
A grande característica que existe na prática brasileira está nos
chamados contratos de promessa de compra e venda, feitas por instrumento
particular. Com grande extensão territorial, a propriedade no Brasil foi
dividida sem nenhuma programação. O êxodo rural precipitou o parcelamento do
solo, o que se deu através de pré-contratos. Nos tribunais valoriza-se a posse.
E hoje, no Brasil, cerca de 40% das propriedades ocupadas, com situação
jurídica consolidada, não são tituladas. Deferiu-se às promessas um direito
real oponível. E mesmo sem título definitivo, o promitente comprador dispõe da
coisa (v. g., constrói etc.). É uma realidade social. Os tribunais estão
abarrotados com demandas advindas de instrumentos particulares, e sem registro.
E valoriza-se a posse como fator social, em detrimento do sistema registral que
outorga a segurança jurídica.
Assim, o Direito registral somente criou sua autonomia com a Lei
6.015/73. Até então era mero apêndice do Código Civil. Nem a cadeira didática
de Direito notarial e registral tínhamos.
O sistema registral brasileiro é constitutivo (só se adquire a
propriedade com o registro). É
descentralizado com mais ou menos 3.200 Registros de Imóveis distribuídos pelo
Brasil), sendo o registrador um profissional do Direito,
remunerado pela parte (sistema privatizado) e seu ingresso dar-se-á por
concurso público realizado pelo Poder Judiciário, que fiscaliza seus atos, nos
termos da recente Lei 8.935/94, que regula a atividade de registro. Mas esse
sistema ainda exige aperfeiçoamento.
Com efeito, a Física e a Mecânica revogaram a Geografia; o fax revogou a
telegrafia e os correios; a informática revogou a máquina de escrever e outros
hábitos. A mídia acirrou as tendências sociais. Há que se repensar fundo e rápido
um sistema registral moderno e principalmente abrangente. A publicidade
passiva, circunscrita a uma pequena Municipalidade não integrada ao orbe, tende
a desaparecer. A tendência mundial é de blocos (de países, de Estados-membros,
de micro-regiões) com fins mais variados. E devemos instituir uma publicidade
similar a uma encíclica papal urbi et orbi, pena de sermos atropelados pela história, se já não o somos.
Fonte:
ARPEN, Décio Antônio, PAIVA, JOÃO PEDRO LAMANA. PANORAMA HISTÓRICO DO REGISTRO DE IMÓVEIS NO BRASIL
. Serviços de Registros Públicos de Sapucaia do Sul, RS,
Disponível em: http://www.lamanapaiva.com.br/mostra_novidades.php?id_novidades=85&id_noticias_area=1. Acesso em: 2 jan. 2011.
Postado por Sancho Neto