Este Artigo é uma pérola !!!! Parabéns pala brilhante explanação Registrador!!!.
Em 9 de junho de 2009, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ editou a Resolução n. 81, dispondo sobre os concursos públicos para ingresso e remoção nas serventias notariais e de registro, estabelecendo normas gerais para a execução dos concursos públicos em cada Estado da federação.
Foram várias as questões tratadas. A que nos parece de maior
complexidade é a determinação da realização de provas orais nos
concursos para provimento de serventias notariais e de registro, à qual
foi atribuído o peso 4 (quatro), do que se depreende o fator decisivo da
prova oral no resultado final do certame, no que se refere à
classificação dos candidatos do concurso, cumprindo salientar que a
prova oral não era de costume aplicada nos concursos públicos desta
natureza, com exceção dos concursos realizados pelo Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo.
Diante dessa constatação, surge a preocupação sobre a observância dos princípios da isonomia, da impessoalidade e da moralidade administrativa e do regime democrático na
tramitação dos concursos para provimento de serventias notariais e de
registro, na medida em que, em provas orais, os candidatos são
inquestionavelmente identificados, afastando a objetividade
da avaliação, o que pode comprometer a análise isonômica dos
candidatos, na medida em que cada candidato concorrerá com os demais,
não somente pelo conhecimento demonstrado durante a realização das
provas, mas também por seus atributos físicos e pessoais, o que poderá
beneficiá-lo ou prejudicá-lo em detrimento dos demais.
Nesse quadro, é importante destacar que a atividade notarial e de
registro é exercida em caráter privado, por delegação do poder público,
sendo condição inarredável para o exercício da função a prévia aprovação
em concurso público, na forma do artigo 236, caput, §3.º, da CF/88.
A obrigatoriedade da realização de concurso público para o provimento
de serventias notariais e de registro é exigência que se coaduna com o
regime democrático, que assegura iguais oportunidades a todo e qualquer
cidadão para o desempenho de cargos, empregos e funções públicas,
restando extirpada de vez do ordenamento jurídico a sucessão nos
cartórios que outrora se operava pelo vínculo da hereditariedade, fruto
de um injustificado regime paternalista e patrimonialista.
O concurso público trouxe maior qualidade à atividade notarial e de
registro, permitindo a seleção dos agentes mais qualificados para o
desempenho da função, devendo resguardar a mais ampla e perfeita lisura
na sua tramitação, para que todos os candidatos sejam avaliados em
condições isonômicas, em um procedimento objetivo, evitando-se qualquer
tipo de pessoalidade e favorecimento.
A objetividade do concurso é o elemento definidor da livre iniciativa
para o exercício da função, de forma que o provimento de serventias
notariais e de registro seja assegurado a todas as pessoas que preencham
os requisitos previstos em lei para o exercício da atividade, dos quais
se destaca a prévia aprovação em concurso público, resguardada a estrita ordem de classificação do certame.
A função notarial e de registro qualifica-se por sua natureza essencialmente técnica e administrativa,
daí porque a avaliação isonômica e objetiva dos candidatos é fator
decisivo para a garantia da plena eficácia da prestação do serviço
público, que pressupõe, acima de tudo, agentes detentores de reputação ilibada, propensos a executar a sua função com imparcialidade e independência.
Por essa razão a necessidade da busca do justo processo seletivo na tramitação do certame, o que resta, em nossa visão, comprometido com a imposição da argüição oral nos concursos para provimento de serventias notariais e de registro.
Com base nas premissas relacionadas, consideramos inadequada a
realização de provas orais nos concursos para ingresso e remoção na
atividade notarial e de registro, na medida em que a prova oral retira a
objetividade da avaliação, dando oportunidade à
criação de favorecimento a certos candidatos do concurso, acometendo do
vício da pessoalidade a avaliação, comprometendo, assim, a avaliação
isonômica entre os candidatos do concurso.
Nos concursos para a área notarial e de registro, diferentemente dos
concursos para a Magistratura ou o Ministério Publico, mais importante
que a aprovação, é a classificação do candidato no concurso,
o que vai determinar ou não o seu ingresso na carreira, até porque
muitas das serventias disponibilizadas no certame são deficitárias.
Os concursos destinados ao provimento de serventias notariais e de registro são sui generis.
Na realidade, não se cuida de cargo público com remuneração certa e
invariável, aos quais se atribui determinada remuneração de acordo com o
tipo de atividade desenvolvida.
Ao contrário, a mesma atividade de oficial registrador ou tabelião
pode apresentar uma diferença astronômica de remuneração, se comparada
uma serventia com relação a outra.
Uma diferença de classificação pode representar um abismo entre duas
serventias ofertadas no certame, com uma variação de remuneração
superior a 150% (cento e cinqüenta por cento).
Por isso, mostra-se razoável a realização apenas de provas objetivas e
dissertativas, seguida da análise de títulos, nos concursos desta
natureza, para que o candidato seja avaliado de forma objetiva,
igualitária e imparcial, evitando-se qualquer forma de pessoalidade na tramitação do certame.
Érico Novais Penna(1) cita caso em que, em um concurso para Juiz
Federal, um determinado candidato, embora de reputação ilibada, foi
reprovado somente pela sua pouca idade.
Por sua vez, "não raro mulheres foram alijadas do concurso por serem
mulheres. Por não serem bonitas e até por serem bonitas demais. Negros,
ora são afastados, ora são privilegiados, como uma forma de racismo ao
contrário, para ‘demonstrar' que se está a aprovar como uma demonstração
de inclusão social, pouco importa o aproveitamento na prova oral".
Prossegue o autor, enfatizando que a realização de provas orais
compromete a impessoalidade do concurso, violando, por sua vez, o
princípio da isonomia, que assegura a todos iguais oportunidades de
acesso a cargos e funções públicas.
Na mesma linha, Flávio Sátiro Fernandes, apud PENNA(2) (sine data), no seu artigo A prova oral como elemento defraudador dos princípios da impessoalidade e da moralidade, assim se manifesta:
"... um concurso público que utiliza a prova oral se mancha dos seguintes vícios:
a) induz ao favorecimento de afilhados ou terceiros, em
detrimento daqueles que, embora capazes, não tenham aproximação com o
administrador e não possam beneficiar-se de seus favores;
b) desprivilegia o mérito e a probidade, na medida em que o
julgamento dos examinadores, exercitado de modo altamente subjetivo não é
dotado da indispensável transparência;
c) enseja deslealdade à administração, na medida em que o
apadrinhamento é suscetível de ocorrer, com a preterição dos mais
capacitados e aproveitamento de beneficiários do afilhadismo,
violentando a moralidade.
Como procedimento que favorece a pessoalidade ou a parcialidade,
assim como a violação aos princípios da igualdade e da moralidade, a
prova oral merece ser alijada da pública administração que, como é
sabido, se alicerça em um conjunto de princípios constitucionais, alguns
explícitos, outros implícitos, que não podem ser defraudados, violados,
transgredidos."
É importante esclarecer que os concursos destinados para provimento
de serventias notariais e de registro possuem uma peculiaridade
diferente dos concursos destinados ao preenchimento de cargos na
Magistratura e no Ministério Público.
Nestes concursos, todos os candidatos que obtiveram uma pontuação
mínima em todas as etapas do concurso, especialmente na prova oral, são
considerados aprovados no certame, assumindo um cargo público de mesma
natureza e com subsídios equivalentes aos demais candidatos do mesmo
concurso.
Dessa forma, havendo 30 vagas disponíveis para o cargo de Juiz de
Direito Substituto em um determinado concurso, pouco importa para os
candidatos lograrem aprovação na 1ª ou na 30ª classificação. Todos os
aprovados assumirão o cargo de Juiz de Direito, percebendo subsídios
equivalentes.
O mesmo não ocorre nos concursos destinados para provimento de
serventias notariais e de registro, em que a maior parte das serventias
disponibilizadas no concurso possuem baixa arrecadação de emolumentos,
como ocorre com a maior parte dos Cartórios de Registro Civil de todo o
nosso país, onerados pelo mandamento do registro gratuito, situação que
evidencia a importância da classificação do candidato no concurso.
Nos concursos para a área notarial e de registro, mais importante que a aprovação, é a classificação do candidato no concurso, o que vai determinar a viabilidade de o candidato assumir uma determinada serventia notarial e de registro.
Outra constatação que merece apontamento é que a pontuação dos
candidatos aprovados nas provas objetiva e dissertativa do concurso
resta separada por décimos.
Por exemplo, enquanto o primeiro classificado obteve a nota geral
8,00 nas provas objetiva e dissertativa, pode-se ter certeza de que o
15º colocado logrou tirar nota geral 7,50 nas provas.
O que se pretende demonstrar é que a posição deste candidato
classificado na 15ª posição, após a realização das provas objetiva e
dissertativa, pode facilmente ser deslocada para a 1.ª classificação, na
eventualidade de qualquer um dos examinadores do concurso decidir
privilegiá-lo, em detrimento dos demais candidatos, o que pode favorecer
o chamado lobby nos concursos, deixando-se de lado os critérios objetivos da avaliação.
Há que se lembrar que a prova oral tem peso 4 (quatro), de acordo com a Resolução, o que irá refletir de forma decisiva na classificação final dos candidatos do concurso.
Acima de todos esses fatores, há que se priorizar a avaliação da
capacidade do candidato para assumir a delegação, ou seja, o
conhecimento do candidato sobre os assuntos relacionados à função
notarial e de registro, pouco importando os aspectos pessoais na
avaliação.
Fatores pessoais jamais poderão ser causa de favorecimentos ou motivo
de desprezo do candidato no concurso, devendo o certame pautar-se por
critérios objetivos, diretamente relacionados com o conhecimento e a
aptidão do candidato para o exercício do cargo pretendido.
Diante dessas condições, há que se reconhecer que não se mostra
plausível deixar-se o resultado de um concurso público de tamanha
complexidade, nas mãos de poucos examinadores, que constarão em uma
banca de prova oral, à qual foi atribuído o peso 4 (quatro), e mesmo que
o peso da prova oral fosse menor, porque a nota atribuída ao candidato
na prova oral refletirá decisivamente na classificação final auferida no
concurso.
Doutra banda, em um concurso público, mostra-se necessário garantir
plena isonomia entre os candidatos, no que diz respeito ao grau de
dificuldade das questões indagadas; e isso não ocorre em uma prova oral.
Primeiramente, porque aos candidatos são lançadas indagações sobre
diversos assuntos, de diferente complexidade, ora mais fáceis, ora mais
difíceis. O grau de complexidade das questões nunca é o mesmo.
Por sua vez, considerando que as provas orais são realizadas em
diferentes turnos, perdurando dias as vezes, os candidatos argüidos na
posição posterior restarão favorecidos em detrimento dos convocados em
momento anterior, pela possibilidade de os mesmos tomarem prévio
conhecimento sobre o estilo de questões que estão sendo formuladas pelos
membros componentes da banca examinadora.
Como então afirmar-se que os candidatos em uma prova oral
são tratados de forma igual, com paridade, se nem questões de mesma
natureza e complexidade são submetidas aos mesmos?
Há flagrante violação ao princípio da isonomia na realização
de uma prova oral nos concursos destinados ao provimento de serventias
notariais e de registro, não existindo qualquer indicativo que demonstre
o contrário. Essa é a realidade que deve ser afastada.
O regulamento editado pelo Conselho Nacional de Justiça, que trata
dos concursos para ingresso e remoção na atividade notarial e de
registro, não pode ficar vulnerável a essa questão, devendo resguardar a
isonomia, imparcialidade, moralidade, e eficácia dos concursos público
para provimento de serventias notariais e de registro, o que somente se
mostra possível em se aplicando a ampla e irrestrita objetividade
na avaliação, eliminando a prova oral dos concursos públicos para
provimento de serventias notariais e de registro, tal como o era feito
até os dias de hoje pela quase unanimidade dos Tribunais de Justiça de
cada Estado da Federação.
Além do mais, a prova oral não permite aos candidatos o uso de seu
direito constitucional ao duplo grau de jurisdição, conforme sustenta
Adauto Alonso S. Suannes(3), desembargador aposentado do Tribunal de
Justiça de São Paulo, em seu artigo A inconstitucionalidade das provas orais.
Por fim, há que se analisar o objetivo de uma prova oral. Nos
concursos para a Magistratura e para o Ministério Público, a prova oral
destina-se a avaliar a oratória e a desenvoltura do futuro Juiz e
Promotor de Justiça para o exercício da função, já que nestas profissões
a oratória é utilizada cotidianamente no expediente forense.
Ao contrário, para o exercício do cargo de tabelião e de registrador,
cuja atividade é eminentemente intelectual e burocrática (elaboração de
escrituras e análise de documentos), não se justifica a imposição da
prova oral, devendo prevalecer a impessoalidade na avaliação.
Dessa forma, cumpre reconhecer que a demonstração de uma oratória
eloqüente não é requisito inarredável para o exercício da função de
tabelião ou registrador, tal como o é para o exercício da função de
Magistrado ou Promotor de Justiça, que se utilizam da exposição oral
cotidianamente no exercício da função, devendo a prova oral ser
extirpada dos concursos para provimento de serventias notariais e de
registro.
Por derradeiro, conclui-se que não se justifica a determinação da
realização de provas orais nos concursos para ingresso e remoção na
atividade notarial e de registro, considerando que os candidatos são
inquestionavelmente identificados na argüição oral.
Tal evidência acarreta violação ao princípio da igualdade, da
isonomia, da impessoalidade e moralidade administrativa, porquanto aos
candidatos não é garantia a paridade na avaliação.
O preso 4,00 atribuído às provais orais torna possível a manipulação
do resultado do concurso, influindo em muito na classificação final do
certame. Não há como se deixar nas mãos de poucos examinadores a
subjetividade de ordenar o resultado do concurso.
O princípio da isonomia é da essência dos concursos públicos,
garantindo o direito de todo e qualquer cidadão de concorrer em paridade
de condições ao exercício de uma determinada função pública, primado
básico do Estado Democrático de Direito, que materializa o princípio da
dignidade da pessoa humana, constituindo o único meio legítimo para o
exercício da função notarial e registral, devendo-se resguardada,
portanto, a mais ampla e irrestrita objetividade na avaliação.
Notas:
(1) PENNA, Érico Novais. Prova oral - inconstitucionalidade.
Disponível em
<http://www.defensoria.ba.gov.br/arquivos/downloads/Prova%20oral%20-%20inconstitucionalidade-%20erico.pdf
>. Acesso em 30 jun. 2009
(2) PENNA, Érico Novais. Obra cit. Disponível em
<http://www.defensoria.ba.gov.br/arquivos/downloads/Prova%20oral%20-%20inconstitucionalidade-%20erico.pdf
>. Acesso em 30 jun. 2009
(3) SUANNES, Adauto Alonso. A inconstitucionalidade das provas orais. Disponível em <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/16763/16327>. Acesso em 30 jun. 2009.
Coluna sob responsabilidade dos membros do Projeto de Pesquisa do
Mestrado em Direito do Unicuritiba: Livre Iniciativa e Dignidade Humana
(Ano II), liderado pelo advogado e Prof. Dr. Carlyle Popp e pela
advogada e Profa. M.Sc. Ana Cecília Parodi.
grupodepesquisa.mestrado@ymail.com.
Esta coluna tem compromisso com os Objetivos para o Desenvolvimento do Milênio.
Autor:
Bruno Becker. Oficial Registrador, Mestrando em Direito
Empresarial e Cidadania pela Unicuritiba, Especialista em Direito
Registral Imobiliário pela PUCMinas, Especialista em Direito Urbanístico
pela PUCMinas, Especialista em Direito Notarial e Registral pela Unisul
(rede LFG), Graduado em Direito pela Unijuí - RS. Membro do Projeto de
Pesquisa: Livre Iniciativa e Dignidade Humana, do Mestrado do
Unicuritiba
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