Juiz de Direito: Ricardo Norio
Daitoku
Diretor de Secretaria: Rodrigo
Teixeira Marrara
Para conhecimento das Partes e
devidas Intimações
Cuida-se de dúvida registrária
suscitada pelo Oficial do 3º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO DISTRITO FEDERAL
a requerimento de LÍLIAN BORGES DAS NEVES, em face da nota de devolução para
registro da escritura pública de compra e venda do Ap. 313 do Bloco D, projeção
04, da QNL 12, Taguatinga-DF(fls. 12/13), matriculado sob o n. 143.101. A nota
veio vazada nos seguintes termos, in verbis: Nº 88427-7/12 - Duvida - A: 3 OFICIAL DE REGISTRO DE
IMOVEIS DE AGUAS CLARAS. Adv(s).: Sem Informacao de Advogado. R: LILIAN BORGES
DAS NEVES. Adv(s).: Sem Informacao de Advogado. Decido. A questão a ser
decidida nestes autos consiste em definir se é possível ou não ao doador do
numerário utilizado para a compra de um imóvel gravar esse mesmo imóvel com as
cláusulas restritivas de incomunicabilidade e impenhorabilidade. In casu, a
escritura pública contempla a compra e venda de um imóvel, na qual WAGNER
GONÇALVES, doador do dinheiro empregado na aquisição do bem, impôs as referidas
cláusulas limitadoras. Entendeu o suscitante que a doação do dinheiro não se
confunde com a doação do imóvel, razão pela qual não poderia o doador
restringir o direito de propriedade. A questão não é singular, tendo provocado
dissensão na doutrina e na jurisprudência. Divergências a parte, é correto
afirmar que a jurisprudência vem se inclinando para a possibilidade de registro
de escrituras públicas de compra e venda acoplada com doação modal, desde que
observado o recolhimento do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e
Doação) em relação à doação do numerário. Nesse sentido, confiram:
"REGISTRO DE IMÓVEIS - Dúvida procedente - Escritura pública de venda e
compra acoplada à doação modal - Falta de prova do pagamento do ITCMD, devido
pela doação do numerário, que obsta o registro predial - Recurso não
provido." (TJSP, Conselho Superior da Magistratura, APELAÇÃO CÍVEL Nº
577-6/4, Relator: GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Julg. 21 de novembro de 2006) O
referido julgado muito se assemelha ao caso em exame, colhendose do voto do
eminente relator: "Os dois negócios jurídicos referidos - doação e a venda
e compra - foram formalizados na mesma escritura pública e de modo
interligados. Observe-se que, no título (fls. 14/17), consta expressamente que
a interveniente doou aos compradores 'a importância equivalente para aquisição
do imóvel desta, destacada do disponível de todo o seu patrimônio, com a
condição de ficar o referido imóvel gravado com as cláusulas vitalícias de
absoluta impenhorabilidade e incomunicabilidade, extensivas aos frutos,
rendimentos, vantagens, acréscimos, valorizações ou benfeitorias' (fls. 16 e
v.). Doação de numerário, pois, para a aquisição de imóvel objeto de venda e
compra formalizada no mesmo instrumento, sob a condição do bem ficar gravado
com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, qualifica-se como
doação modal acoplada a venda e compra. Sabe-se da divergência doutrinária e
jurisprudencial sobre o tema, mas não se pode deixar de mencionar nem de se
render aos precisos argumentos que o Conselho Superior da Magistratura assentou
no julgamento da Apelação Cível nº 78.532-0/3, da Comarca de São José do Rio
Preto, em 30 de agosto de 2001, sob o relatório do Desembargador Luís de
Macedo: 'Grassa ainda, não se desconhece, polêmica sobre a possibilidade de o
doador, na doação de dinheiro com a finalidade de o donatário comprar
determinado bem, clausular o bem a ser adquirido pelo beneficiário da doação
com inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. Admitem-na
Afrânio de Carvalho ('Registro de Imóveis', Forense, 1998, pág. 91) e Ademar
Fioranelli (op. cit., pág. 161), que caracterizam a doação pecuniária com destinação
específica à compra de imóvel e imposição das cláusulas restritivas como modal.
Serpa Lopes ('Tratado dos Registos Públicos', vol. III, Ed. A Noite, 2ª edição,
1950, pág. 396) e Sérgio Jacomino ('Doação Modal e Imposição de Cláusulas
Restritivas', in 'Estudos de Direito Registral Imobiliário - XXV e XXVI
Encontros dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil - São Paulo/1998 -
Recife/1999', IRIB e SAFE, 2000, págs. 281 a
295) sustentam a impossibilidade de o doador, nesse caso, clausular o
bem a ser adquirido pelo donatário, porque (a) o donatário adquire o bem a
título oneroso, não gratuito; (b) o doador do dinheiro, por não ser o
proprietário do bem adquirido pelo donatário, não pode impor as restrições de
poder; (c) o donatário, comprador do bem, não pode, outrossim, onerá-lo com as
cláusulas restritivas de poder; e (d) a imposição de tais cláusulas na doação
pecuniária se configura mera recomendação, simples conselho ao donatário, não
encargo. Tal divergência, não se olvida, se espraia também na jurisprudência.
Sérgio Jacomino, em seu estudo supra mencionado, aponta dois julgados deste E.
Tribunal de Justiça: um deles (AI nº 39.925-1, rel. Des. Sydney Sanches) não
considerou as cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade como encargo
para fins de aceitação da doação e o outro (Ap. Civ. nº 135.598-1, rel. Des.
Leite Cintra) não admitiu, em caso similar ao ora examinado, a imposição pelo
doador do numerário das cláusulas restritivas de poder sobre o bem adquirido
pelo donatário. 'Tal assunto - como bem observa Elvino Silva Filho ('Efeitos da
Doação no Registro de Imóveis', in 'Revista de Direito Imobiliário', nº 19/20,
janeiro/dezembro de 1987, IRIB e RT, pág. 19) -, mereceu decisões divergentes
do E. Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo. Em uma primeira
decisão, entendeu-se não ser possível a vinculação do imóvel com a cláusula de
inalienabilidade em uma escritura de compra e venda, em que o dinheiro para a
aquisição tivesse sido doado por terceiro, mesmo que comparecente na escritura
de compra e venda. Posteriormente, o mesmo Conselho, integrado pelos mesmos
membros, em decisão relativa ao mesmo assunto, apenas alterada a natureza da
cláusula que passou a ser a de incomunicabilidade, modificou sua orientação,
entendendo ser essa espécie de doação uma doação modal. A ementa desse acórdão
é bastante expressiva e nela se lê: 'Doação modal - Não se
confunde com o instituto de sub-rogação de vínculo - Doação de dinheiro
destinado à aquisição de determinado bem imóvel, gravado com cláusula de
incomunicabilidade, atos esses realizados simultaneamente e na mesma escritura
- Validade e legitimidade do título - Registro deferido.' Posta, assim, a
cizânia que ainda perdura sobre tal questão, entendo que a solução deve ser
pela validade da imposição, pelo doador, das restrições de poder sobre o bem a
ser adquirido pelo donatário com o dinheiro recebido em doação para adquiri-lo.
E isso porque, ainda que, segundo os doutos, tais restrições, que não encerram
nenhuma obrigação ao donatário, se distingam dos encargos, não vislumbro em sua
imposição, pelo doador, no bem a ser adquirido pelo donatário com o dinheiro
recebido em doação, nenhuma ofensa à ordem pública ou aos bons costumes,
limites à autonomia da vontade dos contratantes. A origem de tal imposição
repousa na doação do dinheiro, não na compra do bem pelo donatário e a doação
do numerário acoplada à compra do bem legitima a imposição das restrições pelo
doador, apesar de não ser ele o transmitente do bem onerado.' Qualificados,
pois, os dois negócios interligados no mesmo instrumento público como doação
modal acoplada a venda e compra, cujo acesso ao fólio real, como tal, em tese,
é admissível, o registrador não pode deixar de exigir o recolhimento do ITCMD
para a doação do numerário e, assim, correta a decisão de procedência da
dúvida, bem como improcedente o recurso interposto." Ademais, vale
relembrar "Um princípio devem todos ter em vista, quer Oficial de Registro,
quer o próprio Juiz: em matéria de Registro de Imóveis toda a interpretação
deve tender para facilitar e não para dificultar o acesso dos títulos ao
Registro, de modo que toda propriedade imobiliária, e todos os direitos sobre
ela recaídos fiquem sob o amparo do regime do Registro Imobiliário e participem
dos seus benefícios." Da escritura colhese, ainda, que o dinheiro compunha
parte disponível do doador, não importando em adiantamento de legítima. Sendo
assim, assiste razão ao Ministério Público ao afastar a aplicação do disposto
no art. 1848 do Código Civil. Por fim, o ingresso do título não ofende a ordem
pública nem o fisco, eis que houve o recolhimento do imposto de transmissão
inter-vivos em relação à doação do dinheiro (b.1). Posto isso, acolho o parecer
ministerial que acresço às minhas razões, para JULGAR IMPROCEDENTE a dúvida
suscitada. Certificado o trânsito em julgado, cumpra-se o disposto no inc. II
do art. 203 da Lei n. 6.015/73. Sem custas. Oportunamente, arquivem-se os autos.
Brasília-DF, 23 de agosto de 2012 RICARDO NORIO DAITOKU, Juiz de Direito.
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito FederaL e Territórios. VRP.
Postado por Sancho Neto. Of.s.
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