José Armando Falcão
Introdução
Não se cuidará aqui de teoria da empresa
individual, embora se torne necessária a passagem por alguns de seus temas. O
objeto destas notas é o reflexo no Registro Imobiliário de normas do novo
Código Civil relativas ao empresário, apontando-se sugestões para solução de
problemas a serem enfrentados.
De fato, algumas divergências têm sido verificadas
no tratamento registral imobiliário do empresário (antes chamado de “firma
individual”, “empresa individual”, ou, ainda, “empresa unipessoal”).
Na verdade, há quem confunda a empresa individual
(o empresário) com uma pessoa jurídica, atribuindo-lhe personalidade jurídica
que não tem.
No nosso ordenamento jurídico, a empresa individual
não tem personalidade jurídica. Nessas circunstâncias, não tem capacidade de
agir própria. Suas ações confundem-se com a do seu titular, o empresário.
Nesse sentido, confira-se RUBENS REQUIÃO, que
esclarece:
À firma individual (hoje denominada firma mercantil
individual pela Lei n° 8.934, de 18 de novembro de 1994, art. 32, II, a),
do empresário individual, registrada no Registro do comércio, atualmente
Registro Público de Empresas Mercantis, chama-se também de empresa individual e
empresário, pelo Código Civil. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou
muito bem que o comerciante singular, vale dizer, o empresário individual, é a
própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que
assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma
individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para
o efeito do imposto de renda (Ap. cív. n° 8.447 – Lajes, in Bol. Jur. ADCOAS,
n° 18.878/73).[1]
O entendimento acima é majoritariamente observado
pela jurisprudência, colhendo-se no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro as
seguintes decisões:
2006.002.02323 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - DES. CELIO
GERALDO M. RIBEIRO - Julgamento: 14/03/2006 - PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Agravo de Instrumento. Ação de execução forçada por
quantia certa. Indeferimento do pleito de desconsideração da personalidade
jurídica da recorrida. Firma individual. Ausência de personalidade jurídica.
Recurso conhecido e improvido.
2005.002.14397 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - DES. JOSE
DE SAMUEL MARQUES - Julgamento: 07/12/2005 - DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
Agravo de Instrumento. - A falência da firma
individual atinge os bens de seu titular que, na verdade, só possui a firma
individual para poder comerciar, sem que isso gere dupla personalidade, pois
aquela permanece com a sua natureza jurídica e a sua personalidade confunde-se
com a da pessoa física. - RECURSO NÃO PROVIDO.
2003.002.23256 - AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. LUISA
BOTTREL SOUZA - Julgamento: 01/06/2004 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL
RESPONSABILIDADE CIVIL - EXECUÇÃO
FIRMA INDIVIDUAL - COBRANÇA DE DÍVIDA
Execução. Responsabilidade patrimonial do
empresário. Firma individual. Responsabilidade ilimitada. Respondem os bens
particulares do empresário pelas dívidas da empresa. RECURSO PROVIDO.
2002.001.02524 - APELAÇÃO CÍVEL - DES. SERGIO LUCIO
CRUZ - Julgamento: 27/03/2002 - DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL
CONDOMÍNIO DE EDIFÍCIO - DESPESAS CONDOMINIAIS
AÇÃO DE COBRANÇA - LEGITIMIDADE DE PARTE
OBRIGAÇÃO DE FAZER - CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO
INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO
CONDOMÍNIO. AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS DOMINIO EM
NOME DE FIRMA INDIVIDUAL E AÇÃO PROPOSTA CONTRA A PESSOA FÍSICA DE SEU TITULAR
LEGITIMIDADE AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, C/C CONSIGNATÓRIA, AJUIZADA EM OUTRA
VARA INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO. O patrimônio do titular de firma individual é o
mesmo deste, o que lhe confere legitimidade para integrar o polo passivo de
ação contra ela proposta. .... Não guardam conexão ação de cobrança de cotas
condominiais o outra em que se pretende modificação da convenção e reparos no
prédio, ainda que, indevidamente, nela se tenha apresentado pleito
consignatório Recurso desprovido
Da empresa individual
Para fins de exercício de atividade empresarial,
mesmo de forma individual, deve o empresário necessariamente registrar-se na
Junta Comercial. Esse registro, entretanto, não implica na criação de pessoa
jurídica. Significa apenas que ele, empresário, pode, então, praticar atos
empresariais.
O Código Civil assim dispõe:
Art. 966 – Considera-se empresário quem exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação
de bens ou de serviços.
Parágrafo Único. Não se considera empresário quem
exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística,
ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da
profissão constituir elemento de empresa.
Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário
no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início
de sua atividade.
Registre-se que há uma tendência para se vir a
admitir a personalidade própria para a empresa individual ¾ e o art. 978
do Código Civil é reflexo dessa tendência ¾ , mas, por ora, ainda não há tal
possibilidade na nossa legislação.
Boa parte da erronia existente quanto à autonomia
da empresa individual decorre de, para fins fiscais, equiparar-se ela à pessoa
jurídica. Mas essa consideração ocorre apenas para fins de pagamento de
tributos. A legislação tributária não cria a pessoa jurídica.
Consigna-se que o fisco anota a existência da
empresa individual e atribui-lhe personalidade fiscal. Na área federal, a
empresa unipessoal deve ter sua inscrição fiscal (CNPJ), o mesmo se dando nas
esferas estadual e municipal.
O que ocorre, então e apenas, é que a tributação é
feita considerando as atividades da empresa individual como se fosse ela uma
pessoa jurídica. Isso, entretanto, não transforma a natureza da empresa
individual, que, como dito, confunde-se com a pessoa física de seu titular.
Em outras palavras, há um só patrimônio, o da
pessoa física, que é proprietária não só dos bens que destina à atividade
empresarial, como, também, de todos os seus demais bens. Há um só patrimônio,
portanto, cujo titular é uma pessoa física.
Do registro imobiliário
Havendo um só patrimônio, e não havendo
personalidade jurídica própria para a empresa individual, não há que se falar
em registro de propriedade em nome de empresa individual, posto que, como dito,
essa personalidade não existe.
Segundo CARVALHO DE MENDONÇA, citado por Wilges
Ariana Bruscato,
Personalidade jurídica significa capacidade para
ter direitos patrimoniais; quer dizer autonomia patrimonial[2]
As pessoas jurídicas de direito privado, no
ordenamento pátrio, são somente aquelas discriminadas no Código Civil, que reza:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações;
IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos.
A lei, portanto, não inclui o empresário, ou
empresa individual, como pessoa jurídica.
Em face do exposto, não se deve efetuar registros
em nome de empresas unipessoais (ou empresas individuais ou firmas
individuais), posto que essas não têm personalidade jurídica. O registro da
propriedade imobiliária deve, isso sim, ser feito no nome do titular de tal
empresa, o empresário.
Do nome empresarial
Sabe-se que o empresário deve operar sob um nome,
chamado de nome empresarial. Tal nome está assim regulamentado no Código Civil:
Art. 1.155. Considera-se nome empresarial a firma
ou a denominação adotada, de conformidade com este Capítulo, para o exercício
de empresa.
Parágrafo único. Equipara-se ao nome empresarial,
para os efeitos da proteção da lei, a denominação das sociedades simples,
associações e fundações.
Art. 1.156. O empresário opera sob firma
constituída por seu nome, completo ou abreviado, aditando-lhe, se quiser,
designação mais precisa da sua pessoa ou gênero de atividade.
Entretanto, a cadeia sucessória dos atos registrais
deve basear-se no nome do proprietário pessoa física, e não no nome da empresa
individual da qual tal proprietário seja titular.
Dessa forma, a transmissão ou oneração da
propriedade afetada deverá ser feita, reitera-se, pelo proprietário do imóvel
(nome da pessoa física, com sua qualificação).
DA RETIFICAÇÃO DE REGISTRO
Eventuais registros feitos em nome de firma
individual devem ser corrigidos na primeira oportunidade, passando então a
figurar o imóvel em nome do empresário pessoa física, seguido do nome da
empresa vinculada, como a seguir proposto.
A necessidade de correção de registro em nome de
firma individual é amparada na jurisprudência. Nesse sentido, confira-se
acórdão do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, de 25/5/2006, Fonte
AP. Civ. 523-3/9, publicado no D.O.E. de 28.07.2006, e divulgado no site
do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, cuja ementa assim
dispõe:
Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente –
Negativa de acesso ao registro de Cédula de Crédito Comercial com Hipoteca
Cedular emitida por firma individual – Imóvel registrado em nome desta –
Impossibilidade – Necessidade de Regularização do registro e do próprio título
– Recurso provido, com observação.
Do voto condutor, da lavra do eminente relator,
Desembargador Gilberto Passos de Freitas, colhe-se:
Nesses termos, imperativo que se proceda à
regularização do registro R-1 da matrícula n° 86.247 do Primeiro Cartório de
Registro de Imóveis de Jundiaí, a fim de que conste, como proprietária do
imóvel Maria Valdete Muniz Vilar Matheus, procedendo-se, em seguida, à emissão
da Cédula de Crédito Comercial por esta última, para que o título possa
regularmente ingressar no registro, tal como pretendido pelo Apelante.
DO ART. 978 DO CÓDIGO CIVIL
Até aqui a matéria não encontra maior dificuldade.
Entretanto, o Código Civil também estabelece o seguinte:
Art. 978. O empresário casado pode, sem necessidade
da outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que
integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real.
Neste ponto é de se indagar como se conciliar tal
dispositivo ¾ que fala em patrimônio da empresa ¾ , com a idéia da inexistência
de personalidade própria do empresário?
Como diz CARLOS MAXIMILIANO, não se pode pressupor
que a lei contenha antinomias ou incompatibilidades, cabendo ao intérprete
buscar a interpretação que harmonize a letra da lei. Diz ele:
Não raro, à primeira vista duas expressões se
contradizem; porém, se as examinarmos atentamente (subtili animo), descobrimos
o nexo culto que as concilia. É quase sempre possível integrar o sistema
jurídico; descobrir a correlação entre as regras aparentemente antinômicas.[3]
Patrimônio de afetação
A conciliação das normas pode ser feita se
considerarmos que o imóvel pode pertencer à pessoa física, mas ficar vinculado
à atividade empresarial de seu proprietário.
Mas, aí, é de todo conveniente que, estando o
imóvel vinculado à atividade empresarial, a ponto de poder ser vendido sem
outorga conjugal, tenha ele anotada tal qualidade em sua matrícula, notadamente
para fins de publicidade e resguardo dos direitos conjugais.
A anotação dessa vinculação não tem ainda previsão
legal expressa, e muito menos um nome para qualificá-la. Pode ser qualquer
nome, desde que a vinculação fique estabelecida.
Consideramos adequada seja a anotação denominada ¾
sem prejuízo de outra que melhor se afigure ao Registrador ¾ AFETAÇÃO DO
IMÓVEL. Com efeito, se há um só patrimônio do empresário e se há parte desse
patrimônio que pode ter um tratamento especial, esse patrimônio pode ser
classificado como um patrimônio de afetação, assemelhado, mas distinto, daquele
estabelecido no art. 31-A e 31-B da Lei de Condomínio e Incorporação (Lei n°
4.591/64).
Segundo WILGES ARIANA BRUSCATO,
O patrimônio de afetação tem-se constituído em uma
técnica jurídica eficiente no resguardo de direitos patrimoniais. Diversas são
as soluções jurídicas que utilizam o seu princípio: o dote, o bem de família, o
bem público, os bens dados em garantia real, a enfiteuse, o fideicomisso, as
rendas vitalícias, a fundação, entre outras.
Trata-se de dar a determinado bem ou porção de bens
um destino especial. Sendo assim, o instituidor do patrimônio de afetação lhe
atribuirá, de modo prévio e público, uma finalidade específica, devendo a ela
se submeter.”[4]
Daí, caberá ao empresário, se assim o quiser,
destacar do seu patrimônio geral determinados bens aos quais atribuirá a
qualidade de vinculação à sua atividade empresarial. Poderá ser efetuado ato
registral consignando a afetação de determinado imóvel à atividade do
empresário. Tal ato não constituirá ato de transferência de propriedade do bem,
que continuará em nome do empresário. Apenas vincular-se-á à sua atividade
empresarial e sujeitar-se-á, dentre outras, à possibilidade de alienação sem
outorga do cônjuge.
Anote-se, por oportuno, que o pedido de afetação
necessariamente deverá conter a outorga do cônjuge, nos casos em que, pelo
regime de bens do casamento, tal outorga se faça necessária.
Na hipótese de o empresário não ter efetuado a
anotação da afetação e efetuar a venda de um imóvel declarando que tal imóvel
vincula-se à sua atividade empresarial, então o cônjuge deverá figurar no
título de alienação para expressar a sua outorga, sempre que o regime de bens
assim o exigir.
Caso o empresário venha a adquirir com o produto da
venda de imóvel afetado, ou com outros recursos da empresa individual, um outro
imóvel, deverá ter o cuidado de fazer constar do título aquisitivo que tal
aquisição se faz com recursos do patrimônio vinculado à empresa individual e a
ela se destina, devendo cuidar, por ocasião do registro aquisitivo, para ser
anotada na matrícula do imóvel a sua afetação. Caso não o faça, haverá a
presunção de que o novo imóvel integra apenas seu patrimônio pessoal, sendo
certo, no entanto, que, posteriormente, poderá requerer administrativamente tal
afetação, em pedido ao Registrador, do qual conste a outorga do cônjuge.
Alterações do registro
Estando o imóvel registrado em nome de empresa
individual, pode ocorrer a passagem do imóvel para o nome do seu titular. Tal
passagem pode ter duas finalidades: a) corrigir o registro, que deveria ter
sido feito em nome do empresário, com a anotação da vinculação, como acima
previsto, ou, b) desvincular o imóvel da afetação, ou seja, do vínculo com a
empresa.
No primeiro caso, em que o vínculo (afetação)
continua, ao se lançar o nome do proprietário, dever-se-á também consignar o
vínculo.
Já na hipótese de se pretender a desvinculação,
deve ser consignada tal desoneração, para expressa ciência de terceiros.
Da alienação do imóvel objeto de afetação
É de se indagar se, já estando efetuada a anotação
da afetação, como deverá constar a alienação do imóvel: em nome da pessoa do
titular da empresa ou em nome da empresa individual? Pelas razões já expostas,
a nosso ver, mesmo que do registro imobiliário já conste anotada a afetação e o
nome pelo qual o empresário individual opere, esse não é o nome do titular do
imóvel, que continua a ser a pessoa física do empresário.
Cabe destacar que se nos afigura indicado que, por
ocasião da alienação ou oneração de um imóvel que integre patrimônio de
afetação, devam ser apresentadas não só as certidões relativas à inscrição da
empresa (incluindo certidões do INSS e da Receita Federal), mas, também, à pessoa
física do alienante.
Da impenhorabilidade de imóvel residencial do
empresário
Como visto, o empresário tanto poderá destacar de
seu patrimônio um ou mais imóveis ¾ ou outros bens ¾ , para vinculá-los à sua
atividade empresarial, como poderá deixar de fazê-lo. De qualquer maneira, o
seu patrimônio é uno, ou seja, todos os seus bens respondem por todas as suas
dívidas, pessoais ou empresariais. Dúvida poderá ocorrer se, estando um imóvel
afetado à atividade empresarial, poderá ele vir a ser penhorado por dívida da
atividade empresarial. Em princípio, sim, salvo se tal imóvel for o único
imóvel residencial do empresário. Caso o seja, gozará de proteção legal. Esse o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça, manifestado na seguinte decisão:
Processo REsp 172865/SP; RECURSO ESPECIAL
1998/0031030-4. Relator Ministro HAMILTON CARVALHIDO - Órgão Julgador - SEXTA
TURMA - Data do Julgamento 7/02/2002 - Data da Publicação/Fonte DJ
19.12.2002, p. 454.
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL. FIRMA INDIVIDUAL. PESSOA NATURAL. PENHORA. BEM DE
FAMÍLIA. CONHECIMENTO.
1. A ilimitação da responsabilidade do comerciante
individual em nada repercute na impenhorabilidade do bem de família legal, que
lhe integra o patrimônio, até porque a Lei nº 8.009/90, na letra de seu artigo
1º não exclui da isenção do imóvel a dívida comercial: ("O imóvel
residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não
responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária
ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que
sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta
Lei.").
2. Recurso conhecido para julgar procedente os
embargos do devedor.
Acórdão - Vistos, relatados e discutidos os autos
em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do
Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso, nos termos
do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Vicente Leal e Fernando
Gonçalves votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausentes, justificadamente, os
Srs. Ministros Paulo Gallotti e Fontes de Alencar.
Questões tributárias
Questões tributárias também poderão vir a ser
colocadas na área registral.
A primeira delas diz respeito à afetação do bem,
isso é, ao ato pelo qual o empresário requer a anotação da vinculação do imóvel
à sua atividade empresarial.
No nosso entender, como não há transferência do bem
¾ pois o patrimônio da empresa unipessoal confunde-se com o patrimônio pessoal
do empresário ¾ , não há que se falar em incidência de imposto de transmissão.
Há, também, outra situação, distinta daquela até
aqui tratada, onde se cuidou de empresário, como tal considerado aquele
devidamente registrado para atos de comércio. A nova hipótese diz respeito
àquele apenas equiparado à pessoa jurídica para fins tributários. Não há, nessa
última hipótese, reflexos na atividade registral, pois essa equiparação diz
respeito, exclusivamente, à área fiscal do contribuinte, sem reflexo na
propriedade imobiliária.
Quanto a essa parte tributária propriamente dita,
notadamente a relativa ao enquadramento, ou não, da pessoa física como pessoa
jurídica para fins tributários, lembra-se que a legislação do imposto de renda
(RIR/1999, art. 150) equipara a pessoa física à pessoa jurídica quando:
a) em nome individual, explore, habitual e
profissionalmente, qualquer atividade econômica de natureza civil ou comercial,
com o fim especulativo de lucro, mediante venda a terceiro de bens ou serviços,
quer se encontrem, ou não, regularmente inscritas no órgão do Registro de
Comércio ou Registro Civil, exceto quanto às profissões de que trata o art.
150, § 2°, do RIR/1999;
b) promova a incorporação de prédios em condomínio
ou loteamento de terrenos.
A pessoa física equiparada à pessoa jurídica deverá
inscrever-se no CNPJ e efetuar declarações de imposto de renda não só como
pessoa física, mas, também, como jurídica.
É de se consignar que a Receita Federal não permite
a alteração da natureza jurídica no CNPJ quando “tratar-se de empresário
(individual) transformando-se em sociedade ou vice-versa” e “empresário
(individual) transformando-se em empresa individual”. Também se menciona
que, segundo a SRF, os imóveis integrantes do patrimônio da empresa individual,
quando cessar a equiparação da pessoa física à jurídica, permanecem no ativo da
empresa individual, para efeito de tributação como lucro da pessoa jurídica,
até sua alienação e completo recebimento do preço.
Isso posto, o registro de imóveis deverá atentar:
Pessoa física equiparada a pessoa jurídica pelo
fisco:
Nada a observar no Registro Imobiliário, posto que
sem reflexo direto em seus assentos registrais.
Empresário (Firma Individual)
Para consignação da afetação, não necessitará o
registrador de maiores elementos, nem mesmo certidões negativas. Bastará o
requerimento, observando-se a outorga conjugal.
O sentido inverso, todavia, não apresenta a mesma
solução. Com efeito, se para um empresário declarar-se como tal perante o
Registro Imobiliário, pedindo a afetação de um imóvel seu, não é necessário
apresentar certidões negativas, seja da SRF, seja da Previdência Social, já o
pedido de desafetação deve ser instruído com as certidões negativas usualmente
exigidas a uma pessoa jurídica.
Na hipótese da desafetação resultar do término da
atividade empresarial, as certidões deverão ser aquelas fornecidas a quem
encerra uma pessoa jurídica.
Entretanto, se o encerramento da atividade ocorrer
mortis causa, a matéria tributária deverá ter sido apreciada nos autos do
inventário do finado empresário, restando ao Registrador verificar apenas se as
certidões constaram do título apresentado a cartório.
Lembra-se, por oportuno, que a morte do empresário
não implica necessariamente no encerramento da atividade empresarial por ele
desenvolvida, a qual poderá vir a ser continuada por seus herdeiros. Nesse
sentido, confira-se:
Processo RMS 15377/RN; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO
DE SEGURANÇA 2002/0125564-8 Relator Ministro LUIZ FUX - Órgão Julgador -
PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento 2/12/2003. Data da Publicação/Fonte DJ
16.02.2004 p. 203.
EMENTA
MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMAÇÃO DOS HERDEIROS POR
DIREITO TRANSMISSÍVEL, ATÉ A NOMEAÇÃO DO INVENTARIANTE. EXTINÇÃO PREMATURA DO
PROCESSO.
1. A firma individual do de cujus engendra relações
jurídicas transmissíveis aos herdeiros pelo direito de saisine, inclusive o
"fundo de comércio". Conseqüentemente, a esse direito correspondem as
ações que o asseguram, inclusive aquela tendente a propiciar a continuação
legalizada dos negócios do defunto, o que se verifica na prática.
2. Sob essa ótica, inegável o direito líquido e
certo dos herdeiros insurgirem-se, via mandamental, contra o ato que a pretexto
de exigir exações em mora, determinou o cancelamento da inscrição estadual da
firma, em confronto com a ratio das súmulas 70, do STJ,323 e 547, do STF.
3. Os herdeiros são partes legítimas para
pleitearem direitos transmissíveis, pelo de cujus, até que, inaugurado o
inventário, um deles assuma a inventariança.
4. Ressoa injusto que o direito fique relegado à
deriva, por força de mera formalidade, havendo titulares aos quais
correspondem, meios judiciais de tutela dos direitos transmissíveis mortis
causa.
5. O inventário não formalizado implica a nomeação,
pelo julgador, de um administrador provisório, nos termos do art. 985, do CPC,
máxime porque inaugurado o processo há substituição pelo inventariante,
permitindo-se aos herdeiros assistirem ao representante do espólio, na forma do
art. 54, do CPC.
6. Recurso provido.
Registro ou averbação
A rigor, a anotação da afetação do imóvel à empresa
individual constitui uma oneração, e, como tal, passível de um registro.
Contudo, a Lei de Registros Públicos não contempla na relação contida em seu
Art. 167 a figura da afetação.
Por isso, enquanto não houver uma correção
legislativa do aludido art. 167, o ato a ser praticado deve ser uma averbação,
com fulcro no Art. 246 da LRP, que assim estabelece:
Art. 246. Além dos casos expressamente indicados no
item II do art. 167, serão averbadas na matrícula as sub-rogações e outras
ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro.
Tal averbação, constituindo, como dito, uma
oneração do imóvel, é uma averbação com conteúdo econômico, devendo o
interessado indicar no requerimento com o pedido de afetação qual o valor
atribuído ao imóvel.
Os atos registrais poderiam ter o seguinte esquema,
por exemplo:
R-1-XXX – TÍTULO: compra e venda FORMA DO TÍTULO:
escritura do 1º Ofício, desta cidade, livro 1.000, fls. 100, de 01/01/2006
VALOR: R$1.000,00 TRANSMITENTE: Maria das Neves, acima qualificada. ADQUIRENTE:
João Manuel (qualificação).Etc
AV-2-XXX – AFETAÇÃO - o imóvel, que tem o
valor declarado de R$1.000,00, fica vinculado à atividade empresarial de seu
proprietário, João Manuel, qualificado no ato R-1, e que atua sob o nome
empresarial JOÃO MANUEL IMÓVEIS, inscrito no CNPJ sob o n° XXXXXXX,
estabelecido na Rua Direita n° 100, nesta cidade. Etc
Conclusão
A figura da empresa individual ainda não está
completa. Hoje, não tem autonomia, confundindo-se seu ativo com o patrimônio do
empresário.
Há uma tendência à admissão da personalidade
jurídica própria para a empresa individual, já existente em outros países, mas
que entre nós ainda não está presente na legislação.
Por ora, há que se conviver com uma figura híbrida,
que, a par de certas vantagens, apresenta dificuldades e complicadores,
notadamente decorrentes da confusão patrimonial.
Para fugir dessas dificuldades, é que se tornou
usual em nosso meio a existência de sociedades fictícias, nas quais a quase totalidade
do capital pertence a uma só pessoa, e que são constituídas exatamente para
permitir a separação dos patrimônios e limitar o risco empresarial a um
montante predeterminado.
Enquanto a solução legislativa não vem, há que se
conviver harmoniosamente com as dificuldades assinaladas.
Notas
* Advogado e professor da Universidade Santa
Úrsula, (Rio de Janeiro – RJ)
[1] Curso de Direito Comercial, Saraiva, 2006, 26ª
ed., p.78
[2] Empresário Individual de Responsabilidade
Limitada, Quartier Latin, São Paulo, p. 156
[3] Hermeneutica e Aplicação do Direito, Forense,
16ª ed., Rio, p. 134
[4] Ob. cit., p. 176/177
Postado por Sancho Neto. Of.s.
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