(manifestação
em processo judicial de usucapião; o fato é real, mas os dados aqui
apresentados são fictícios)
MM Juiz:
Comunico
a V. Exa. que, no tocante ao despacho exarado às fls. 324 desse processo de
usucapião requerido por Antonio da Silva, cabe a este serviço registral
imobiliário esclarecer alguns pontos importantes.
1. Análise do título de João Paulo Antunes
Na inicial, que se baseou em um contrato particular
em que herdeiros de João Paulo Antunes cederam ao requerente Antonio da
Silva um imóvel rural de 8,67 alqueires (21 hectares), argumentou-se que
tal área é oriunda do imóvel de Transcrição 10.873, caracterizado por uma “área
de terras de aproximadamente 13,5 alqueires ou 32,67 hectares” (fls. 10, in
fine).
Essa afirmação (de que a
Família Antunes era titular de uma área de 13,5 alqueires) não está correta,
uma vez que, em 1973, conforme averbação nº 1 da Transcrição 10.873 (fls 35),
uma parcela de 11,34 alqueires (27,44 ha) foi destacada e alienada a Márcio
Proença (Transcrição 17.098). Diante disso, remanesceu para João Paulo
Antunes apenas uma pequena parcela de 2,16 alqueires (1/4 da área que esta
sendo usucapida).
É público e notório que as medições do passado são
pouco confiáveis, sendo até possível que o imóvel tivesse dimensão maior. Para
averiguar o grau de divergência entre a dimensão real do imóvel e o valor
indicado, sem o risco de incluir área não titulada na forma da lei, deve-se
definir a exata localização de todo o imóvel originado pela
Transcrição 10.873.
Para que fosse possível a delimitação desse imóvel,
foram considerados os dados constantes deste processo, informações de antigas
cartas topográficas do IBGE e do IGC, fotos aéreas de 1972 e, principalmente, o
teor de antigas transcrições dos imóveis existentes naquela localidade (Bairro
Santo Ângelo) e as informações trazidas pelas recentes retificações efetivadas
por este serviço registral imobiliário. Tal pesquisa possibilitou determinar e
delimitar a área que foi alienada a Márcio Proença e, com base nesse
destaque efetivado em 1973, deduzir, com relativa segurança, a área que
remanesceu com a família Antunes.
Quando da última manifestação deste Registro (junho
de 2007, fls. 124) ainda não estava disponível no Google Earth a imagem de
satélite daquela região, o que impedia uma análise mais precisa do presente
caso; hoje, com a imagem já disponibilizada
na internet e com a realização de várias retificações de imóveis da mesma
localidade, há como afirmar, com maior segurança, a situação jurídica dos
imóveis localizados no Bairro Santo Ângelo.
A carta topográfica do IGC (Instituto Geográfico e
Cartográfico de São Paulo), que foi elaborada com base em fotografias aéreas de
1977 (4 anos após a alienação da maior parte do imóvel a Márcio Proença),
aponta a exata localização da sede da propriedade de João Paulo
Antunes (remanescente da Transcrição 10.873) e da sede da propriedade
de Márcio Proença (Transcrição 17.098), esta última
localizada do outro lado da estrada municipal, às margens do córrego Água dos
Antunes:
Na imagem de satélite extraída do Google Earth, que
representa a realidade atual (imagem de 7/10/2010), são visualizadas as sedes
das duas propriedades, localizadas exatamente na mesma posição indicada pela
carta topográfica do IGC de 1977.
Com base nessas duas informações e em retificações
efetivadas em imóveis confrontantes com a parcela alienada a Márcio
Proença, foi possível identificar e delimitar todos esses imóveis sobre a mesma
imagem de satélite.
Abaixo, a localização exata do antigo imóvel de
Transcrição 10.873, formado pela área alienada a Márcio -
Transcrição 17.098 (um polígono estreito e comprido do lado
esquerdo da estrada, onde se visualiza a “antiga sede da propriedade de Márcio”)
e pela área que remanesceu com a família Antunes - remanescente da
Transcrição 10.873 (um polígono de forma quadrada onde também se
visualiza claramente a “antiga sede da propriedade dos Antunes”).
Com base nessa imagem de satélite e em software
Cad, apurou-se a correta dimensão desses imóveis (valores aproximados do real).
O resultado da comparação dos dados apurados com os valores indicados no
registro foi o seguinte:
- Transcrição 10.873 (área original registrada): 32,67 ha
- Transcrição 17.098 (área alienada a Márcio Proença): 27,44 ha; área real: 29,5 ha
- remanescente da Transcrição 10.873 (pelo registro): 5,23 ha; área real: 10 ha
- área total pelo registro: 32,67 ha; área total apurada: 39,5 ha
- divergência calculada na origem do imóvel: 20,9% a maior
Pelo fato
de a divergência entre a área registrada (32,67 ha) e a área apurada (39,5 ha),
que é de 20,9% a maior, não se afastar muito da faixa que se tem verificado em
Conchas nas retificações de antigas transcrições (variação entre 10% e 20%),
esta divergência ora verificada deve ser considerada “falha na antiga medição”.
Ou seja, não se trata de efetivo aumento de área, mas sim de correção de dado
equivocado existente no registro.
CONCLUSÃO 1: diante do exposto, o imóvel que remanesceu em
favor de João Paulo Antunes, garantido juridicamente pela
Transcrição 10.873, é o polígono em destaque na figura anterior, com uma
área aproximada de 10 ha.
2. Relação do título com a área usucapienda
Delimitado o imóvel de João Paulo Antunes,
cuja propriedade é garantida pela Transcrição 10.873 deste registro
imobiliário, há que se verificar se a área que está sendo usucapida invade ou
não os seus domínios.
O imóvel objeto desta ação de usucapião mede 21,07
hectares e, caso se comprove que tenha origem no título de João Paulo
Antunes, o título não é suficiente para toda a área, uma vez que, conforme já
explicado, a dimensão máxima do remanescente não ultrapassa os 10 ha (menos da
metade da área do imóvel usucapiendo).
Considerando que a diferença entre o imóvel
usucapiendo e o imóvel titulado é de 11 hectares, restam apenas as seguintes
possibilidades no tocante à área usucapienda:
- engloba integralmente o título: a metade do imóvel usucapiendo fica sem origem;
- engloba parcialmente o título: mais da metade do imóvel usucapiendo fica sem origem; e
- não atinge a área titulada: a integralidade do imóvel usucapiendo fica sem origem.
Com base
nos trabalhos técnicos georreferenciados apresentados pelo autor (fls. 52), é
possível determinar sua exata localização na imagem de satélite do Google
Earth:
Delimitados
todos os imóveis diretamente envolvidos, bastou plotá-los numa mesma imagem
para concluir que não há qualquer sobreposição entre o imóvel usucapiendo
(destacado em azul) e o imóvel titulado em nome dos Antunes, ou seja,
percebe-se, claramente, que são áreas completamente distintas:
A planta
anexada ao contrato efetuado entre os herdeiros de João Paulo
Antunes e o requerente (vide fls. 13) indica que a “área negociada” (agora
usucapienda) confronta-se, a oeste, com o imóvel de “João Paulo Antunes - remanescente da Transcrição 10.873”, ou
seja, os cedentes e cessionário reconhecem expressamente que a Família Albano é
titular do imóvel vizinho (remanescente da referida transcrição).
Isso não
significa que a Família Antunes não tivesse a posse legítima dessa área, mas
tão-somente que o imóvel usucapiendo não é representado pela
Transcrição 10.873.
CONCLUSÃO
2: diante
do exposto, o imóvel usucapiendo não tem nenhuma ligação com a
Transcrição 10.873, ou seja, tal área nunca esteve registrada em nome
de João Paulo Antunes. O remanescente da Transcrição 10.873 é
o imóvel vizinho, que ainda está na posse da Família Antunes e que, para sua
regularização, basta a simples retificação extrajudicial de sua descrição
tabular para a apuração de seu remanescente seguida do registro do formal de
partilha, cuja cópia consta das fls. 15 a 48 deste processo.
3. Identificação do
título afetado pela área usucapienda
A
necessidade de se identificar os títulos afetados pelo pedido de usucapião está
na obrigatoriedade de se efetivar a citação pessoal de todos os
ex-proprietários do imóvel usucapido. A omissão de qualquer ex-titular, cuja
identificação seja razoavelmente viável, resulta na ineficácia do
reconhecimento judicial de usucapião perante ele. Por esse motivo, é muito
importante esgotar todas as possibilidades para a identificação de todos os
potenciais prejudicados pela usucapião para evitar futuros dissabores aos
requerentes.
Para a
identificação dos títulos potencialmente afetados pela área objeto desta ação
de usucapião, há inicialmente que se identificar todos os imóveis que
confrontam com a referida área e com o imóvel de Transcrição 10.873.
No
entanto, isso não é nada fácil, pois antigamente apenas se indicava o nome dos
titulares sem a identificação dos imóveis vizinhos; além disso, era muito comum
repetir as “confrontações históricas” nos novos títulos, sem se preocupar com
as alterações havidas tanto na titularidade como na formatação dos demais
imóveis lindeiros (desmembramentos e fusões mudavam por completo o cenário, mas
as descrições normalmente não eram atualizadas).
Feitas as
buscas que se mostraram possível, foram identificados, além da estrada
municipal, apenas 3 confrontantes históricos, representados pelas matrículas
974 e 7.672.
Para
piorar o cenário, o imóvel de matrícula 974 (originalmente com 71,39 ha), após
dois destaques facilmente identificados e localizados (totalizando 12,3 ha),
acabou reduzido a menos de 2 hectares (dado constatado indiretamente, pois a
matrícula continua com 59,09 ha), pelo fato de quase a totalidade de seu
remanescente (64,72 ha) ter sido usucapido pelo mesmo requerente desta
ação, Antonio da Silva (Processo nº 862/96, da 2ª Vara de Conchas,
que resultou na matrícula 11.414). Portanto, surge um novo confrontante, a
matrícula 11.414, sem origem declarada (mas comprovadamente originada do imóvel
de matrícula 974).
Outro
confrontante é o imóvel de matrícula 7.672 (70,48 ha), de descrição
tabular muito precária e de histórico de formação bastante complicado,
pois a matrícula tem origem em várias transcrições do Registro de Imóveis de
Tietê e em outras matrículas deste serviço registral, cujas descrições
individualizadas aparentam muitas contradições.
A
situação atual dos imóveis localizados nas proximidades da área usucapienda é a
apresentada na imagem abaixo:
Considerando
que a Transcrição 10.873 não é a origem da área usucapienda, conforme
já foi comprovado nos itens anteriores, e que as fazendas públicas já
declararam não haver qualquer indício de se tratar de “terra devoluta”, as
únicas possibilidades, quanto à origem do imóvel usucapiendo, são as seguintes:
- parcela do imóvel de matrícula 974;
- parcela do imóvel de matrícula 7.672;
- área com título nunca registrado (anterior ao CC/16) ou registrado no RI de Tietê, quer em nome de ascendentes de Antunes (probabilidade remota) ou de quaisquer outras pessoas.
Sendo
qualquer uma das duas primeiras hipóteses (parcela da matrícula 974, parcela da
7.672, ou parcela de ambas as matrículas), a citação de seus proprietários
tabulares é suficiente para solucionar a questão:
- no tocante os titulares do imóvel de matrícula 7.672 esse juízo aceitou expressamente a “declaração de reconhecimento de limites” e a procuração outorgada pelos titulares ao advogado do autor desta ação (conforme item 3 da Decisão Interlocutória de fls. 187); portanto, essa necessidade foi suprida nos termos da lei.
- no tocante aos titulares do imóvel de matrícula 974, a anuência e a procuração outorgadas por Poliana Seranto dos Santos (fls. 84 e 87), apesar de necessárias, não suprem o comando legal, pois mesmo sendo ela a atual possuidora do imóvel confrontante, há o direito real de propriedade dos condôminos Luís Carlos Putin (solteiro) e Nelson Veiga Putin (casado com Maria Aparecida Putin), direito este que deve ser preservado com a providência citatória.
Caso se
trate da última hipótese (títulos muito antigos nunca transcritos neste serviço
registral imobiliário de Conchas), a segurança jurídica não será abalada, pelos
seguintes motivos:
- a publicação do edital, que foi direcionado a todo e qualquer interessado, é suficiente para legitimar a aquisição originária da propriedade diante de todo e qualquer título de difícil identificação que venha a ser localizado; e
- eventual título, que ainda exista e venha a ser apresentado, não tem o condão de prejudicar ninguém (quer os autores ou quaisquer terceiros), uma vez que sua utilização no mercado (para alienação ou obtenção de crédito mediante hipoteca) não é possível sem um prévio e complicado procedimento judicial ou extrajudicial, pois o título estaria em nome de pessoas já falecidas e as descrições dos imóveis seriam muito precárias.
CONCLUSÃO
3: falta
apenas a citação dos titulares do imóvel de matrícula 974 (Luís Carlos Putin,
Nelson Veiga Putin e Maria Aparecida Putin) para suprir o comando legal de
citação de todos os ex-titulares e confrontantes da área usucapienda.
4. Consequências do fato de o imóvel não ter origem na Transcrição 10.873
Para a aquisição da propriedade imobiliária por
usucapião, a lei não exige continuidade entre o título anterior e o provimento
judicial (por isso, a aquisição por usucapião é classificada como originária).
No entanto, a existência de justo título resulta em algumas vantagens ao
requerente, como a redução da longevidade da posse (prazos menores) e a
presunção de sua data inicial cumulada com a continuidade da posse.
Exemplo: a Transcrição 10.873 comprova a posse-propriedade de João
Paulo Antunes desde 1º/10/1968 (quando comprou o imóvel); a certidão
de óbito comprova a automática transmissão da mesma “posse-propriedade” aos
herdeiros e cônjuge supérstite; o contrato particular de fls. 10 comprovaria a
transmissão da posse ao requerente, que teria, a seu favor, a presunção da
continuidade da posse desde 1968, desonerando-o da apresentação de outras
provas;
no entanto, isso não ocorreu no presente caso.
Como o imóvel usucapiendo não tem lastro no título
da Família Antunes, os dados constantes da Transcrição 10.873 não
favorecem o requerente; portanto, falta agora a comprovação de sua posse
longeva (própria ou continuada) para o reconhecimento da aquisição originária.
A única prova constantes dos autos é o contrato de
cessão da posse, datado de 11/7/2008. A posse anterior, da Família Antunes, não
foi comprovada em nenhum momento, nem no inventário de João Paulo
Antunes (fls 18 a 54 deste processo), cujo rol de bens limitou-se aos bens
registrados, sabendo eles que o imóvel de Transcrição 10.873 não
possuía 22 alqueires, uma vez que houve a expressa identificação da diminuta
área constante do registro (vide fls. 10, in fine, “um terreno com a área de 2,16 alqueires”).
CONCLUSÃO 4: falta apenas a comprovação da longevidade da
posse da Família Antunes sobre a área usucapienda (e não sobre a área que
continua em seu poder e que está amparada pela Transcrição 10.873). Quanto
à continuidade da posse “ad usucapionem" em favor do requerente, o
contrato de fls. 10 é prova mais do que suficiente.
5. Conclusão Final
As
pendências encontradas neste processo são as seguintes:
- falta a citação dos titulares do imóvel de matrícula 974; e
- falta a comprovação da longevidade da posse “ad usucapionem” da Família Antunes.
Por fim, reitero que, para a abertura de matrícula do imóvel usucapido,
deverão ser apresentados, junto com o mandado de usucapião, A.R.T. (Anotação de Responsabilidade Técnica), plantas e memoriais
descritivos (assinados pelo engenheiro e proprietários) e a certificação do
Incra no tocante ao georreferenciamento (que pode ser obtida após a
sentença declaratória), todos originais, para viabilizar seu
arquivamento e microfilmagem neste serviço registral.
Na esperança de ter colaborado para o deslinde da questão, aproveito a
oportunidade para destacar a V. Exa. protestos de elevada estima e distinta
consideração.
Eduardo
Agostinho Arruda Augusto
Oficial
de Registro
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