APELAÇÃO CÍVEL
DATA: 16/7/1991 FONTE: 012192-0/8 LOCALIDADE: NOVA
GRANADA
Relator: Onei Raphael
Legislação:
PENHORA REGISTRADA - NÃO IMPEDE ALIENAÇÃO
O registro de penhora não impede a alienação
do imóvel penhorado.
Íntegra:
APELAÇÃO CÍVEL N.º
12.192-0/8 – NOVA GRANADA Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
I. Tratam os
autos de Apelação interposta por BRAZ FRANCISCO
TEIXEIRA (fls. 26/28) contra a
R. sentença do M.M.
Juiz de Direito Corregedor Permanente do
Cartório de Registro de Imóveis da
Comarca de Nova
Granada, que julgando procedente
Dúvida suscitada pelo Serventuário, indeferiu o registro de compromisso de
compra e venda, por instrumento particular, apresentado pelo ora apelante (fls.
23/24).
O isolado fundamento de recusa, acolhido pelo D. magistrado
sentenciante, foi o de que, recaindo
diversos registros de penhora sobre o imóvel objeto da promessa de venda e
compra, deveria o suscitado, previamente, providenciar o respectivo cancelamento, para resguardo do interesse de terceiros.
As razões de recurso,
salientando preliminarmente que outras exigências feitas pelo Oficial foram superadas pela apresentação de documentos hábeis nestes próprios autos, atêm-se ao argumento de que, consoante
pacificada jurisprudência, a existência de inscrição de penhora não
obsta a alienação ou a promessa de venda do imóvel penhorado.
A promotoria de
Justiça local e a D. Procuradoria Geral
da Justiça pronunciaram-se pelo provimento do apelo, deferindo-se o registro do título (fls. 38v. e 41/42).
É, em síntese, o relatório. II. Opino.
O
título sob exame é instrumento particular de compromisso de compra e
venda (fls. 04) pelo qual Braz Silvério Gonçalves e sua esposa prometem vender
ao ora apelante o imóvel hoje matriculado no Ofício Predial sob o n.º 4.089, no
instrumento como originário da
transcrição n.º 17.213.
O Oficial,
na suscitação, elencara quatro
motivos de desqualificação, a saber:
a) o compromisso não
menciona o nome da esposa do promitente comprador,
nem o regime de bens e a data do casamento;
b) os promitentes vendedores são representados por procurador, constituído mediante instrumento público lavrado em
22.02.88, ao passo que a promessa de
venda é datada de 05.05.88;
c) o título menciona como registro anterior a
transcrição n.º 17.213, quando o
imóvel já se encontra matriculado sob
o n.º 4.089, no mesmo Ofício;
d) consta da matrícula do imóvel o registro de seis penhoras;
e) no Anexo de Registro de Títulos e Documentos da Serventia encontra-se registrado, e,
14.06.1988, um contrato de promessa de venda e compra incidente sobre o mesmo imóvel, pelo
qual ele é prometido à venda a
terceiro.
Com a impugnação, o suscitado trouxe certidão atual do
instrumento público de mandato (fls.
18) e cópia autenticada da certidão
do assento de seu casamento (fls. 19), daí porque o M.M. Juiz considerou
atendidas e superadas essas
exigências. Entendeu ainda improcedente aquela relativa à indicação do exato número do registro
antecedente, dúvida não havendo
quanto a tratar-se do mesmo imóvel
antes objeto da transcrição referida no título. Não apreciou o apontado óbice concernente à existência de outro
instrumento de promessa de compra e
venda com respeito ao imóvel, e obstou o registro exclusivamente em razão da pré-existência de registros de penhora sobre o lote
prometido a venda.
Assiste razão ao recorrente naquilo em que
sustenta não subsistir o fundamento de recusa albergado na R. sentença. O registro de penhora não impede sejam
registradas alienações do imóvel penhorado, por
isso que “a penhora não traz a indisponibilidade dos bens apreendidos, mas
torna ineficaz, perante o processo,
qualquer ato de disposição praticado pelo devedor que desrespeite a constrição. E essa ineficácia decorre
da própria penhora, que é ato público e solene, e não de seu registro
imobiliário” (ementa ao V. Acórdão proferido na Ap. Cível n.º 162.029, 2º
TA Civil de São Paulo, j. 21.03.84, Rel. o Juiz Mello Junqueira, in “Revista
de Direito Imobiliário do IRIB”, vol. 14, pág. 93). Não é, a penhora
inscrita, “óbice à transcrição de
título aquisitivo do imóvel quando o próprio devedor
executado o aliena a terceiros (cf. os acs. insertos na RT 440/136,
451/128 e 501/109 – e
é essa a orientação do STF – v. RE10.045, Rel. Min. Orozimbo Nonato, DJU 30.10.51).” (6ª Câmara Civil do TJSP, Ap. Cível
n.º 13.174-1, j. 6.8.1981, Rel. o Des. Francisco Negrisollo, in R.D.I., vol. 10, pág. 75).
No mesmo sentido, ainda, a lição de Afrânio de Carvalho, colacionada pelo apelante (fls. 37), e a merecer transcrição:
“Dada a eficácia
relativa da inscrição preventiva, o
executado continua titular do domínio
e, nessa qualidade, pode alienar o
imóvel penhorado. Embora o adquirente fique sujeito a ver decretada a ineficácia da alienação, não incumbe ao registrador antecipá-la, pelo que há de praticar o ato registral” (“Registro de Imóveis”, Forense,
3ª ed., 1982, pág. 288).
O Dr. Procurador de
Justiça reproduz, ainda, claro excerto de Walter Ceneviva acerca do ponto, em comento ao art. 230 da L.R.P.:
“O Oficial do registro não pode apreciar questões cujo
deslinde pertença, com exclusividade, aos órgãos jurisdicionais, quando examina título submetido a registro. Nada obsta, por exemplo, a que em terceiro adquira imóvel sobre o qual
exista penhora registrada, porque a
conseqüência e
sujeitar-se esse
adquirente aos efeitos que advenham do resultado da ação, sem que
possa alegar boa fé ou falta de
conhecimento”. (“Lei dos Registros
Públicos Comentada”. Saraiva, 6ª ed.,
pág.
507).
Em suma, se o
registro da penhora comprova a fraude de qualquer transação posterior (artigo
240 da Lei n.º 6.015/73), a própria
configuração dessa fraude é fato estranho à cognição do registrador, até
porque a inscrição da penhora pode subsistir sem que não mais subsista a
constrição (art. 252 do mesmo diploma); o aludido artigo 240, aliás, parece mal
colocado no bojo da lei formal específica dos
registros públicos: com maior propriedade deveria estar inserido na legislação
civil ou processual civil.
A exigência de
atualização da certidão do
instrumento de mandato pelo qual os
promitentes vendedores se fizeram representar no contrato não tinha razão de ser. O traslado
apresentado por cópia era de
28.06.1990, praticamente contemporâneo à apresentação do
título. Por outro lado, tendo sido o
mandato outorgado cerca de três meses antes da celebração do contrato, é certo que podia ser considerado recente, não havendo por que deixar de se presumir
sua validade. Todavia, a cópia de procuração de fls. 05 foi autenticada na Comarca de São José do Rio Preto, conquanto outorgado o mandato em Cartório
de Notas da Comarca de Nova Granada. Por
analogia do que dispõe o item 9, Capítulo XIV, das Normas de Serviço da Corregedoria
Geral da Justiça,
dever-se-ia quando
menos, exigir autenticação na própria
comarca onde se prestava o documento a surtir efeitos.
Era ainda necessário,
como observou o Oficial, qualificar de maneira completa o
promitente-comprador, com a indicação
do nome de seu cônjuge, do regime de bens no casamento e da circunstância de
ter sido este realizado antes ou depois da Lei federal n.º
6.515/77, (item 52, Capítulo XX, das Normas de Serviço).
Os documentos
trazidos com a impugnação (fls. 18 e 19) seriam, em tese, bastantes
a atender tais exigências, o
que adianta se apreciará.
A existência de
instrumento particular de promessa de
venda do mesmo imóvel a terceiro, registrada no Anexo de Títulos e Documentos da Serventia, também não era impeditiva do registro ora perseguido. O controle do encadeamento de titularidades que caracteriza o princípio da continuidade é de feição exclusivamente formal,
aferível “ex tabula” e
assentando-se em um conceito “de
relação entre o registro e o fato inscritível”. O título
contraditório não levado a
registro, ainda que publicizado para efeito tão
só conservativo no Anexo de Registro de Títulos e Documentos da mesma Serventia, não deixa de traduzir realidade extra-registrária, tão insusceptível de conhecimento por
parte do registrador como o seria título contraditório de que por outra maneira tivesse ele
ciência, ou título anteriormente apresentado à inscrição predial e então recusado. Como assinala o Il.
Magistrado Dr. Ricardo Henry Marques Dip, “não estende a continuidade aos fatos
apenas susceptíveis de
registro e que permaneceram à margem da inscrição, ao menos sempre que esta
seja obrigatória, mas se toma o trato contínuo
relacionando o fato inscritível com os registros precedentes. (...) O
fundamento dessa restrição do trato sucessivo
à disponibilidade tabular de direitos encontra-se na
obrigatoriedade da inscrição (artigo
169, Lei n.º
6.015, de 31.12.73). Fora dela, seria possível alargar-lhe a extensão, para abranger todos os fatos que, não
importa como, chegassem ao conhecimento do
registrador, tanto os que fossem de reclamar inscrição,
quanto os que discutivelmente pudessem
entravá-la” (parecer oferecido a Ap. Cível n.º 5.831-0, CSM/SP, j. 29.8.86, Rel. o Des. Sylvio do Amaral).
Ocorre na hipótese
sob exame que, muito embora na aparência não remanesça óbice ao acesso do
título, a dúvida não merece decreto
de improcedência. É que o interessado
só veio a atender aquelas, dentre as exigências formuladas, que se mostravam devidas, no curso deste
procedimento: só ao impugnar a
suscitação juntou a certidão de seu casamento e certidão original da procuração
mencionada no instrumento. E não é de
se entender que tal comportamento induza
à determinação positiva de registro
do título questionado.
Isto porque, em
primeiro lugar, o procedimento de
dúvida apenas admite, em princípio, solução de dúplice natureza: ou é julgada procedente, e se indefere o ingresso do título prenotado, ou é julgada improcedente, com
a correlata determinação do registro
do mesmo título (art. 203, incisos I
e II, L.R.P). A controvérsia a respeito da qual assim se desdobra a atividade judicial há de estar, portanto, previamente delimitada por ocasião
da prenotacao do título. E a razão
primordial para
que assim seja e a de
que, a se admitir que o suscitado possa validamente cumprir as exigências do registrador durante a tramitação do procedimento de dúvida, estar-se-ia a desfigurar um dos princípios regentes
do sistema, a saber, o princípio da
prioridade. Por essa regra, defluente dos artigos 186 e 188 da Lei n.º 6.015/73, buscou o legislador solucionar às questões
concernentes à concorrência de títulos reciprocamente contraditórios, isto é, aqueles que instrumentem constituição de direitos reais entre si incompatíveis (se A transmite a B determinado imóvel,
não pode posteriormente transmiti-lo a C); a via escolhida para obviar esses
conflitos foi a da anterioridade da apresentação do título: tem
preferência a registro, caso se
mostre registrável, o título que em primeiro lugar for prenotado, isto é, lançado no Livro Protocolo (Livro n.º 01). O prazo durante o qual se
assegura ao título prenotado essa
prioridade a ingresso, em relação a outro eventualmente contraditório, é
normalmente de trinta dias: todavia, em havendo instauração de
procedimento de dúvida, a eficácia da prenotação (quer
dizer, a garantia de prioridade conferida ao título submetido à apreciação judicial) se prorroga até decisão final
da controvérsia, ou como querem
muitos, durante lapso razoável após
ela, caso a dúvida tenha sido julgada improcedente, em que permita ao suscitado
a representação prevista no inc. II
do art. 203. Desse modo,
permitir-se a
satisfação de exigências devidas no
curso do procedimento de dúvida
implicaria em se consagrar cômodo artifício para
“dilatar o tempo de saneamento de
títulos com garantia de prenotação”
(Benedito Silvério Ribeiro e Ricardo
Henry Marques Dip, “Algumas Linhas Sobre a Dúvida no Registro de Imóveis”, pág. 33). Tudo isto com potencial prejuízo
aos interessados no registro de
eventual título contraditório já apresentado e com prazo de prenotação em curso, e cujo ingresso dependa,
exclusivamente, da solução da dúvida,
e, mais, com o desvirtuamento da
mencionada garantia legal da prioridade.
Por tais razões é
que, no entender do signatário, a
dúvida comporta decreto de procedência, conquanto por motivos diversos daqueles
em que se lastreou a R. sentença recorrida, tornando-se claro que, uma vez
cancelada a prenotacao, e caso
reapresentado o título acompanhado dos
documentos de fls. 18
e 19 destes autos, ele se encontrará
em condições de ser registrado, se
óbice superveniente a esta suscitação
não houver surgido.
III. Diante do exposto, o parecer é no sentido do desprovimento do presente apelo, embora por fundamento diverso daquele que embasou a R. decisão recorrida, mantendo-se a procedência da dúvida.
À superior
consideração de Vossa Excelência. São Paulo,
26 de fevereiro de 1.991.
(a) AROLDO
MENDES VIOTTI, Juiz Auxiliar da Corregedoria
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
APELAÇÃO CÍVEL N.º 12.192-0/8, da
Comarca de NOVA GRANADA, em que é apelante BRAZ FRANCISCO
TEIXEIRA e apelado o OFICIAL
INTERINO DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA.
A C O R D A M os
Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso.
Apresentado, para registro, Compromisso Particular de
Compra e Venda, de interesse de Braz
Francisco Teixeira, como
compromitente comprador, o Sr.
Oficial do Cartório de Registro de
Imóveis de Nova Granada suscitou dúvida elencando motivos que constam da nota
de devolução. Depois de processada, sobreveio a decisão de primeiro grau fazendo
certo que as exigências foram parcialmente atendidas, com exceção das penhoras, devendo o
suscitante providenciar o seu
cancelamento para a regularização do
registro. Inconformado, o interessado apresentou recurso de apelação,
juntando novos documentos e contou com o prestígio do Órgão do Ministério Público de ambas as
instâncias que opinaram pelo provimento do recurso. O Dr. Juiz de Direito
Auxiliar da Corregedoria, no parecer
de fls. 44/53, manifestou-se pelo desprovimento do apelo, embora por fundamento
diverso daquele que embasou a r. decisão recorrida, mantendo-se a
procedência da dúvida.
É o relatório.
Acolhe-se integralmente o aludido parecer que muito bem apreciou a
espécie.
Não procede o
fundamento de recusa acolhido na R.
sentença. O registro de penhora não
impede a alienação do imóvel penhorado. Nesse
sentido a jurisprudência e a doutrina colacionada no parecer.
Entretanto, como se observou, a dúvida merece decreto
de improcedência, apesar da aparente
audiência do óbice atual ao acesso do título.
É que o interessado só veio a atender aquelas, dentre as exigências
formuladas, que se mostravam devidas,
no curso deste procedimento; só ao
impugnar a suscitação juntou a certidão de seu casamento e certidão original da
procuração mencionada no instrumento. Tal
comportamento não há de induzir à
determinação positiva de registro do
título, sob pena de desfiguramento de um dos princípios regentes do sistema, a saber,
o de prioridade. Com efeito, a se admitir pudesse o interessado atender da maneira eficaz as exigências do registrador no curso
do procedimento de dúvida,
estar-se-ia criando meio indireto para “dilatar o prazo de saneamento de
títulos” com a manutenção da garantia da prioridade, que subsiste e se prorroga até decisão
final da dúvida.
Daí comportar a
dúvida decreto de procedência; embora
por motivos diversos daqueles em que se lastreou a R. sentença recorrida,
tornando-se claro que, uma vez cancelada a prenotação e caso reapresentado o título
acompanhado dos documentos de fls. 18 e 19 destes autos, ele se encontrará em condições de ser
registrado, se óbice superveniente a esta suscitação não houver surgido (cf.
fls. 52/53).
Nega-se, em suma,
provimento ao apelo, conquanto por fundamento
diverso daquele que embasou a r. decisão recorrida, mantendo-se a procedência da dúvida.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores ANICETO LOPES ALIENDE, Presidente do Tribunal
de Justiça e ODYR JOSÉ PINTO PORTO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo,
27 de maio de 1.991.
(a) ONEI RAPHAEL, Corregedor Geral da Justiça e Relator.
Fonte: Kollemata.
http://www.quinto.com.br/pdf/kollemata11653.pdf
Postado por Sancho Neto.
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