sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O registro de penhora não impede a alienação do imóvel penhorado.


APELAÇÃO CÍVEL
DATA: 16/7/1991  FONTE: 012192-0/8  LOCALIDADE: NOVA GRANADA
Relator: Onei Raphael
Legislação:

PENHORA REGISTRADA - NÃO IMPEDE ALIENAÇÃO

O registro de penhora não impede a alienação do imóvel penhorado.

Íntegra:

APELAÇÃO CÍVEL N.º 12.192-0/8 – NOVA GRANADA Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
I. Tratam os autos de Apelação interposta por BRAZ FRANCISCO TEIXEIRA (fls. 26/28) contra a
R. sentença do M.M. Juiz de Direito Corregedor Permanente do Cartório de Registro de Imóveis da
Comarca de Nova Granada, que julgando procedente Dúvida suscitada pelo Serventuário, indeferiu o registro de compromisso de compra e venda, por instrumento particular, apresentado pelo ora apelante (fls. 23/24).

O isolado fundamento de recusa, acolhido pelo D. magistrado sentenciante, foi o de que, recaindo diversos registros de penhora sobre o imóvel objeto da promessa de venda e compra, deveria o suscitado, previamente, providenciar o respectivo cancelamento, para resguardo do interesse de terceiros.

As razões de recurso, salientando preliminarmente que outras exigências feitas pelo Oficial foram superadas pela apresentação de documentos hábeis nestes próprios autos, atêm-se ao argumento de que, consoante pacificada jurisprudência, a existência de inscrição de penhora não obsta a alienação ou a promessa de venda do imóvel penhorado.

A promotoria de Justiça local e a D. Procuradoria Geral da Justiça pronunciaram-se pelo provimento do apelo, deferindo-se o registro do título (fls. 38v. e 41/42).

É, em síntese, o relatório. II. Opino.
O título sob exame é instrumento particular de compromisso de compra e venda (fls. 04) pelo qual Braz Silvério Gonçalves e sua esposa prometem vender ao ora apelante o imóvel hoje matriculado no Ofício Predial sob o n.º 4.089, no instrumento como originário da transcrição n.º 17.213.

O Oficial, na suscitação, elencara quatro motivos de desqualificação, a saber:

a) o compromisso não menciona o nome da esposa do promitente comprador, nem o regime de bens e a data do casamento;

b) os promitentes vendedores são representados por procurador, constituído mediante instrumento público lavrado em 22.02.88, ao passo que a promessa de venda é datada de 05.05.88;

c) o título menciona como registro anterior a transcrição n.º 17.213, quando o imóvel já se encontra matriculado sob o n.º 4.089, no mesmo Ofício;

d) consta da matrícula do imóvel o registro de seis penhoras;

e) no Anexo de Registro de Títulos e Documentos da Serventia encontra-se registrado, e,
14.06.1988, um contrato de promessa de venda e compra incidente sobre o mesmo imóvel, pelo

qual ele é prometido à venda a terceiro.

Com a impugnação, o suscitado trouxe certidão atual do instrumento público de mandato (fls. 18) e cópia autenticada da certidão do assento de seu casamento (fls. 19), daí porque o M.M. Juiz considerou atendidas e superadas essas exigências. Entendeu ainda improcedente aquela relativa à indicação do exato número do registro antecedente, dúvida não havendo quanto a tratar-se do mesmo imóvel antes objeto da transcrição referida no título. Não apreciou o apontado óbice concernente à existência de outro instrumento de promessa de compra e venda com respeito ao imóvel, e obstou o registro exclusivamente em razão da pré-existência de registros de penhora sobre o lote prometido a venda.

Assiste razão ao recorrente naquilo em que sustenta não subsistir o fundamento de recusa albergado na R. sentença. O registro de penhora não impede sejam registradas alienações do imóvel penhorado, por isso que “a penhora não traz a indisponibilidade dos bens apreendidos, mas torna ineficaz, perante o processo, qualquer ato de disposição praticado pelo devedor que desrespeite a constrição. E essa ineficácia decorre da própria penhora, que é ato público e solene, e não de seu registro imobiliário” (ementa ao V. Acórdão proferido na Ap. Cível n.º 162.029, 2º TA Civil de São Paulo, j. 21.03.84, Rel. o Juiz Mello Junqueira, in “Revista de Direito Imobiliário do IRIB”, vol. 14, pág. 93). Não é, a penhora inscrita, “óbice à transcrição de título aquisitivo do imóvel quando o próprio devedor executado o aliena a terceiros (cf. os acs. insertos na RT 440/136,
451/128 e 501/109 – e é essa a orientação do STF – v. RE10.045, Rel. Min. Orozimbo Nonato, DJU 30.10.51).” (6ª Câmara Civil do TJSP, Ap. Cível n.º 13.174-1, j. 6.8.1981, Rel. o Des. Francisco Negrisollo, in R.D.I., vol. 10, pág. 75).

No mesmo sentido, ainda, a lição de Afrânio de Carvalho, colacionada pelo apelante (fls. 37), e a merecer transcrição:

“Dada a eficácia relativa da inscrição preventiva, o executado continua titular do domínio e, nessa qualidade, pode alienar o imóvel penhorado. Embora o adquirente fique sujeito a ver decretada a ineficácia da alienação, não incumbe ao registrador antecipá-la, pelo que há de praticar o ato registral” (“Registro de Imóveis”, Forense, 3ª ed., 1982, pág. 288).

O Dr. Procurador de Justiça reproduz, ainda, claro excerto de Walter Ceneviva acerca do ponto, em comento ao art. 230 da L.R.P.:

“O Oficial do registro não pode apreciar questões cujo deslinde pertença, com exclusividade, aos órgãos jurisdicionais, quando examina título submetido a registro. Nada obsta, por exemplo, a que em terceiro adquira imóvel sobre o qual exista penhora registrada, porque a conseqüência e
sujeitar-se esse adquirente aos efeitos que advenham do resultado da ação, sem que possa alegar boa fé ou falta de conhecimento”. (“Lei dos Registros Públicos Comentada”. Saraiva, 6ª ed., pág.
507).

Em suma, se o registro da penhora comprova a fraude de qualquer transação posterior (artigo 240 da Lei n.º 6.015/73), a própria configuração dessa fraude é fato estranho à cognição do registrador, até porque a inscrição da penhora pode subsistir sem que não mais subsista a constrição (art. 252 do mesmo diploma); o aludido artigo 240, aliás, parece mal colocado no bojo da lei formal específica dos registros públicos: com maior propriedade deveria estar inserido na legislação civil ou processual civil.

A exigência de atualização da certidão do instrumento de mandato pelo qual os promitentes vendedores se fizeram representar no contrato não tinha razão de ser. O traslado apresentado por cópia era de 28.06.1990, praticamente contemporâneo à apresentação do título. Por outro lado, tendo sido o mandato outorgado cerca de três meses antes da celebração do contrato, é certo que podia ser considerado recente, não havendo por que deixar de se presumir sua validade. Todavia, a cópia de procuração de fls. 05 foi autenticada na Comarca de São José do Rio Preto, conquanto outorgado o mandato em Cartório de Notas da Comarca de Nova Granada. Por analogia do que dispõe o item 9, Capítulo XIV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça,
dever-se-ia quando menos, exigir autenticação na própria comarca onde se prestava o documento a surtir efeitos.

Era ainda necessário, como observou o Oficial, qualificar de maneira completa o promitente-comprador, com a indicação do nome de seu cônjuge, do regime de bens no casamento e da circunstância de ter sido este realizado antes ou depois da Lei federal n.º

6.515/77, (item 52, Capítulo XX, das Normas de Serviço).

Os documentos trazidos com a impugnação (fls. 18 e 19) seriam, em tese, bastantes a atender tais exigências, o que adianta se apreciará.

A existência de instrumento particular de promessa de venda do mesmo imóvel a terceiro, registrada no Anexo de Títulos e Documentos da Serventia, também não era impeditiva do registro ora perseguido. O controle do encadeamento de titularidades que caracteriza o princípio da continuidade é de feição exclusivamente formal, aferível “ex tabula” e assentando-se em um conceito “de relação entre o registro e o fato inscritível”. O título contraditório não levado a registro, ainda que publicizado para efeito tão só conservativo no Anexo de Registro de Títulos e Documentos da mesma Serventia, não deixa de traduzir realidade extra-registrária, tão insusceptível de conhecimento por parte do registrador como o seria título contraditório de que por outra maneira tivesse ele ciência, ou título anteriormente apresentado à inscrição predial e então recusado. Como assinala o Il. Magistrado Dr. Ricardo Henry Marques Dip, “não estende a continuidade aos fatos apenas susceptíveis de registro e que permaneceram à margem da inscrição, ao menos sempre que esta seja obrigatória, mas se toma o trato contínuo relacionando o fato inscritível com os registros precedentes. (...) O fundamento dessa restrição do trato sucessivo
à disponibilidade tabular de direitos encontra-se na obrigatoriedade da inscrição (artigo 169, Lei n.º
6.015, de 31.12.73). Fora dela, seria possível alargar-lhe a extensão, para abranger todos os fatos que, não importa como, chegassem ao conhecimento do registrador, tanto os que fossem de reclamar inscrição, quanto os que discutivelmente pudessem entravá-la” (parecer oferecido a Ap. Cível n.º 5.831-0, CSM/SP, j. 29.8.86, Rel. o Des. Sylvio do Amaral).

Ocorre na hipótese sob exame que, muito embora na aparência não remanesça óbice ao acesso do título, a dúvida não merece decreto de improcedência. É que o interessado só veio a atender aquelas, dentre as exigências formuladas, que se mostravam devidas, no curso deste procedimento: só ao impugnar a suscitação juntou a certidão de seu casamento e certidão original da procuração mencionada no instrumento. E não é de se entender que tal comportamento induza à determinação positiva de registro do título questionado.

Isto porque, em primeiro lugar, o procedimento de dúvida apenas admite, em princípio, solução de dúplice natureza: ou é julgada procedente, e se indefere o ingresso do título prenotado, ou é julgada improcedente, com a correlata determinação do registro do mesmo título (art. 203, incisos I e II, L.R.P). A controvérsia a respeito da qual assim se desdobra a atividade judicial há de estar, portanto, previamente delimitada por ocasião da prenotacao do título. E a razão primordial para
que assim seja e a de que, a se admitir que o suscitado possa validamente cumprir as exigências do registrador durante a tramitação do procedimento de dúvida, estar-se-ia a desfigurar um dos princípios regentes do sistema, a saber, o princípio da prioridade. Por essa regra, defluente dos artigos 186 e 188 da Lei n.º 6.015/73, buscou o legislador solucionar às questões concernentes à concorrência de títulos reciprocamente contraditórios, isto é, aqueles que instrumentem constituição de direitos reais entre si incompatíveis (se A transmite a B determinado imóvel, não pode posteriormente transmiti-lo a C); a via escolhida para obviar esses conflitos foi a da anterioridade da apresentação do título: tem preferência a registro, caso se mostre registrável, o título que em primeiro lugar for prenotado, isto é, lançado no Livro Protocolo (Livro n.º 01). O prazo durante o qual se assegura ao título prenotado essa prioridade a ingresso, em relação a outro eventualmente contraditório, é normalmente de trinta dias: todavia, em havendo instauração de
procedimento de dúvida, a eficácia da prenotação (quer dizer, a garantia de prioridade conferida ao título submetido à apreciação judicial) se prorroga até decisão final da controvérsia, ou como querem muitos, durante lapso razoável após ela, caso a dúvida tenha sido julgada improcedente, em que permita ao suscitado a representação prevista no inc. II do art. 203. Desse modo,
permitir-se a satisfação de exigências devidas no curso do procedimento de dúvida implicaria em se consagrar cômodo artifício para “dilatar o tempo de saneamento de títulos com garantia de prenotação” (Benedito Silvério Ribeiro e Ricardo Henry Marques Dip, “Algumas Linhas Sobre a Dúvida no Registro de Imóveis”, pág. 33). Tudo isto com potencial prejuízo aos interessados no registro de eventual título contraditório já apresentado e com prazo de prenotação em curso, e cujo ingresso dependa, exclusivamente, da solução da dúvida, e, mais, com o desvirtuamento da mencionada garantia legal da prioridade.

Por tais razões é que, no entender do signatário, a dúvida comporta decreto de procedência, conquanto por motivos diversos daqueles em que se lastreou a R. sentença recorrida, tornando-se claro que, uma vez cancelada a prenotacao, e caso reapresentado o título acompanhado dos

documentos de fls. 18 e 19 destes autos, ele se encontrará em condições de ser registrado, se óbice superveniente a esta suscitação não houver surgido.

III. Diante do exposto, o parecer é no sentido do desprovimento do presente apelo, embora por fundamento diverso daquele que embasou a R. decisão recorrida, mantendo-se a procedência da dúvida.

À superior consideração de Vossa Excelência. São Paulo, 26 de fevereiro de 1.991.
(a) AROLDO MENDES VIOTTI, Juiz Auxiliar da Corregedoria

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N.º 12.192-0/8, da Comarca de NOVA GRANADA, em que é apelante BRAZ FRANCISCO TEIXEIRA e apelado o OFICIAL INTERINO DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA.

A C O R D A M os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso.

Apresentado, para registro, Compromisso Particular de Compra e Venda, de interesse de Braz Francisco Teixeira, como compromitente comprador, o Sr. Oficial do Cartório de Registro de Imóveis de Nova Granada suscitou dúvida elencando motivos que constam da nota de devolução. Depois de processada, sobreveio a decisão de primeiro grau fazendo certo que as exigências foram parcialmente atendidas, com exceção das penhoras, devendo o suscitante providenciar o seu cancelamento para a regularização do registro. Inconformado, o interessado apresentou recurso de apelação, juntando novos documentos e contou com o prestígio do Órgão do Ministério Público de ambas as instâncias que opinaram pelo provimento do recurso. O Dr. Juiz de Direito Auxiliar da Corregedoria, no parecer de fls. 44/53, manifestou-se pelo desprovimento do apelo, embora por fundamento diverso daquele que embasou a r. decisão recorrida, mantendo-se a procedência da dúvida.

É o relatório.

Acolhe-se integralmente o aludido parecer que muito bem apreciou a espécie.

Não procede o fundamento de recusa acolhido na R. sentença. O registro de penhora não impede a alienação do imóvel penhorado. Nesse sentido a jurisprudência e a doutrina colacionada no parecer.

Entretanto, como se observou, a dúvida merece decreto de improcedência, apesar da aparente audiência do óbice atual ao acesso do título. É que o interessado só veio a atender aquelas, dentre as exigências formuladas, que se mostravam devidas, no curso deste procedimento; só ao impugnar a suscitação juntou a certidão de seu casamento e certidão original da procuração mencionada no instrumento. Tal comportamento não há de induzir à determinação positiva de registro do título, sob pena de desfiguramento de um dos princípios regentes do sistema, a saber,
o de prioridade. Com efeito, a se admitir pudesse o interessado atender da maneira eficaz as exigências do registrador no curso do procedimento de dúvida, estar-se-ia criando meio indireto para “dilatar o prazo de saneamento de títulos” com a manutenção da garantia da prioridade, que subsiste e se prorroga até decisão final da dúvida.

Daí comportar a dúvida decreto de procedência; embora por motivos diversos daqueles em que se lastreou a R. sentença recorrida, tornando-se claro que, uma vez cancelada a prenotação e caso reapresentado o título acompanhado dos documentos de fls. 18 e 19 destes autos, ele se encontrará em condições de ser registrado, se óbice superveniente a esta suscitação não houver surgido (cf. fls. 52/53).

Nega-se, em suma, provimento ao apelo, conquanto por fundamento diverso daquele que embasou a r. decisão recorrida, mantendo-se a procedência da dúvida.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores ANICETO LOPES ALIENDE, Presidente do Tribunal de Justiça e ODYR JOSÉ PINTO PORTO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 27 de maio de 1.991.

(a) ONEI RAPHAEL, Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Fonte: Kollemata. 
http://www.quinto.com.br/pdf/kollemata11653.pdf

Postado por Sancho Neto.

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