CELSO BEDIN
A regra-matriz constitucional do ISSQN encontra-se no art. 156, III, da Constituição Federal de 1988, in verbis:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar (grifei).
Não apenas porque se trata de norma de
eficácia limitada, cuja aplicabilidade depende, expressamente, de
legislação infraconstitucional, mas também porque, como é sabido,
“cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, base de cálculo e contribuintes” (art. 146, III, “a”, da Constituição Federal de 1988), editou-se a Lei Complementar Federal nº 116, de 31/07/2003, que “dispõe sobre o imposto sobre serviços de qualquer natureza, de competência dos municípios e do distrito federal”.
No art. 1º desta Lei lê-se:
Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
§ 1o O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.
§ 2o Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.
§ 3o O imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço.
§ 4o A incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado
Adentrando imediatamente no ponto que
nos interessa no momento, observa-se, de plano, que ao delimitar o
aspecto material da hipótese de incidência do imposto, definida no
“caput”, o § 3º deste artigo preceitua que os “serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão” podem ser tributados. Logo, os serviços públicos explorados mediante delegação,
como é o caso dos serviços notariais e de registro, não podem sê-lo,
pois claramente encontram-se fora do âmbito material da hipótese de
incidência.
Explico. O conceito jurídico de serviço
público varia conforme o critério que se adote. Em sentido formal,
corresponde o serviço público à tarefa exercida sob a influência de
normas de direito público; em sentido material, corresponde à atividade
que atende os interesses ou necessidades da coletividade; em sentido
orgânico — ou subjetivo —, corresponde à atividade prestada pelo
Estado.
Sem rigor doutrinário, pode-se dizer que
o serviço público corresponde a toda atividade desempenhada direta ou
indiretamente pelo Estado, visando solver necessidades essenciais do
cidadão, da coletividade ou do próprio Estado.
A teor do art. 175 da Constituição Federal de 1988, “incumbe
ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de
serviços públicos”.
A prestação indireta ou, por outras palavras, o traspasse da execução do serviço público, decorre:
a) da instituição de pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado criadas com essa finalidade;
b) de concessões;
c) de permissões.
Mas não é só. O Direito Público
brasileiro conhece, ainda, outra forma indireta de prestação de serviço
público essencial, que é a “delegação”.
Com efeito. O art. 236 da Constituição Federal de 1988 estabelece que “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”.
Concessão, permissão e delegação não se
confundem. São institutos profundamente diferentes, com regimes
jurídicos específicos e especiais.
Começa que da “concessão” e da “permissão”
cuida a Lei nº 8.987, de 13/02/1995, que instituiu o “regime de
concessão e permissão da prestação de serviços públicos” previsto no
art. 175 da Constituição, enquanto que a “delegação” é
objeto da Lei nº 8.935, de 18/11/1994, que “regulamenta o art. 236 da
Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro”.
Como averbou o consagrado Professor
CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO ao dissertar sobre os “particulares em
colaboração com a Administração”,
“esta terceira categoria de agentes é composta por sujeitos que, sem perderem sua qualidade de particulares — portanto, de pessoas alheias à intimidade do aparelho estatal (com exceção única dos recrutados para serviço militar) —, exercem função pública, ainda que às vezes apenas em caráter episódico. Na tipologia em apreço reconhecem-se: … d) concessionários e permissionários de serviços públicos, bem como os delegados de função ou ofício público, quais os titulares de serventias da Justiça não oficializadas, como é o caso dos notários, ex vi do art. 236 da Constituição, e bem assim outros sujeitos que praticam, com o reconhecimento do Poder Público, certos atos dotados de força jurídica oficial, como ocorre com os diretores de Faculdades particulares reconhecidas.” (cf. “Curso de Direito Administrativo”, Ed. Malheiros, 17ª edição, pág. 232).
Pois bem. Sabendo-se que “a lei
tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de
institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa
ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos
Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios,
para definir ou limitar competências tributárias” (art. 110 do
Código Tributário Nacional), e que no Direito Tributário material ou
substantivo (obrigação tributária) não há espaço para a analogia e nem
tampouco para a equidade, impõe-se concluir que o serviço público
executado sob a forma de “delegação” está fora da hipótese de incidência do ISSQN definida no “caput” do art. 1º da Lei Complementar Federal nº 116/2003.
Em reforço desta conclusão, vale
lembrar, ainda, que a parte final do § 3º do art. 1º da Lei
Complementar Federal nº 116/2003 refere-se a “pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço”, e desde o Brasil colônia os serviços “notariais e de registro” são remunerados através de “emolumentos”.
Poderia o legislador complementar
ignorar este fato? Claro que não, tanto mais que no § 2º do art. 236
da Constituição Federal de 1988, está dito:
“Art. 236.
…
§ 2º. Lei federal estabelecerá normais
gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos
serviços notariais e de registro”.
…”.
Com efeito, em face da natureza da
atividade remunerada, serviço público específico e divisível, essencial
à subsistência de qualquer Estado de Direito e que alcança a todos os
membros do organismo social, sua utilização mostra-se inevitável e o
seu pagamento cogente. Essas características permitem incluir os
emolumentos sob a epígrafe dos tributos, mais especificamente como
pertencentes à categoria das taxas.
Bem a propósito, atingindo em cheio o
“punctum saliens” da questão, o Prof. ÁLVARO MELO FILHO, em artigo de
doutrina publicado na revista eletrônica “Consultor Jurídico” do dia
15/08/2003 sob o título “Incidência do ISS sobre emolumentos é
inconstitucional”, disse:
“É imperioso destacar que o Supremo
Tribunal Federal já construiu remansosa, iterativa e pacífica
jurisprudência no sentido de que os emolumentos (art. 236, § 2º da CF e
Lei Federal nº 10.169, de 29.12.2000) têm a natureza tributária de
taxa. Com efeito, na ADI 1378 MC/ES, cujo Relator foi o Min. Celso de
Mello (DJ de 30.05.97, p. 23175) está expresso de forma clara e
induvidosa que:
“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em consequência, quer no que concerne a sua instituição e majoração, quer no que se refere a sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias especiais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade”. (grifou-se)
Se, por absurdo, fossem consideradas
insuficientes tão relevantes e fundamentadas razões jurídicas
promanadas do acatado e eminente Ministro, basta conferir no RE 116208
(in RTJ 132/867), na ADI 948 (in RTJ 172/778) e na ADI 2040 (in RTJ
173/75) que são alguns dos decisórios, todos com semelhante
interpretação, reforçando a posição uníssona e coerente da Corte
Suprema. E, para dissipar, de vez, quaisquer dúvidas sobre a natureza
tributária dos emolumentos, atente-se para o art. 5º da Lei nº
10.169/00 ao dispor que “o valor dos emolumentos poderá sofrer
reajuste, publicando-se as respectivas tabelas, até o último dia do
ano, observado o princípio da anterioridade”.
Nesse contexto, se os emolumentos, sem
tergiversações de seu sentido e alcance, têm a natureza jurídica de
taxa, dessume-se que esta
tipologia tributária não pode
transfundir-se como base de cálculo para a exigibilidade do ISS, outra
espécie do gênero tributo. Vale dizer, está-se diante de um tributo
(ISS – imposto) incidindo sobre outro tributo (Emolumentos – taxa), o
que, nos planos fático e jurídico, vulnera e macula ditames e
princípios constitucionais e tributários.
Na esteira deste raciocínio, não se pode
deslembrar que “a atividade notarial e registral, ainda que executada
no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em
decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade,
sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime jurídico de direito
público” (ADI 1378 já referida). Vale dizer, as atividades notariais e
registrais destinadas “a garantir a publicidade, a autenticidade, a
segurança e a eficácia dos atos jurídicos” (Lei nº 8.935/94, art. 1º),
efetivadas “em caráter privado por delegação do Poder Público” (CF,
art. 236), no dizer do insigne Min. Celso de Mello no acórdão já
aludido, “não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas
atividades de índole administrativa”, donde se deduz que se trata
de “serviços públicos”, até porque “dotados de fé pública”, na dicção
do art. 3º da Lei nº 8.935/94.
Cumpre anotar, de outra parte, que a referida Lei Complementar nº 116/03, no § 3º do art. 1º prescreve literalmente que:
“Art. 1º – ………………..
§ 3º – O imposto de que trata esta Lei
Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a
utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente
mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de
tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço.” (grifou-se)
Nesse diapasão, extrai-se do texto
transcrito que a cobrança do ISS pode ocorrer nas hipótese de
autorização, permissão ou concessão, o que não é o caso dos serviços
notariais e registrais que são exercidos por “delegação do Poder Público”.
É cediço que o legislador, especialmente
o constituinte, não faz uso de sinonímia. Por isso, não há como
confundir-se “delegação” (art. 236, CF) com “concessões, permissões e
autorizações”, igualmente constantes do Texto Constitucional (arts. 21,
XI e 223, caput), tornando patente que se trata de hipóteses
absolutamente distintas e inconfundíveis. Ou seja, a Constituição
Federal prevê expressamente os quatro institutos e não um, e, por
imperativo lógico-interpretativo, conclui-se que há diferenças entre
eles, sob pena de olvidar-se a lição de Carlos Maximiliano de que “não se presumem, na lei, palavras inúteis”.
Outrossim, não se pode condenar à inutilidade categorias jurídicas com
identidade conceitual já consagradas e sedimentadas na legislação,
doutrina e jurisprudência pátria, e, por isso mesmo, acolhidas e
insculpidas na Lei Maior, sendo defesa ou vedada qualquer alteração
conceitual por normas de inferior hierarquia ou interpretação imprópria
e distorcida.
Recorde-se que concessão é o instituto
mediante o qual o Estado atribui a terceiro o exercício de um serviço
público (nunca sua titularidade, que é intransferível), que será
prestado em nome próprio, por conta e risco do concessionário, nas
condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas
sob a garantia contratual de um equilíbrio econômico e financeiro,
cobrado geralmente por meio de tarifas e com prazo determinado de
duração. A concessão de obra pública é o mais comum exemplo desta
tipologia.
Já o instituto da permissão pode ser
definido como a atribuição de um serviço público, a título precário,
mediante licitação e através do chamado contrato de adesão, feita pelo
Poder Público à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para
seu desempenho, por sua conta e seu risco. Um exemplo sempre repontado
é o de facultar a instalação de bancas de jornais ou de tabacarias em
logradouro público.
A autorização é o ato unilateral pelo
qual a Administração, discricionariamente, faculta o exercício de
atividade material, tendo, como regra, caráter precário, de que são
exemplos o porte de arma ou a autorização para exploração de jazida
mineral.
A delegação, para os fins a que se
propõe este trabalho, é o ato que envolve, do ângulo do delegante,
forma de representação do poder estatal ao credenciar seu delegado, e,
sob o prisma do delegado (notários e registradores), é vinculada ao
cargo público atribuído ao seu exercente, em caráter permanente, criado
por lei, com denominação própria, dependente de aprovação em concurso
público e submetido à fiscalização pelo Poder Judiciário. Nesse passo,
traz-se à colação, exemplos deduzidos, com maestria, por Hely Lopes
Meirelles para quem os serventuários de ofícios não estatizados, os
leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos, as demais pessoas que
recebem delegação para a prática de alguma atividade estatal ou
serviço de interesse coletivo.
É importante registrar que o festejado
mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, no seu “Curso de Direito
Administrativo”, Ed. Malheiros, S. Paulo, 9ª ed, p. 450, ressalta que
delegação “como bem se vê na linguagem constitucional, quadra melhor
para designar a investidura no desempenho de atividade jurídica
– e não atividade material (caso da concessão). De fato, o art. 236 da
Lei Maior serve-se da voz “delegação” para atividades eminentemente
jurídicas, as notariais e de registro, ao passo que no art. 21, XI e
XII, refere-se a concessões para serviços materiais como os
telefônicos, telegráficos, de radiodifusão…..”. Por isso, pode-se
asseverar que a delegação envolve atividades não econômicas, enquanto a
concessão, a permissão e a autorização albergam atividades econômicas.
Seria verdadeiramente absurda, porque
expressiva de delirante autoritarismo e desprezo pela Constituição a
exigibilidade de ISS sobre os serviços notariais e registrais, pois,
como adverte Ferrara (in “Interpretação e Aplicação das Leis”, 1937, S.
Paulo, Saraiva & Cia. Editores, p. 28), “o intérprete deve
apurar o conteúdo da vontade que alcançou a expressão em forma
constitucional e não já as volições alhures manifestadas ou que não
chegaram a sair do campo intencional. Pois que a lei não é o que o
legislador quis exprimir, mas tão-somente aquilo que ele exprimiu em
forma de lei”. E não é outra a lição de Rui Barbosa, que se
ajusta como uma luva à hipótese sub examine, ao averbar que “em
presença de um texto claro, preciso, inequívoco, não há que estar
argumentando como se nos achássemos ante um enunciado incompleto ou
indistinto, do qual houvéssemos de extrair por ilações ou deduções a
ilação mais plausível. (Parecer in Revista do Supremo Tribunal, vol. 9,
p. 305). (…) Aqui não há controvérsias de interpretação. Interpretação
cessat in claris. A Constituição modelou a expressão da sua vontade em
termos inequívocos”.
Impende deixar claro, ainda, que os
emolumentos não se confundem com “tarifa, preço ou pedágio” (§ 3º do
art. 1º da LC nº 116/03), até porque sua fixação ou quantificação
resulta de lei, de cada unidade federativa, no exercício de competência
concorrente, para atendimento das peculiaridades locais, ou seja, não é
tarifa, nem preço, nem pedágio, dado que, nestas hipóteses, é o valor
cobrado pela prestação de serviços públicos por empresas públicas,
sociedades de economia mista, empresas concessionárias e
permissionárias de serviços públicos. Os ofícios notariais e registrais
não são empresa pública ou privada e nem sociedade de economia mista,
mas titularizados por pessoas físicas responsáveis por aqueles
serviços, inviabilizando, também por esta ótica, sua inclusão na lista
definidora do ISS anexa à LC nº 116/03.
Diante das observações feitas, deflui-se e conclui-se, sem o mais mínimo contorcionismo exegético, sobretudo quando a mens legis
não dá azo a interpretação diversa, que delegação e emolumentos são
expressões alheias e inexistentes no § 3º do art. 1º da LC nº 116/03,
e, conseqüentemente, refogem à órbita de incidência do ISS, sendo,
assim, insustentável a mantença do item 21.01 da nova Lista de Serviços
anexa àquele diploma legal, por afrontar postulados e normas
constitucionais, malferir a legislação infra-legal aplicável, ofender a
doutrina e atropelar a jurisprudência sobre a matéria aqui examinada.
Alfim, como preleciona Konrad Hesse,
“todos os interesses momentâneos – ainda quando realizados – não logram
compensar o incalculável ganho resultante do comprovado respeito à
Constituição”, especialmente quando, o apontado item 21.01, da tão
realçada Lista de Serviços da LC nº 116/03, classifica-se como hipótese
tributária abusiva, visivelmente írrita, insubsistente, nula e
desvestida de qualquer validade e consistência jurídicas, e, portanto,
insusceptível de produzir quaisquer efeitos jurídicos.”
Em suma, destas premissas extraem-se duas conclusões:
1 – se os emolumentos cobrados pelos serviços prestados pelas serventias extrajudiciais possuem natureza de taxa, é óbvio que não se confundem com tarifa, preço ou pedágio, de que fala o § 3º do art. 1º Lei Complementar nº 116/2003;
2 – os serviços notariais e de registro, que são executados mediante DELEGAÇÃO e remunerados através de EMOLUMENTOS por imposição expressa da Constituição Federal de 1988, não são abrangidos pela hipótese de incidência do ISSQN.
Importante ressaltar que não se está
aqui defendendo a tese de que os serviços notariais e de registro estão
albergados pela imunidade de que fala o art. 150, VI, “a”, da
Constituição Federal (imunidade recíproca).
Imunidade, no dizer do Desembargador Federal e ilustre Professor HUGO DE BRITO MACHADO,
“é o obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoas. É possível dizer-se que a imunidade é uma forma qualificada de não incidência. Realmente, se há imunidade, a lei tributária não incide, porque é impedida de fazê-lo pela norma superior, vale dizer, pela norma da Constituição” (“Curso de Direito Tributário”, Ed. Malheiros, 16ª edição, pág. 169).
Por outras palavras,
“ao proceder à repartição do poder impositivo, pelo mecanismo da competência tributária, a Constituição Federal coloca fora do campo tributável reservado à União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, certos bens, pessoas e serviços, obstando assim — com limitar o âmbito de incidência da tributação — o exercício das atividades legislativas do ente tributante”, ensina JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES (“Isenções Tributárias”, Ed. Sugestões Literárias, 1ª edição, pág. 206).
Persegue-se, aqui, o reconhecimento de
que os serviços notariais e de registro, na disciplina da Lei
Complementar nº 116/2003, estão fora do campo de incidência da norma
que instituiu o tributo.
O legislador infraconstitucional,
podendo instituir o imposto sobre os serviços notariais e de registro,
absteve-se de fazê-lo por questões de política tributária.
Didaticamente, o Professor HUGO DE BRITO MACHADO ensina que
“as fontes da obrigação tributária são a lei e o fato gerador. A primeira é fonte formal. A segunda é fonte material. Ambas indispensáveis. Não há obrigação tributária sem a descrição legal da hipótese de seu surgimento. Mas só a descrição legal não basta. É preciso que ocorra o fato descrito na hipótese. A previsão legal — hipótese de incidência — mais a concretização desta — fato gerador — criam a obrigação tributária” (obra citada, pág. 100).
Para o insigne Professor AIRES F. BARRETO, “a hipótese de incidência de norma jurídica contém a descrição de um fato que, se e quando acontecido, dará origem à obrigação de pagar tributo. O núcleo dessa descrição do fato é designado critério ou aspecto material, ao qual devem conjugar-se as coordenadas de tempo e de lugar” (“INSS na Constituição e na Lei “, Ed. Dialética, 2ª edição, pág. 278).
Logo adiante este notável mestre assevera:
“Em suma, a incidência da norma tributária (como de toda e qualquer norma jurídica) depende, como ensina PONTES DE MIRANDA, da ocorrência de suporte fático suficiente; ou seja, somente haverá incidência da norma jurídica tributária quando, num dado ponto do tempo coexistirem:
a) formulação normativa, íntegra, completa, ou seja, hipótese de incidência consistente na descrição de fato hipotético com todos os seus aspectos e respectivo mandamento; e
b) fato concreto, sucedido no mundo fenomênico que exiba todos os aspectos descritos, abstratamente, na norma jurídica tributária.
Até aqui, portanto, nenhuma peculiaridade se aponta às normas jurídicas tributárias, em confronto com as normas jurídicas em geral. A norma jurídica tributária, para incidir, exige, como toda norma jurídica (frise-se mais uma vez), suporte fático suficiente, íntegro, completo.
Avivada a noção de que sem suporte fático suficiente é juridicamente impossível cogitar-se de incidência de qualquer norma jurídica (ou, dito de outra forma, repisada a noção de que a incidência de qualquer norma jurídica ocorre, se e quando se tem suporte fático suficiente), impende anotar, com destaque, que, tratando-se de norma jurídica que institui tributo, a expressão “suficiência do suporte fático” alude a conceito mais restrito, mais específico do que aquele a que se refere, quando se têm normas jurídicas não tributárias.
Assim, nas normas jurídicas tributárias, as exigências do sistema constitucional consubstanciadas na estrita legalidade e na tipicidade determinam que, por “suficiência do suporte fático”, tome-se a) não só a criação dos “tipos” tributários de forma esgotante e exaustiva, pela própria lei, como b) a absoluta, cabal e perfeita equivalência entre o conceito (tipo) abstrato descrito pela lei e o conceito do fato concretamente ocorrido” (obra citada, págs. 282/283).
Em outra passagem da mesma obra,
cuidando especificamente do “Regime Jurídico do Tributo”, “o Professor
AIRES F. BARRETO enfatiza, mais uma vez:
“Em primeiro lugar, o princípio da estrita legalidade em matéria de tributo importa dúplice exigência para sua realização:
a) que a lei, no sentido orgânico-material, disponha de modo cabal, esgotante, exaustivo, sobre todos os aspectos ou critérios da hipótese tributária, e
b) que o evento ocorrente no mundo fenomênico ostente perfeita correspondência com o fato descrito, hipoteticamente, pela norma jurídica tributária, para que se possa afirmar sua incidência.
O princípio da estrita legalidade, portanto, desdobra-se no princípio da tipicidade; ou seja, além de exigir que a própria lei — e só ela — descreva todos e cada um dos aspectos da hipótese tributária, requer uma perfeita correspondência, uma “aderência capilar”, entre o tipo normativo e o fato concreto, para que possa haver a incidência da norma jurídica tributária.
A insuficiência — por mínima que seja — do fato concreto ou da norma impede o sucesso da incidência e, pois, aborta o surgimento da “obrigação tributária” (obra citada, pág. 283).
De forma simples — peculiar aos grandes
mestres —, mas profundamente impregnada de saber jurídico, o Professor
ROQUE ANTONIO CARRAZZA, a seu turno, explica:
“A não-incidência é simplesmente a explicitação de uma situação que ontologicamente nunca esteve dentro da hipótese de incidência possível do tributo.
Deveras, não há incidência quando não ocorre fato algum ou quando ocorre um fato tributariamente irrelevante, isto é, que não se ajusta (subsume) a nenhuma hipótese de incidência tributária.
O saudoso mestre GERALDO ATALIBA equiparava, com sua extraordinária didática, a situação de não-incidência tributária ao não-crime. Chegava, até, a falar em fato não-imponível, para aludir ao acontecimento que não realizava a hipótese de incidência tributária.” (“Curso de Direito Constitucional Tributário”, Ed. Malheiros, 18ª edição, pág. 782).
Em síntese, “verificada a inexistência, a
falta, a falha de quaisquer dos aspectos da hipótese de incidência
tributária ou notado que o fato concreto não ostenta todos e cada um
destes mesmos aspectos, não há se falar em incidência tributária nem,
por conseguinte, de exigência de tributo. Em resumo, a insuficiência
de critérios normativos ou a insuficiência de aspectos materiais
presentes no fato examinado implica, inelutavelmente, absoluta
impossibilidade de nascimento da obrigação tributária” (AIRES F.
BARRETO, obra citada, pág. 286).
Pois bem. Se a hipótese de incidência
do ISSQN, clara como a luz do sol, específica que o imposto incidirá
somente sobre os serviços traspassados pelo Estado sob as formas de PERMISSÃO e de CONCESSÃO, forçoso é concluir que os serviços objeto de DELEGAÇÃO estão fora do campo de incidência do tributo.
Não é demais lembrar, ainda, que “o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei” (§ 1º do art. 108 do Código Tributário Nacional).
Analogia é o meio de integração — método
de preenchimento de lacunas da lei — pelo qual o aplicador da lei,
diante de lacuna desta, busca solução para o caso em norma pertinente a
casos semelhantes, análogos.
Neste sentido, o consagrado Professor ROQUE ANTONIO CARRAZZA enfatiza:
“Não tem os aplicadores das leis tributárias — A administração Fazendária ou o juiz — qualquer possibilidade de preencher suas lacunas. Quando estas se apresentam devem ser consideradas, na lição precisa de JOSÉ CASALTA NABAIS, “como domínios que o legislador não quis disciplinar, isto é, como lacunas das leis tributárias, quer as intencionais, quer as involuntárias, são insuscetíveis de integração analógica” (obra citada, pág. 380).
Vale insistir: atrelado ao princípio da
legalidade tributária, encontra-se o não menos relevante princípio da
tipicidade tributária. Tipicidade fechada, diga-se. As leis
tributárias não se compadecem com uma interpretação extensiva ou
analógica. Pelo contrário, demandam interpretação estrita.
Fosse possível equiparar a “DELEGAÇÃO” à “CONCESSÃO”,
teríamos de conferir aos delegados as mesmas garantias atribuídas aos
concessionários, dentre as quais ganha vulto a “equação
econômico-financeira”. Concertada, torna-se imutável unilateralmente.
“Dita equação é a expressão econômica de valor fruível pelo
concessionário como resultado da exploração do serviço ao longo da
concessão, segundo os termos constituídos à época do ato concessivo” (CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, Ed. Malheiros, 17ª edição, pág. 664).
Teríamos de assegurar aos notários e
registradores, ainda, o direito de transferência da delegação a
terceiros, acertando preço e condições de pagamento, faculdade que a
lei confere expressamente aos concessionários (art. 27 da Lei nº 8.987,
de 13/02/1995), sem prejuízo, evidentemente, de poderem participar de
novo certame para provimento de uma outra delegação, exatamente como
ocorre com os concessionários de serviços públicos em geral.
Impende anotar, ainda, que não
impressiona o fato de a “Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº
116, de 31/07/2003” haver incluído, no item 21.01, os “serviços de
registros públicos, cartorários e notariais”.
Surpreende-se, é verdade, aparente
contradição entre o conteúdo deste item da lista de serviços e a
hipótese de incidência definida no art. 1º da Lei Complementar nº
116/2003.
A contradição, no entanto, é mesmo
apenas aparente porque ao incluir os “serviços de registros públicos,
cartorários e notariais” na lista de serviços passíveis de incidência
do ISSQN, o legislador apenas sinalizou com a possibilidade eventual de
fazer incidir o tributo sobre esta espécie de serviço, contentando-se,
no entanto, por ora, por razões políticas, com a não-incidência.
Se e quando os serviços notariais e de registro forem objeto de “CONCESSÃO” ou de “PERMISSÃO”, ou, ainda, quando a “DELEGAÇÃO”
vier a ser incluída expressamente na hipótese de incidência do tributo
em tela, sempre que ocorrer o fato nela descrito, surgirá a obrigação
tributária; antes disto, não.
Nem se diga que não há razões jurídicas para o discríme, porque há, e muitas.
Analisando-se os termos da Lei nº 8.935,
de 18/11/1994, que regulamenta o art. 236 da Magna Carta, dispondo
sobre os serviços notariais e de registro, chega-se à inevitável
conclusão de que os tabeliães e registradores não são propriamente “particulares em colaboração com a Administração”, como os qualificou o consagrado Professor CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, mas verdadeiros “servidores públicos “sui generis”.
Embora remunerados pelos usuários do
serviço —- e talvez seja esta a única nota que o distingue do vero
servidor público —-, os delegados de serviços notariais e de registro
submetem-se, até mesmo por impositivo constitucional (art. 236, § 1º,
da Constituição Federal de 1988), ao Poder Hierárquico e Disciplinar do
Estado-Juiz, nos mesmos termos e condições de qualquer outro servidor
concursado da Administração Pública.
“O poder hierárquico tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração Pública”, ensina o eminente Des. e Prof. HELY LOPES MEIRELLES (“Direito Administrativo Brasileiro”, Ed. Malheiros, 17ª edição, pág. 105).
“Poder disciplinar é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento que passam a integrar definitiva ou transitoriamente”, complementa o ilustre professor (obra citada, pág. 108).
“Hierarquia pode ser definida como o vínculo de autoridade que une órgãos e agentes, através de escalões sucessivos, numa relação de autoridade, de superior a inferior, de hierarca a subalterno. Os poderes do hierarca conferem-lhe uma contínua e permanente autoridade sobre toda a atividade administrativa dos subordinados. Tais poderes consistem no (a) poder de comando, que o autoriza a expedir determinações gerais (instruções) ou específicas a um dado subalterno (ordens), sobre o modo de efetuar os serviços; (b) poder de fiscalização, graças ao qual inspeciona as atividades dos órgãos e agentes que lhe estão subordinados; (c) poder de revisão, que lhe permite, dentro dos limites legais, alterar ou suprimir as decisões dos inferiores, mediante revogação, quando inconveniente ou inoportuno o ato praticado, ou mediante anulação, quando se ressentir de vício jurídico; (d) poder de punir, isto é, de aplicar as sanções estabelecidas em lei aos subalternos faltosos; (e) poder de dirimir controvérsias de competência, solvendo os conflitos positivos (quando mais de um órgãos se reputa competente) ou negativos (quando nenhum deles se reconhece competente) e (f) poder de delegar competências ou de avocar, exercitáveis nos termos da lei” assentou de modo lapidar, como sempre, o mestre CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO (“Curso de Direito Administrativo”, Ed. Malheiros, 17ª edição, págs. 140/141).
Pois bem. Por força da Lei nº 8.935, de
18/11/1994, notários e registradores do Brasil estão sujeitos a todas
estas formas de manifestação de poder do Estado, submetendo-se às
ordens emanadas da Corregedoria Geral da Justiça e do Juízo Corregedor
Permanente, que de modo efetivo e constante —- permanente —- fiscalizam
a execução dos atos objetos da delegação, revendo ou anulando-os
sempre que os encontra em desconformidade com as leis e regulamentos
próprios, dirimindo controvérsias e punindo, inclusive com a perda da
delegação — pena similar à de demissão, que é a mais grave cominada ao
servidor público estável —, as infrações disciplinares (art. 32 da Lei
nº 8.935, de 18/11/1994).
Pode-se afirmar, com boa dose de
segurança, que a forma de “remuneração” é o único ponto de distinção
entre os notários e registradores, de um lado, e o servidor público
comum, de outro. Igualam-se até mesmo na forma de investidura: o
concurso público de provas, ou de provas e títulos.
Permissionários e concessionários, ao
contrário, rendem vassalagem apenas aos termos do contrato, nada mais.
Tem a garanti-los, ademais, o “equilíbrio econômico e financeiro do
contrato”, garantia de suma importância, que no entanto não beneficia
os delegados de serviço público.
Na dicção do eminente Ministro CELSO DE
MELLO, do C. Supremo Tribunal Federal, que por unanimidade deferiu
liminar na ADI nº 1378/ES (DJ 30/05/1997, p. 23175),
“a atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada “em caráter privado, por delegação do poder público” (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa. – As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas “a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos” (Lei n. 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos (original sem grifo).”
Do corpo deste v. aresto extraem-se, ainda, importantes excertos:
“Não se pode desconsiderar, neste ponto, a “comunis opinio doctorum”, que, sem maiores disceptações, classifica os Serventuários entre os servidores públicos, eis que — conforme adverte AGUIAR DIAS — “só por supersticioso apego a essa tradição abandonada (a da atribuição dos cartórios a título de propriedade), continuaríamos a negar ao serventuário de Justiça a condição de funcionário público” (RDA 31/320).”
…
“Daí a procedente observação do Min. CASTRO NUNES, em voto proferido neste Supremo Tribunal Federal, quando, após destacar que as Serventias não mais ostentam o seu primitivo caráter patrimonial, sujeitas que se achavam, no passado, à propriedade de seus ocupantes, asseverou, “verbis”:
“O direito moderno aboliu e transformou essa noção do serventuário, que passou a ser o que é em nosso direito positivo. Atualmente, ele é funcionário como qualquer outro. Conservou-se a denominação de serventuário, mas na realidade ele é um funcionário. Pouco importa que não receba dinheiro do Tesouro, como acontece com os escrivães, que recebem das partes os emolumentos taxados em leis.”
…
“O próprio exame do vigente texto constitucional permite concluir pela estatalidade dos serviços notariais e registrais, autorizando, ainda, o reconhecimento de que os Serventuários incumbidos do desempenho dessas relevantes funções qualificam-se como típicos servidores públicos (original sem grifo), pois (a) só podem exercer as atividades em questão por delegação do Poder Público (CF, art. 236, “caput”), (b) estão sujeitos, no desempenho de suas atribuições funcionais, à permanente fiscalização do Poder Judiciário (CF, art. 236, § 1º) e (c) dependem, para o ingresso na atividade notarial e de registro, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos (CF, art. 236, § 3º), que constitui, no magistério da doutrina, o instrumento destinado à seleção de “quem se empenha a ingressar nos quadros do serviço público …” (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol. IX/4626, 1993, Forense Universitária).”
“Essas notas, associadas ao fato de que a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro submete-se às normas gerais estabelecidas em lei editada pela União Federal (art. 236, § 2º), confirmam, de maneira bastante expressiva, a orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria em questão, inclusive no que se refere ao reconhecimento de que os titulares de Serventias não oficializadas — porque ostentam a condição de funcionários públicos em sentido lato — estão sujeitos, em tema de aposentadoria compulsória por implemento de idade, ao mesmo regime constitucional aplicável aos servidores públicos em geral (RTJ 126/550, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – RDA 54/281, Rel. Min. LUÍS GALLOTTI).”
Por outro lado, nos termos do art. 2º,
inciso II, da Lei nº 8.987, de 13/02/1995, editada com a finalidade de
regulamentar o disposto no art. 175 da Constituição Federal de 1988, “para
os fins do disposto nesta Lei, considera-se concessão de serviço
público a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente,
mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou
consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho,
por sua conta e risco e por prazo determinado”.
Criticando a redação da definição legal, o Professor CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO anota que
“teria sido preferível que a lei houvesse mencionado o termo genérico “outorga” da prestação do serviço, ao invés de falar em “delegação”. É que esta última expressão, como bem se vê na linguagem constitucional, quadra melhor para designar a investidura no desempenho de atividade jurídica — e não de atividade material (caso de concessão). De fato, o art. 236 da Lei Maior serve-se da voz “delegação” para atividades eminentemente jurídicas, as notariais e de registro, ao passo que no art. 21, XI e XII, refere concessão para serviços materiais como os telefônicos, telegráficos, de radiodifusão, de telecomunicações em geral, de produção de energia elétrica e de transportes. Aliás, este é o menor dos reparos a ser feito ao teor das definições legais” (Curso de Direito Administrativo”, Ed. Malheiros, 17ª edição, pág. 658.
Concessionário, por definição legal, é empresa. “Pessoa jurídica ou consórcio de empresas”, diz a Lei.
A responsabilidade patrimonial é
limitada ao capital social, como acontece com as sociedades de
responsabilidade limitada e as sociedades anônimas.
“Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador”, a seu turno, “são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro” (art. 3º da Lei nº 8.935, de 18/11/1994).
Assume a delegação e gera a serventia na condição de “pessoa natural”, “respondendo pelos danos que eles e seus prepostos causarem a terceiros” com todos os seus bens (art. 22 da Lei nº 8.935, de 18/11/1994).
A Lei nº 8.987, de 13/02/1995, por outro
lado, prevê, expressamente, a possibilidade não apenas de
transferência do controle acionário da empresa concessionária, como
também a transferência voluntária da concessão, para o que exige
tão-somente a concordância do poder concedente (art. 27).
O delegado, bem ao contrário, deverá
prestar o serviço pessoalmente, e pela própria natureza do serviço, não
poderá transferi-lo a terceiros, posto ser indelegável a função que
exerce.
Em conclusão, a equiparação da DELEGAÇÃO à CONCESSÃO,
que supõe, necessariamente, a inexistência de todos estes sinais
distintivos destes velhos institutos do Direito Constitucional e do
Direito Administrativo brasileiros, não viola apenas os princípios da
legalidade e da tipicidade, tão caros ao Direito Tributário, como
também é muito perigosa porque faculta ao delegado de serviços
notariais e de registro, dentre outras coisas:
I – exigir do poder concedente a manutenção da equação econômico-financeira da concessão;
II – a transferência da delegação, como
soe acontecer com os concessionários. O jornal “Folha de São Paulo” do
dia 10/02/2009 noticiou que a “Controlar”, criada especificamente para
a implantação e a operação do Programa de Inspeção e Manutenção de
Veículos em uso na Cidade de São Paulo, “vendeu” a concessão para a
CCR-Companhia de Concessões Rodoviárias pela bagatela de
R$.121.000.000,00 – (cento e vinte e um milhões de reais);
III – a titularização de várias unidades
de serviço, nos vários Estados do país, como é comum entre os
concessionários. A Rede Globo de Televisão, por exemplo, é titular de
centenas de concessões;
IV – ignorar o princípio da
anterioridade para aumentar os “emolumentos”, posto não se tratar de
tributo, mas de preço ou tarifa a remuneração paga pelo usuário dos
serviços.
Por derradeiro, não é demais passar os
olhos sobre a história da incidência do ISSQN sobre a atividade das
serventias não oficializadas, que sempre foram vistas como verdadeiros
anexos do Poder Judiciário.
Na vigência do Decreto-lei nº 406, de
31/12/1968, recepcionado pela Constituição Federal de 1988 ao nível de
Lei Complementar, sequer se cogitava do problema, posto que
desenganadamente a atividade notarial e de registro estava fora da
“lista” de serviços passíveis de tributação pelo imposto sobre serviço
de qualquer natureza (ISSQN).
Ocorre que até o final dos anos 1990, os
serviços públicos em geral eram prestados diretamente pelo Poder
Público, não havendo mesmo nenhum propósito em pretender tributá-los,
onerando o custo do serviço.
Exemplo disto é o fato de que a “exploração
de rodovia mediante cobrança de preço dos usuários, envolvendo
execução de serviços de conservação, manutenção, melhoramentos para
adequação de capacidade e segurança de trânsito, operação,
monitoração, assistência aos usuários e outros definidos em contratos,
atos de concessão ou de permissão ou em normas oficiais”, só foi incluída na “lista” do Decreto-lei nº 406/68 em 22/12/1999, através da Lei Complementar nº 100.
Mesmo nesta ocasião, às vésperas do novo
milênio, os serviços notariais e de registro continuaram fora da lista
a que se refere o art. 8º, “caput”, do Decreto-lei nº 406/68.
Na verdade, tudo se resolve numa equação
política. Sabedor de que o ônus econômico do tributo é suportado pelo
usuário do serviço, ao legislador compete decidir quem deve “pagar a
conta”, orientando-se pelos princípios da capacidade contributiva e da
essencialidade do produto ou do serviço, dentre outros. E não se pode
ter nenhuma dúvida de que até o momento o legislador considera que os
serviços notariais e de registro, por serem essenciais à segurança dos
negócios jurídicos, e por conseguinte da própria economia do país, não
devem ser onerados pelo ISSQN.
Portanto, os serviços notariais e de
registro, que são prestados por particulares mediante delegação (art.
236, “caput”, da CF/88) e remunerados através de emolumentos (art. 236,
§ 2º, da CF/88), somente poderão sofrer a incidência do ISSQN se e
quando a Lei Complementar nº 116, de 31/07/2003, for modificada, para
que, de forma expressa sejam incluidos no rol do § 3º do art. 1º desta
Lei.
Publicado por: Imprensa
Postado por Sancho Neto
Postado por Sancho Neto
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