12UTC agosto 2008 às 6:43 pm · Arquivado em Mundo registral.
Carlos Frederico Coelho Nogueira
Tive oportunidade de me manifestar em uma das palestras do Café com Jurisprudência, realizado em Barueri, no ano passado, sobre a questão da prisão por desobediência do registrador que, ao fazer a qualificação negativa de mandado judicial, deixa de cumprir a ordem ali constante.
O tema precisa ser repensado à luz das regras do Direito Penal e do Direito Processual Penal.
O mesmo se diga de ordens judiciais acompanhadas da ameaça de instauração de inquérito policial por prevaricação ou por desobediência, nos mesmos casos.
É evidente que as ordens judiciais devem ser cumpridas; é evidente que os notários e os registradores são fiscalizados pelo Poder Judiciário, ao qual devem o maior respeito, o maior acatamento e a maior consideração. Igualmente se me afigura evidente que o magistrado, detentor de parcela de um dos Poderes do Estado, é autoridade, no sentido jurídico da expressão, exercendo cargo de extrema relevância jurídico-político-social.
Também é evidente, contudo, que ordens manifestamente ilegais não podem e não devem ser cumpridas, pois seu cumprimento, isso sim, pode configurar crime por parte do registrador. Tanto isso é verdade que aquele que pratica uma conduta eventualmente delituosa em estrita obediência a ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico não pode ser punido por sua conduta, por ela respondendo apenas o autor da ordem, nos termos do art. 22 do Código Penal. Daí se concluir que aquele pratica uma conduta delituosa em obediência a ordem manifestamente ilegal de superior hierárquico responde pelo crime, em conjunto com o autor da ordem.
Por outro lado, o crime de desobediência, tipificado pelo art. 330 do Código Penal, consiste em “desobedecer a ordem legal de funcionário público”. Assim sendo, quem desobedece a uma ordem ilegal de funcionário público não pratica o crime de desobediência.
Igualmente, o crime de prevaricação, descrito pelo art. 319 do CP, pressupõe, consoante seu texto expresso, que o funcionário público cometa uma ilegalidade para satisfação de sentimento ou interesse pessoal, elementos subjetivos do tipo.
Destarte, o registrador que qualifica negativamente um mandado ou outro tipo de ordem judicial, no cumprimento de seu dever de ofício, tendo em vista a necessidade de preservação dos princípios da continuidade, da legalidade, da especialidade objetiva, da especialidade subjetiva ou da disponibilidade, não pratica desobediência nem prevaricação, nem mesmo em tese, a não ser que o faça porque quer, dolosamente, afrontar a autoridade de um juiz, ou desprezá-lo, ou humilhá-lo, ou irritá-lo, ou simplesmente descumprir uma ordem perfeitamente legal emanada da autoridade judiciária.
Já do ponto de vista processual penal, não tem cabimento uma ameaça de prisão por desobediência ou por prevaricação, constante de mandado judicial dirigido a oficial registrador, em caso de seu não cumprimento.
Que tipo de prisão seria essa?
Em flagrante?
NÃO, pois quando um registrador recebe uma reiteração de mandado judicial, agora com ameaça de prisão, por ter, anteriormente, qualificado negativamente outro (ou o mesmo) mandado, não se faz presente nenhuma das situações de flagrante delito, taxativamente enumeradas pelo art. 302 do Código de Processo Penal. Tivesse havido crime, já teria de há muito se consumado.
AINDA QUE, – argumentando – se configurasse uma dessas situações de flagrância, não poderia haver prisão em flagrante, pois a pena máxima dos crimes de desobediência e de prevaricação é inferior a 2 anos de detenção. Por essa razão, os dois crimes são infrações penais de menor potencial ofensivo, diante da expressa definição constante do art. 61 da Lei 9.099/95 (com sua redação atual), o que equivale dizer que são de competência dos Juizados Especiais Criminais (JECRIMs).
Por serem de competência dos JECRIMs, a eles se aplica o parágrafo único do art. 69 da dita Lei 9.099/95, bem como seu caput, segundo os quais a única providência a ser tomada pelo delegado de polícia, chegando ao seu conhecimento a prática de uma infração dessas, é a elaboração do termo circunstanciado (TC), liberando em seguida o suposto autor do delito (se este lhe tiver sido apresentado), ao qual não se imporá prisão em flagrante se se comprometer a comparecer perante o JECRIM, quando vier a ser convocado para tanto.
O delegado não pode, sequer, instaurar inquérito, que é expressamente dispensado pelo § 1º do art. 77 da mesma Lei 9.099/95. Com efeito, não se instaura inquérito policial por desobediência ou por prevaricação, à luz da legislação atual. O Termo Circunstanciado, previsto pelo caput do art. 69 da dita lei, substitui o inquérito policial.
Bem. Haveria, então, possibilidade de tal ordem de prisão ter a natureza de mandado de prisão temporária?
NÃO, porque esse tipo de prisão só é cabível nos crimes taxativamente relacionados no art. 1º, inc. III da Lei 7.960/89, entre os quais não estão nem a desobediência nem a prevaricação.
Seria, então, caso de mandado de prisão preventiva?
NÃO, porque a PP só é cabível nos crimes dolosos punidos com reclusão, a teor do caput e do inc. I do art. 313 do CPP, e os dois crimes em apreço são punidos com detenção.
Então, que prisão é essa?
Prisão ilegal, configuradora de constrangimento ilegal sobre a liberdade de locomoção.
Perfeitamente cabível o HC, portanto, nos termos do art. 648, I do CPP.
Carlos Frederico Coelho Nogueira é registrador do RITDPJ de Barueri e professor de Processo Penal há trinta nos.
Informações Bibliográficas
FREDERICO, Coelho Nogueira Carlos, Regitradores Imobiliários e as ordens Judiciais. In: Biblioteca Digital Medicina Animae, SP - 01/02/2010 [Internet]. Disponível em http://64.233.163.132/search?q=cache:ZEUBzGzBQjkJ:arisp.wordpress.com/2008/08/12/registradores-imobiliarios-e-as-ordens- judiciais/+aspectos+penais+do+cumprimento+de+ordens+judiciais+pelo+registrador&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br&lr=lang_pt&client=firefox-a. Acesso em 03/04/2010.
Postado por Sancho Neto.
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