Ementa
REGISTRO
DE IMÓVEIS – escritura de compra e venda – hipoteca cedular registrada –
ausência de anuência do credor hipotecário – penhora em favor da Fazenda
Nacional – indisponibilidade que obsta as alienações voluntárias – Recurso não
provido.
Íntegra
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e
discutidos estes autos de Apelação nº 0054473-65.2012.8.26.0114, da
Comarca de Campinas, em que são apelantes LUIZ CARLOS AFFONSO e MARIA
HELENA AFFONSO, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA
DE CAMPINAS.
ACORDAM, em
Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir
a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.", de
conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a
participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA
FRANCESCHINI, ELLIOT AKEL, SILVEIRA PAULILO, SAMUEL JÚNIOR E TRISTÃO RIBEIRO.
São Paulo, 10 de dezembro de 2013.
RENATO NALINI, RELATOR
Apelação Cível nº 0054473-65.2012.8.26.0114
Apelante: Luiz Carlos Affonso e Maria Helena
Affonso
Apelado: 1º Registro de Imóveis de Campinas
VOTO Nº 21.383
REGISTRO DE IMÓVEIS –
escritura de compra e venda – hipoteca cedular registrada – ausência de
anuência do credor hipotecário – penhora em favor da Fazenda Nacional –
indisponibilidade que obsta as alienações voluntárias – Recurso não provido.
Inconformados com a r.
sentença[1] que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 1º Oficial de
Registro de Imóveis de Campinas e manteve a recusa do registro da escritura
pública lavrada pelo 7º Tabelião de Notas de Campinas[2] pela qual adquirem de
Luis das Dores Santos e Edson Articano Rosolen a propriedade do imóvel descrito
na matrícula nº 40.578, de referida Serventia de Imóveis, apelam Luiz
Carlos Affonso e Maria Helena Affonso.
Aduzem, em síntese,
que a penhora inscrita em favor da Fazenda Nacional e a hipoteca cedular
existentes na matrícula não constituem óbice ao registro do título recusado,
notadamente em virtude da preferência do crédito trabalhista[3].
A Procuradoria Geral
de Justiça opinou pelo não provimento do recurso[4]. É o relatório.
De início, é preciso
frisar que a preferência do crédito trabalhista não está em discussão nem tem
incidência no caso em exame porque exaurida nos autos da execução por meio da
qual o imóvel foi adjudicado aos recorrentes, então reclamantes.
Agora, já na condição
de titulares de domínio, lavraram escritura pública a terceiros, cujo registro
foi recusado. Nenhum liame existe com a execução trabalhista finda e, portanto,
com a preferência do crédito trabalhista.
O que se discute é simples recusa de um
título apresentado para registro por particulares.
Antes de ser adjudicado aos reclamantes na
ação trabalhista, o imóvel descrito na matrícula nº 40.578, do
1º Registro de Imóveis de Campinas, já se
encontrava gravado com hipoteca cedular (R.03, Av. 04 e Av.
05 - fls. 12/15).
De acordo com o art.
51, do Decreto-Lei nº 413/69, aplicável ás cédulas de crédito comercial por
força do art. 5º, da Lei nº 6.840/80[5]:
A venda dos bens
vinculados à cédula de crédito industrial depende de prévia anuência do credor,
por escrito.
Considerando-se que a
adjudicação havida na execução trabalhista, por si só, não extinguiu a hipoteca
cedular, não há como dispensar a prévia anuência do credor, sob pena de se
violar o princípio da legalidade.
É
elucidativo, a propósito, trecho do voto do eminente Des. Gilberto Passos de
Freitas, então Corregedor Geral da Justiça, lançado nos autos da Apelação Cível
nº 544-6/4, em que cita farta jurisprudência sobre a necessidade da anuência do
credor da cédula hipotecária:
Ocorre que, a seguir,
o arrematante celebrou, mediante instrumento particular, promessa de compra e
venda (fls. 09/13) e os compromissários compradores insistem no registro deste
título. Não lhes assiste razão, contudo, por estar inalienável o bem onerado,
ante a falta de expressa anuência do credor hipotecário. Assim dispõe o artigo
51 do Decreto-lei n° 413/69, “verbis”: “Art 51. A venda dos bens vinculados à
cédula de crédito industrial depende de prévia anuência do credor, por
escrito”. Isto já foi acentuado pelo E. Conselho Superior da Magistratura no
julgamento da Apelação Cível nº 3.708-0, da Comarca de Adamantina, tendo como
relator o Desembargador Marcos Nogueira Garcez: O legislador optou - bem ou mal
- por dotar os órgãos financiadores da economia rural e industrial não somente
de
uma garantia, mas de
uma garantia exclusiva, que impede nova oneração ou alienação do bem gravado a
terceiro (grifos não originais). O mesmo órgão, nos autos da Apelação Cível nº
000.160.6/1-00, assim se expressou: A manutenção de leis especiais que tratam
da hipoteca, na realidade, está prevista no artigo
1.486 do Código Civil
de 2002 que assim estabelece: “Podem o credor e o devedor, no ato constitutivo
da hipoteca, autorizar a emissão da correspondente cédula hipotecária, na forma
e para os fins previstos em lei especial”. A par disto, repito, o Código Civil
de 2002 não regulamentou inteiramente as hipotecas constituídas por meio de
cédulas de crédito rural, industrial, comercial e à exportação, e somente se
referiu às cédulas hipotecárias mediante remissão a leis especiais que regem
esta matéria. Permanecem vigentes, deste modo, as leis especiais (...) O artigo
59 do Decreto-lei nº 167/67 estabelece que os bens objeto de penhor ou de
hipoteca constituídos por cédula de crédito rural não podem ser vendidos sem
prévia anuência do credor, por escrito. E, por disposição contida no artigo
1.420 do Código Civil de 2002, as pessoas que não podem alienar também não
podem empenhar, hipotecar ou dar em anticrese, assim como não podem ser dados
em penhor, anticrese e hipoteca os bens que não podem ser alienados. Ao assim
dispor criou o legislador garantia exclusiva em favor dos órgãos financiadores
da economia rural, o que fez por meio de norma cogente, contida em lei especial
que não foi revogada pelo Código Civil de
2002. Esta espécie de
indisponibilidade relativa, também instituída por outras leis em favor dos
detentores de hipotecas vinculadas à cédula de crédito à exportação (artigo 3º
da Lei nº 6.313/75), cédula de crédito comercial (artigo 5º da Lei nº 6.840/80)
e cédula de crédito industrial (artigo 51 do Decreto-lei nº 413/69), não
conflita com as normas gerais estatuídas para a hipoteca no Código Civil de
2002, assim como não conflitava com as normas da mesma natureza contidas no
Código Civil de 1916. Certo é que, no presente caso, houve tão só a promessa de
venda e compra, mas esta, em sendo irrevogável e irretratável, uma vez
registrada e quitada, conferirá direito real de aquisição a possibilitar
posterior adjudicação
compulsória, com
fulcro nos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil, “verbis”: Artigo 1.417 -
Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento,
celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de
Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do
imóvel. Artigo 1.418 - O promitente comprador, titular de direito real, pode
exigir do
promitente vendedor,
ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura
definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e,
se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel. O mesmo se
depreende da leitura dos artigos 5º e 22 do Decreto-lei n° 58/37, bem como do
artigo 25 da Lei nº 6.766/79. Atente-se para o decidido pelo E. Conselho
Superior da Magistratura nos autos da Apelação Cível nº 71.416.0/3-00: REGISTRO
DE
COMPROMISSO DE COMPRA
E VENDA — Imóvel gravado com cédula de crédito comercial hipotecária.
Necessidade da anuência prévia e expressa do credor. Aplicação do decreto-lei
n° 413/69. Recurso a que se nega provimento. (...) O art. 51 do dec.-lei 413/69
regulamenta que “a venda dos bens vinculados à cédula de crédito industrial
depende de prévia anuência do credor, por escrito”. O ato de registro do
compromisso de compra e venda encontra previsão no art. 167, I, 9 da lei nº
6.015/73, por constituir ele
um direito real, que
se formaliza no fólio real para garantia do comprador. O instrumento particular
de compromisso de venda e compra (...), ao contrário do que afirma a apelante,
não é apenas uma cessão, ele transfere direitos sobre o imóvel, em consonância
com sua cláusula nona, onde textualmente a apelante e os vendedores pactuaram
que o compromisso é celebrado com “cláusula de irrevogabilidade e
irretratabilidade, não admitindo arrependimento unilateral”. O compromisso de
venda não é verdadeiramente um contrato preliminar. Não é por diversas razões
que completam a originalidade do seu escopo, principalmente a natureza do
direito que confere ao compromissário. Tem ele, realmente, o singular direito
de se tornar proprietário do bem que lhe foi prometido irretratavelmente à
venda, sem que seja inevitável nova declaração de vontade do compromitente
(“Direitos Reais”, Orlando Gomes,
Forense, 6ª ed., 1978,
pág. 329). Portanto, diante do registro da cédula de crédito comercial
hipotecária, o imóvel a ela ficou vinculado, permanecendo subordinado à prévia
anuência do credor no caso de sua alienação. No tocante às razões implícitas do
dec.-lei 413/69 argüidas pela apelante, o simples fato de estar ele em vigor as
afasta, considerando-se, ainda, que este E. Conselho Superior da Magistratura
já se pronunciou que a vedação à alienação de imóvel gravado com seu fundamento
não ofende ao direito das coisas e aos princípios constitucionais (Ap. Cív. nº
781-0). Este E. Conselho Superior também já decidiu anteriormente que o bem
gravado com cédula hipotecária depende, necessariamente, da expressa e prévia
concordância do credor para sua alienação (Ap. Cív. nºs. 031281-0/3,
028794-0/7, 1213-0,
012689-0/6). Em igual
diapasão, o v. acórdão prolatado nos autos da Apelação Cível nº 70.721.0/8-00,
que teve como apelante Maria Lucia D’Angelo e como apelado o Primeiro Oficial
do Registro de Imóveis de Sorocaba. O mesmo Egrégio Conselho Superior da
Magistratura, quando do julgamento da Apelação nº 40.014.0/7, da Comarca de
Atibaia, firmou o entendimento que não há como negar ser o compromisso de
compra e venda uma das formas de oneração previstas em lei, dada a formação de
um direito real de aquisição. Finalmente, não merece guarida a alegação dos
recorrentes que a hipoteca teria sido extinta, em razão da arrematação do bem
gravado nos autos da execução fiscal. Dispõe o artigo 1.501 do Código Civil em
vigor: Art. 1.501. Não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a
arrematação ou adjudicação, sem que tenham sido notificados judicialmente os
respectivos credores hipotecários, que
não forem de qualquer
modo partes na execução. Certo é que se aplicam subsidiariamente à hipoteca
cedular, “ex vi” do art. 26 do Decreto-lei n° 413, de 09 de janeiro de 1969, os
princípios da legislação ordinária sobre hipoteca, relevando salientar que sua
extinção, qualquer que seja sua causa, só produz, em relação a terceiros,
efeitos depois de averbada na tábua registral, conforme os artigos 1.500 do
Código Civil e 252 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, a seguir
transcritos: Art. 1.500. Extingue- se ainda a hipoteca com a averbação, no
Registro de Imóveis, do cancelamento do registro, à vista da respectiva prova. Artigo 252. O registro, enquanto não
cancelado, produz todos os seus
efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito,
anulado, extinto ou rescindido. Neste
sentido, o julgado do
E. Conselho Superior da Magistratura prolatado na Apelação Cível nº
60.281.0/0-00, da Comarca de Presidente Prudente: Registro de Imóveis -
Pretensão de cancelamento do registro de hipoteca cedular em decorrência dos
subsequentes registros de penhora e arrematação determinadas em reclamação
trabalhista - Inadmissibilidade, em face da indisponibilidade relativa
incidente sobre bem vinculado por hipoteca de cédula de crédito comercial (Lei nº
6.840/80) - Recurso provido. Há, portanto, pertinência na recusa formulada pelo
registrador.
Nesse sentido, ainda, o r. parecer da
ilustrada Procuradoria Geral de Justiça.
Além da falta da
anuência do credor da hipoteca cedular, outro fator obsta o registro
pretendido, qual seja, a permanência da penhora em favor da Fazenda Nacional
(R.08), que não foi cancelada pela adjudicação[6].
Isto porque o título
ora em exame cuida de alienação voluntária da propriedade, hipótese não
contemplada pela atual jurisprudência deste Conselho Superior, que admite o
registro da transferência da propriedade apenas no caso de alienação
forçada[7].
Isto posto, nego provimento ao recurso.
José Renato Nalini, Corregedor Geral da Justiça e Relator
[1] Fls. 60/61 [2]
Fls. 10/11
[3] Fls. 64/70
[4] Fls. 78/81
[5]
Art. 5º Aplicam-se à Cédula de Crédito Comercial e à Nota de Crédito
Comercial as normas
do Decreto-lei nº 413,
de 9 de janeiro 1969,inclusive quanto aos modelos anexos àquele diploma,
respeitadas, em cada caso, a respectiva denominação e as disposições desta Lei.
[6] Processo CG
114.169/2010, parecer do MM. Juiz Auxiliar Jomar Juarez Amorim aprovado pelo
Des. Antonio Carlos Munhoz Soares
[7] APELAÇÃO CÍVEL: 0013197-92.2012.8.26.055,
rel. José Renato Nalini, j. 18/04/2013 DATA DJ: 24/05/2013
Fonte:
0054473-65.2012.8.26.0114
Tipo Acórdão CSM/SP
Data de Julgamento: 10/12/2013
Data de Aprovação Data
não disponível Data de Publicação: Data não disponível Cidade: Campinas
(1º SRI)
Estado: São Paulo
Relator: José Renato Nalini
(Disponibilizado pelo TJSP em
18.12.2013)
Postado por Sancho Neto. Of.s.