aspectos relevantes
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Publicado em 03/2007
Georreferenciar uma imagem ou um mapa significa tornar
suas coordenadas conhecidas num dado sistema de referência. A Lei Federal nº
10.267/01, entre outras alterações, criou o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais
(CNIR) e determinou a obrigatoriedade de georreferenciamento ao Sistema
Geodésico Brasileiro (SGB) dos imóveis rurais após transcorridos os prazos
fixados por ato do Poder Executivo (na espécie, a definição veio por Decreto
Federal, conforme se verá infra).
Imóvel rural, a grosso modo, é todo prédio rústico de
área contínua, localizado na zona rural do município, em que se aplique
ou se possa se aplicar a exploração extrativa agrícola, pecuária, ou
agro-industrial. A Constituição Federal traz a definição de imóveis rurais e
urbanos utilizando, para tanto, somente o critério da localização ("v.g.",
art. 191 da CRFB/88). O Código Civil também adotou o critério da localização ("v.g.",
arts. 1.239, 1.276, § 1º, e 1.303, todos do CC/02). O Estatuto da Terra exprime,
ao contrário, o critério da destinação do imóvel para defini-lo como rural,
independentemente de sua localização, importando, apenas, que se destine às suas
explorações agrárias (art. 4o, inciso I, da Lei Federal nº 4.504/64).
Este conceito do Estatuto da Terra, além de aplicar-se apenas "para os
efeitos desta Lei" (art. 4º, "caput", do Estatuto), não foi
recepcionado pela atual Constituição Federal, pelo menos no que tange à hipótese
do georreferenciamento. A título ilustrativo, cumpre informar que para fins
tributários (ITR e IPTU) o critério da destinação econômica é admitido pela
jurisprudência (vide, por exemplo, o REsp nº 492.869 do STJ, julgado em
15/02/2005).
A Lei Federal nº 10.267/01, salienta-se, veio em boa hora e
ao encontro dos anseios nacionais no sentido de promover a identificação,
estreme de dúvidas, dos imóveis rurais, com nítido objetivo de fiscalização e
segurança nos negócios jurídicos entabulados, evitando-se com isso a indesejável
sobreposição de áreas, fato recorrente num país de dimensões continentais como o
Brasil. Após estas considerações preliminares, passo a tecer alguns comentários
sobre a nova sistemática georreferencial de identificação dos imóveis rurais.
A análise de qualquer instituto jurídico deve começar pela
norma que o institui. Com o advento da Lei Federal nº 10.267/01, os artigos 176
e 225 da Lei dos Registros Públicos (Lei Federal nº 6.015/73) passaram a adotar
a seguinte redação, nos pontos relevantes:
"Art. 176. (...)
§ 1º (...)
II – (...)
3) a identificação do imóvel, que será feita com
indicação:
a) se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do
CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e
área;
b) (...)
§ 3º Nos casos de desmembramento, parcelamento ou
remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea ‘a’ do
item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir do memorial descritivo,
assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de
Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices
definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema
Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA,
garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis
rurais cuja somatória da área não exceda a 4 (quatro) módulos fiscais.
§ 4º A identificação de que trata o § 3º tornar-se-á
obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de
transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder
Executivo.
(...)
Art. 225 (...)
§ 3º Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais,
a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de
memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida
Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos
vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao
Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo
INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de
imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a 4 (quatro) módulos
fiscais." (grifou-se).
De notar que a obrigatoriedade da apresentação da descrição
georreferenciada dos imóveis rurais só ocorrerá em certas hipóteses e, se
verificadas estas, após transcorrido o prazo fixado por ato do Poder Executivo
(Decreto Federal nº 4.449/02, alterado pelo Decreto Federal nº 5.570/05). Há
ainda uma hipótese na qual o georreferenciamento é obrigatório, de exigência
imediata, independentemente da dimensão da área do imóvel rural. Senão vejamos.
Será exigido o georreferenciamento dos imóveis rurais quando
se pretender o registro imobiliário dos seguintes atos: a) qualquer
situação de transferência do imóvel rural (alienação, por exemplo); e b)
loteamento, desmembramento e remembramento do solo rural. É o que dispõe
o artigo 10 do Decreto Federal nº 4.449/02, com a redação que lhe foi atribuída
pelo Decreto Federal nº 5.570/05.
Os incisos I a IV do artigo 10 do Decreto Federal nº 4.449/02
estabelecem os prazos a partir dos quais o georreferenciamento dos imóveis
rurais será obrigatório. Para a contagem dos referidos prazos, deve-se utilizar
como termo "a quo" o dia 20 de novembro de 2003 (vide artigo 10,
§3º, do Decreto Federal nº 4.449/02, incluído pelo Decreto Federal nº 5.570/05).
Aliás, tal termo "a quo" já vinha sendo adotado antes mesmo do advento do
Decreto Federal nº 5.570/05, por força da interpretação que se fazia do próprio
§ 3º do artigo 176 da Lei Federal nº 6.015/73 (acrescentado pela Lei Federal nº
10.267/01), que exige a fixação de uma "precisão posicional" pelo INCRA sem a
qual era impossível a realização do georreferenciamento do imóvel. Tal precisão
posicional veio a ser fixada mediante a Norma Técnica para Georreferenciamento
de Imóveis Rurais homologada pela Portaria do INCRA nº 1.101, de 19 de novembro
de 2003, publicada no Diário Oficial da União no dia 20 de novembro de 2003
(daí o termo "a quo" ter sido fixado nesta data). No Estado do Rio Grande
do Sul, esta foi, inclusive, a orientação da Corregedoria-Geral da Justiça aos
Oficiais Registradores, "no sentido de que o termo ‘a quo’ para contagem dos
prazos estabelecidos no artigo 10 do Decreto 4.449/02 é o da publicação das
Instruções Normativas nº 12 e 13 e Portarias nº 1.101 e 1.102 do INCRA, ou seja,
20 de novembro de 2003" (Ofício-Circular nº 162/05-CGJ, publicado no Diário
da Justiça de 17/10/2005). Atualmente, repita-se, a questão do termo "a quo"
para a contagem dos prazos do georreferenciamento encontra-se pacificada, nos
termos do artigo 10, § 3º, do Decreto Federal nº 4.449/02, incluído pelo Decreto
Federal nº 5.570/05.
Estabelecido o termo "a quo" para a contagem dos
prazos de georreferanciamento, resta evidenciar o termo "ad quem", ou
seja, a partir de quando o imóvel rural deverá ser, obrigatoriamente,
georreferenciado em ocorrendo alguma das hipóteses previstas no "caput"
do artigo 10 do Decreto Federal nº 4.449/02. Os prazos são os seguintes:
I ) imóveis rurais com área de cinco mil hectares ou mais:
prazo de noventa dias, ou seja, devem ser georreferenciados a partir de
17 de fevereiro de 2004;
II ) imóveis rurais com área de mil a menos de cinco mil
hectares: prazo de um ano, ou seja, devem ser georreferenciados a
partir de 20 de novembro de 2004 (vide artigo 1o da Lei
Federal nº 810, de 06 de setembro de 1949);
III ) imóveis rurais com área de quinhentos a menos de mil
hectares: prazo de cinco anos (conforme alteração procedida pelo
Decreto Federal nº 5.570/05), ou seja, devem ser georreferenciados a partir de
20 de novembro de 2008 (vide artigo 1o da Lei Federal nº 810,
de 06 de setembro de 1949);
IV ) imóveis rurais com área inferior a quinhentos
hectares: prazo de oito anos (conforme alteração procedida pelo
Decreto Federal nº 5.570/05), ou seja, devem ser georreferenciados a partir de
20 de novembro de 2011 (vide artigo 1o da Lei Federal nº 810,
de 06 de setembro de 1949);
Após transcorridos tais prazos, de acordo com a dimensão da
área do imóvel rural, o Oficial do Registro de Imóveis fica proibido de praticar
na matrícula imobiliária os seguintes atos: a) desmembramento; b)
parcelamento; c) remembramento; d) transferência de área total; e e)
criação ou alteração da descrição do imóvel, resultante de qualquer
procedimento judicial ou administrativo (art. 10, § 2º, do Decreto Federal
nº 4.449/02, com a redação conferida pelo Decreto Federal nº 5.570/05).
Ademais, o artigo 2º do Decreto Federal nº 5.570, de 31 de
outubro de 2005, contempla nova regra a par das modificações aduzidas
ao Decreto Federal nº 4.449/02. De acordo com o referido dispositivo legal (art.
2º), para as ações judiciais ajuizadas antes da entrada em vigor do
Decreto Federal nº 5.570/05 (antes de 1º/11/05 – data da publicação do Decreto
no Diário Oficial da União), a exigência do georreferenciamento dos imóveis
rurais deverá observar os prazos previstos no artigo 10 do Decreto Federal nº
4.449/02. Entretanto, para as ações judiciais ajuizadas após a
publicação do Decreto Federal nº 5.570/05 (isto é, a partir do dia 1º/11/05), a
exigência do georreferenciamento do imóvel rural é imediata, qualquer
que seja a dimensão da área.
No caso da ação de usucapião de imóvel rural,
portanto, ajuizada após o dia 1º de novembro de 2005, a exigência da
descrição do imóvel georreferenciado é imediata, qualquer que seja a
dimensão da área do imóvel (art. 2o do Decreto Federal nº
5.570/05). Assim, deve o autor instruir a petição inicial com a identificação do
imóvel na forma do artigo 225, § 3º, da Lei Federal nº 6.015/73. Isso porque o
artigo 3o do Decreto Federal nº 4.449/02 estabelece o seguinte:
"Art. 3o Nos casos de usucapião de imóvel
rural, após o trânsito em julgado da sentença declaratória, o juiz intimará
o INCRA de seu teor, para fins de cadastramento.
§ 1º Para dar maior celeridade ao cadastramento do imóvel
rural, poderá constar no mandado de intimação a identificação do imóvel na
forma do § 3º do art. 225 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e o
endereço completo do usucapiente.
§ 2º Recebendo a intimação, o INCRA convocará o
usucapiente para proceder às atualizações cadastrais necessárias."
Com efeito, o artigo 226 da Lei dos Registros Públicos (Lei
Federal nº 6.015/73) já asseverava que "tratando-se de usucapião, os
requisitos da matrícula devem constar do mandado judicial". E para constar
do mandado judicial, a descrição georreferenciada do imóvel rural deve vir aos
autos por ocasião da petição inicial da ação de usucapião, até porque será com
base nesta descrição do imóvel que serão identificados os lindeiros que
necessariamente deverão ser citados para contestar, querendo, a demanda. A
descrição do imóvel, nas ações de usucapião, constitui a causa de pedir da
demanda, não podendo ser alterada após a citação dos réus. Ademais, dispõe o §
5º do artigo 22 da Lei Federal nº 4.947, de 06 de abril de 1966 (com a redação
dada pela Lei Federal nº 10.267/01), que "nos casos de usucapião, o juiz
intimará o INCRA do teor da sentença, para fins de cadastramento do imóvel
rural". Assim, conclui-se que, nas hipóteses de ação de usucapião, o
cadastro georreferenciado do imóvel perante o INCRA e, obviamente, perante o
álbum imobiliário ocorrerá apenas após o trânsito em julgado da sentença de
procedência do pedido.
Cumpre referir que o roteiro para troca de informações entre
o INCRA e o Registro de Imóveis foi estabelecido pela Instrução Normativa do
INCRA nº 26, de 28 de novembro de 2005, publicada no Diário Oficial da União nº
234, de 07 de dezembro de 2005, Seção 1, p. 142).
Feitas estas considerações pontuais, encerro o presente
artigo reproduzindo, para fins ilustrativos, um modelo de matrícula
imobiliária georreferenciada, confeccionada por um dos maiores especialistas no
assunto, o Doutor João Pedro Lamana Paiva, Oficial Registrador da Comarca
de Sapucaia do Sul/RS:
MODELO DE AVERBAÇÃO
AV-2/2.000(AV-dois/dois mil), em 17 de setembro de
2004.-
GEORREFERENCIAMENTO COM ABERTURA DE MATRÍCULA E ENCERRAMENTO
- Nos termos do (i) requerimento datado de quinze (15) de setembro (9) de
dois mil e quatro (2004), instruído com (ii) planta e memorial descritivo
elaborados pelo engenheiro agrimensor Fulano de Tal – CREA - xxx - D, de acordo
com o artigo 9º da Lei nº 10.267/01, regulamentada pelo Decreto nº 4.449/02,
contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais,
georreferenciados; com (iii) declaração firmada sob pena de
responsabilidade civil e criminal, de que não houve alteração das divisas do
imóvel registrado e que foram respeitados os direitos dos confrontantes; com
(iv) Escritura Pública Declaratória outorgada pelos proprietários dos
imóveis confrontantes, objetos das matrículas números 1.000, 2.000 e 3.000,
Livro 2-Registro Geral, desta Serventia; e, com (v) Certificação emitida
pelo INCRA, em doze (12) 02.04, assinada por Beltrano - FCT-04 - CREA 0001-RS,
de que a poligonal referente ao memorial descritivo deste imóvel, não se
sobrepõe, nesta data, a nenhuma outra poligonal constante de seu cadastro e que
a execução foi efetuada em atendimento às especificações técnicas estabelecidas
para o georreferenciamento de imóveis rurais, fica constando que a área do
imóvel objeto desta matrícula passa a ser de oitocentos e sessenta e cinco
hectares e oitenta e seis centiares (865,00,86 ha), encerrada num perímetro de
dezesseis mil, cento e trinta metros e setenta e sete centímetros (16.130,77m),
confrontando, AO NORTE, com Edeilton Wagner Soares e córrego do Morro, AO LESTE,
com Córrego do Morro, AO SUL, com Rio Urucuia e Jesus Alves Teodoro e, AO OESTE,
com Jesus Alves Teodoro e Edeilton Wagner Soares, cujas dimensões e
confrontações são as seguintes: "PARTINDO do piquete P-5, georeferenciado ao
Sistema Geodésico Brasileiro, meridiano central 45WGr, Datum SAD-69, cravado na
margem direita do córrego do Morro, definido pela coordenada geográfica de
latitude 15º34’11.555216" Sul e Longitude 47º35’37.112377"Wgr., e pelas
coordenadas Plano Retangulares Sistema UTM Norte: 8.277.997,60m e Leste:
329.114,12m, segue-se confrontando pelo referido córrego, sentido jusante, em
uma distância de 7.449,11 m, chega-se ao piquete P-6, (Norte: 8.273.291,87m e
Leste: 331.511,00m), cravado na foz do Córrego do Morro com o Rio Urucuia; daí,
segue-se pela margem esquerda do referido rio, sentido montante, com uma
distância de 2.600,62m, chega-se ao piquete P-1, (Norte: 8.272.053,17m e Leste:
330.164,66m); daí, segue-se confrontando com terras de Jesus Alves Teodoro, com
a distância de 14,04m e azimute verdadeiro de 302º08’22", chega-se ao piquete
P-2 (Norte: 8.272,060,64m e Leste: 330.152,77m); daí, seguindo com a distância
de 1.620,27m e azimute verdadeiro de 349º09’46", chega-se ao piquete P-3 (Norte:
8.273.652,10 m e Leste: 329.848,13); daí, segue-se confrontando com terras de
Edeilton Wagner Soares, em uma distância de 2.104,41m, chega-se ao piquete P-4
(Norte: 8.275.719,91 m e Leste: 329.457,84 m); daí, seguindo com a distância de
2.342,32m e azimute verdadeiro de 349º46’29", chega-se ao piquete P-5, ponto
inicial da presente descrição, fechando, assim, o seu perímetro". O imóvel acima
descrito foi matriculado nestes Serviços sob o número 25.000, Livro
2-Registro Geral, com o quê ENCERRA-SE a presente escrituração.-
PROTOCOLO - Título apontado sob o número 500,
em 17-9-2004.
Sapucaia do Sul, 17 de setembro de 2004.-
Registrador e/ou Substituto: _________________________.-
EMOLUMENTOS - R$15,80.- tmb
Sobre o autor
Gustavo Burgos de Oliveira
assessor jurídico do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul
OLIVEIRA, Gustavo Burgos de. Georreferenciamento dos imóveis rurais: aspectos relevantes. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1363, 26 mar. 2007. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/9648>. Acesso em: 24 nov. 2010.
Postado por Sancho Neto
Um comentário:
Parabéns. òtimo texto!!
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