No
dia vinte e dois de novembro de dois mil e treze, na sede da Escola Paulista da
Magistratura, localizada na Rua da Consolação, 1483, primeiro andar, São
Paulo/SP, foi realizado o Sétimo
Ciclo de Debates – “Café com Jurisprudência”, cujo tema
proposto foi “Qualificação
Registral e o crime de desobediência a ordem judicial”.
Compunham a mesa de debates e fizeram uso da palavra Tânia Mara Ahualli,
Juíza Assessora da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Josué
Modesto Passos, Juiz de Direito Auxiliar da Capital, e Sergio Jacomino, 5º
Registrador de Imóveis de São Paulo/SP. O palestrante, Dr Guilherme Guimaraes
Feliciano, Juiz Federal do Trabalho da 15ª Região, participou ao final dos
debates.
Após
os cumprimentos e apresentações iniciais, os debates se desenvolveram a partir
do tema proposto: a qualificação registral efetuada por registradores de ordens
judiciais que recebem, e o crime de desobediência a tais ordens quando de seu
descumprimento. Discutiu-se ainda se haveria a possibilidade da pena de prisão
nestas situações, ou seja, o cabimento ou não de uma sanção penal para o caso
de descumprimento de uma ordem judicial quando do exercício da qualificação
registral pelos registradores.
Sergio
Jacomino afirmou que o Tribunal Superior do Trabalho já firmou o entendimento
de que não se tipifica o crime de desobediência. Há inclusive precedente do
Supremo Tribunal Federal de habeas corpus preventivos em tais
situações. Houve um caso no registro de Imóveis de Belo Horizonte em que, após
a qualificação e devolução de um título judicial, foi suscitada a dúvida e a
Corregedoria Permanente confirmou a atuação do registrador. O juiz trabalhista
então extraiu cópia de todo o procedimento e encaminhou ao Ministério Público
Federal. A decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, nas palavras do
ministro Marco Aurélio, foi de que se trata de uma prerrogativa,
considerando-se a independência jurídica do registrador, e até mais, é um dever
deste profissional do direito.
Em
seguida, Tania Ahualli comentou a atuação das Corregedorias Permanente e Geral,
que também determinam o cumprimento das ordens judiciais trabalhistas ou
federais, e que eventuais vícios seriam sanados posteriormente. A discussão
existe pelo fato de as Corregedorias Permanentes e Geral terem atuação
administrativa, enquanto os juízes das ordens judiciais encontram-se no
desempenho da atividade jurisdicional.
Uma
colega então questionou se não se poderia, em tais casos, aplicar-se o artigo
214 da Lei de Registros Públicos, que se refere ao bloqueio de matriculas.
Assim, seriam feitos os registros, sem se descumprir a ordem judicial, e
posteriormente a respectiva matrícula seria bloqueada.
Para
Ahualli, a ideia de bloqueio mostra-se positiva, podendo-se assim conciliar o
cumprimento da ordem judicial com a atuação e qualificação feitas pelo
registrador, e posteriormente efetuar o bloqueio da matrícula.
A
este respeito, o Dr. Josué Modesto Passos comentou que não vem determinando
referidos bloqueios, pois entende que isso seria uma forma sutil de, na prática
e por via transversa, impedir, na via administrativa, que tivesse efeitos uma
ordem judicial proferida por juízes no exercício da atividade jurisdicional.
Neste
cenário, a questão voltou-se para a possibilidade de prisão por pena de
desobediência. Segundo decisões mais recentes, o crime de desobediência não é
crime para prisão cautelar, em flagrante. E questiona-se ainda se caberia ao
registrador cumprir uma ordem manifestamente ilegal, pois está dentre suas
atribuições e deveres efetuar a qualificação registral dos títulos que lhe são
ingressos.
Ahualli
comentou que a ordem judicial emanada é legal, e que o crime de desobediência
não admite prisão em flagrante.
Passos
ponderou que não se pode ser taxativo ao afirmar que nunca haverá crime de
desobediência: em princípio, a qualificação negativa de um título prenotado é
cumprimento de dever do registrador e, portanto, a ilicitude está excluída;
porém, seria preciso aprofundar a investigação, para verificar que existiria
algum caso que a recusa pudesse ser abusiva.
Jacomino
lembrou que o último palestrante indicou que o enquadramento eventualmente
adotado, para enfrentamento dos casos de descumprimento da ordem judicial,
seria de de improbidade administrativa.
Passos,
neste momento, citando Araken de Assis, afirma que o tema de registro é
estranho à execução em si. A desobediência ocorre se houver uma ordem. No
processo civil, muitas vezes os juízes tem poderes ampliados. O que o juiz pode
ordenar? Ainda seria, neste cenário, correto o entendimento de Araken de Assis?
Passos,
nesse momento, cita Araken de Assis, autor segundo o qual o tema de registro é
estranho à execução em si. No entender de Passos, esse é o entendimento
tradicional, que hoje pode não mais ser o correto. Além disso, diz Passos que o
crime de desobediência pressupõe que haja uma ordem. No processo civil, é
verdade que os juízes, ao longo do tempo, tem recebido uma ampliação de seus
poderes (por exemplo, com a previsão de um poder geral de cautela e, depois,
com a possibilidade geral de antecipação de tutela). Seria preciso investigar o
que o juiz pode, de fato, ordenar no processo de execução, no que diz respeito
ao registro.
Uma
colega asseverou que a questão da execução não poderia ser desprestigiada, pois
a eficácia das decisões é fundamental.
Segundo
Ahualli, os juízes não podem ter poderes ilimitados. Não caberia portanto ao
juiz corregedor permanente dizer se a ordem foi irregular ou não.
Posteriormente poderia ser desconsiderada a ordem, após a análise em um segundo
momento, em expediente próprio. Neste ponto, Jacomino lançou a ideia, já
corrente em certos círculos, de se transformar a dúvida em procedimento
judicial ordinário.
Passos
pontuou sobre a aquisição judicial ser considerada originária. Neste caso,
proprietário não precisaria ser citado? Mesmo no sistema de aquisição
imobiliária em modo originário, se exige a intimação de todos os interessados.
Se estes não se opuserem, a decisão produzirá o efeito da transmissão. Em sua
opinião, entretanto, a arrematação é forma derivada de aquisição de
propriedade.
Ainda,
Passos considerou a presunção dos atos judiciais. Se, no entanto, por meio dos
elementos apresentados, se perceber a possibilidade de ter havido algum
erro/equívoco, dever-se-ia encaminhar o caso ao juiz. Se este, no entanto,
reiterar a decisão, deve a mesma ser integralmente cumprida.
Um
dos presentes perguntou então se o registrador poderia qualificar negativamente
um título judicial, caso verificasse que as citações não teriam sido todas
feitas corretamente, e se a natureza originária de uma aquisição não permitiria
dispensar tal exame. Passos pontuou que as citações de todos os interessados
são necessárias mesmo nos ordenamentos jurídicos em que a arrematação conduz a
uma aquisição originária do domínio, e que no direito brasileiro um caso típico
de aquisição originária – a usucapião – implica a regularidade de todas as
citações no respectivo processo. Voltando ao caso da arrematação, num
sistema em que ela dá causa a uma aquisição originária, a transmissão do
domínio sobre bens que não sejam do devedor só ocorrerá se os interessados
forem citados e não embargarem. Passos salientou que, em sua opinião, a
arrematação dá causa a uma aquisição derivada de propriedade.
Passos
ainda fez consideração sobre a presunção de legalidade dos atos judiciais. Se,
no entanto, por meio dos elementos apresentados, se perceber a
possibilidade de ter havido algum erro/equívoco, o oficial de registro deveria
encaminhar o caso ao juiz. Se este, no entanto, reiterar a decisão, deve a
mesma ser integralmente cumprida.
Com
a chegada do palestrante, Dr. Guilherme Guimarães Feliciano, teve início a
apresentação de alguns casos ocorridos dentro do tema abordado e de possíveis
soluções.
Foi
mencionada a apelação cível 37.909-0/0 TJSP, de Marcio Martins Bonilha, em que
houve a recusa de uma penhora pelo registro de imóveis competente. Foi
suscitada dúvida e o juiz corregedor permanente acolheu a posição do
registrador. Então, o juiz trabalhista que teve a sua ordem recusada comunicou
ao seu corregedor, o qual oficiou a Corregedoria do Tribunal de Justiça. Esta,
por sua vez, levou o tema ao Conselho Superior da Magistratura. O que se
entendeu ao final foi que os títulos judiciais apresentados não isentam os
registradores do regime qualificativo dos requisitos registrários.
Foram
mencionadas algumas hipóteses de recusa decorrente da justiça do trabalho, como
de imóveis gravados por cédula de crédito industrial, indisponibilidade
patrimonial, comprovante de pagamento de ITR e de incompetência absoluta.
As
possíveis soluções para os casos tratados seriam:
-
Nos casos de conflito, aplicação do artigo 105, I, g da Constituição Federal;
-
Publicação de editais dando conta da constrição judicial. Eficácia presuntiva
do artigo 659, paragrafo 4º e 687 do Código de Processo Civil;
-
Expedição de mandado de imissão na posse direta dos imóveis, em favor do
arrematante ou adjudicante (artigo 625 do Código de Processo Civil, “per
analogiam”).
Com
relação às consequências civis e penais, haverá responsabilidade civil perante
terceiros adquirentes de boa-fé. No âmbito penal, cabe ressaltar seu caráter
subsidiário, ou seja, se houver sanção de outra natureza, não caberia crime. A
expedição de mandado de prisão para os casos de desobediência de ordem judicial
no contexto tratado é um erro, caberia apenas a lavratura de um termo
circunstanciado (TCO).
Jacomino
finalizou solicitando a todos os participantes e eventuais interessados
sugestões de temas para o “8º
Ciclo do Café com Jurisprudência”. Sugeriu,
dentre outros, analisar as consequências penais nos diversos institutos do
direito notarial e registral.
Após
os agradecimentos, a palestra foi encerrada às 13:00.
Eu,
Denise Kobashi Silva, Tabeliã de Notas e Protesto de Santa Isabel/SP, redigi.
Eu, Sérgio Jacomino, revisei e editei.
Fonte:
Anoreg/SP – EPM.
Publicação: Portal do RI (Registro de
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Postado por: Sancho Neto.
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