sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Doação de Imóveis de Pais a Filhos Menores

DOAÇÃO DE IMÓVEIS DE PAIS A FILHOS MENORES

ELVINO SILVA FILHO

(Oficial do Registro de Imóveis da 1.ª Circunscrição de Campinas)

No exame da doação de bens imóveis de pais a filhos menores, a primeira questão que a flora é a de se saber se essa doação necessita ser aceita.

questão não é nova, e já tem sido versada por inúmeros civilistas do mais alto coturno, tanto nacionais como estrangeiros. Mas, pelo interesse prático que desperta, e, pela freqüência com que é versada nos tabelionatos, e algumas vezes nos tribunais, vamos novamente abordá-la.

Se examinarmos a definição legal da doação, veremos ,que a aceitação é um dos requisitos essenciais para que ela se aperfeiçoe e se conclua. Com efeito, diz o legislador no art. 1.165 do 'Código Civil: "Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio, bens ou vantagens para o de outra, que os aceita."

Seguiu o nosso legislador a orientação das legislações que entenderam a doação como um contrato (C. Civil alemão art. 516; C. Civil português - art. 1.452; C. Civil espanhol art. 618; atual C. Civil italiano - art. 769, etc.), e não a daqueles que a consideram como um ato (C. Civil francês art. 894 e antigo C. Civil italiano - art. 1.050). Sendo um contrato, é indispensável, portanto, o "acordo de vontades" a oferta daquele que doa e a aceitação daquele que recebe a doação (invito beneficium non datur). E, sendo necessária a aceitação para que a doação se complete, indaga-se: como se efetua a aceitação nas doações de imóveis de pais a filhos menores ?

O legislador não exige que a aceitação seja momentânea, na própria escritura, em que os

doadores se despojam de bens de seu patrimônio para enriquecerem o patrimônio de seus filhos. Permite que ela seja feita posteriormente. Mas, a doação só existirá, só se aperfeiçoará com a aceitação do donatário. Antes da aceitação, o que existe é apenas uma proposta, revogável a qualquer tempo, perdendo eficácia com a morte do doador ou do donatário.

Mas, ao doarem bens imóveis aos seus filhos, o que os pais querem e porfiam é que a doação se aperfeiçoe no ato da oferta, na própria escritura. Pergunta-se, então: Os filhos menores poderão aceitar essa doação?

Acesa, e das mais vivas, tem sido a divergência a respeito, tanto doutrinária como

Jurisprudencial.

Entende uma primeira corrente, que os menores impúberes (menores de 16 anos), sendo

absolutamente incapazes não podem manifestar aceitação válida na escritura. Somente os maiores de 16 e menores de 21 anos, relativamente incapazes, poderão nela comparecer e aceitar as doações que lhes fazem os pais. E tiram esse entendimento os autores filiados a esta

corrente, diante do que dispõe o artigo 1.170 do Código Civil. "Às pessoas que não puderem contratar é facultado, não obstante, aceitar doações puras".

CARVALHO SANTOS ao comentar esse artigo alerta o intérprete: "Precisa-se entender

inteligentemente o texto legal. Quando o Código permite que as pessoas que não podem

contratar possam, todavia, aceitar doações puras, sem intervenção dos representantes legais respectivos, compreende-se facilmente a razão disso, que consiste precisamente em ser a doação pura um ato que somente vantagens pode trazer ao beneficiado por ela. Mas, apesar disso, não é possível admitir-se a regra com uma amplitude exagerada, por isso não se compreenderia como fosse a lei tolerar, por exemplo, que um louco ou uma criança de cinco anos pudesse assinar uma escritura, aceitando a doação". (Código Civil Interpretado - 4.a

Edição vol. XVI - Coment. ao art. 1.170, pág. 362).

JOÃO LUIZ ALVES segue a mesma opinião: "Para que o incapaz possa aceitar, diz ele, é preciso que possa manifestar o seu assentimento. Por isso, parece-nos que o texto se refere somente aos relativamente incapazes".

O E. Tribunal de Justiça do nosso Estado seguiu quase que sem discrepância essa orientação.

Nas doações puras de bens imóveis de pais a filhos menores, para que possam se aperfeiçoar e concluir na própria escritura, mister se faz que, aos absolutamente incapazes, seja dado um curador especial para aceitar, por eles, a liberalidade que os seus progenitores lhes fazem, eis que os pais não podem figurar na doação na dupla qualidade de doadores e representantes dos donatários. A nomeação desse curador especial, argumentam, é de rigor, sempre que no exercício do pátrio poder colidirem os interesses dos pais com os dos filhos (art. 387 do Cód. Civil). Sem esse curador especial, nem o Tabelião poderá aceitar a doação pelos menores, como antigamente se fazia, porque o preceito permissivo da aceitação do Tabelião pelos menores, existente nas Ordenações Filipinas (Livro IV - Tít. 63, princ.), não foi reproduzido pelo Código Civil.

Nesse sentido são as decisões uniformes do E. Conselho Superior da Magistratura do Estado proferidas: no Ag. de Petição n. 37.936 da comarca de Bragança Paulista, publicada no D. da Just. de 16-Julho-1948; no acórdão inserto na Rev. dos Trib. Vol. 186/338; no Ag. de Petição n. 61.641 da comarca de Ituverava publicada no D. Just. de 27 de Fevereiro de 1,953 - pág. 3. Seguem também a mesma orientação as decisões das diversas Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça de S. Paulo contidas nos acórdãos publicados na Rev. dos Trib. vol. 180/288 - vol.

195/227 - vol. 232/98 - vol. 254/332.

Levou o nosso E. Tribunal a situações extremas essa sua orientação. Concluiu pela anulação de uma doação feita a um menor que falecera sem aceitá-la, quer por intermédio de um curador especial, quer pessoalmente, uma vez que a morte o colheu antes de ter atingido a idade pela qual, sozinho, pudesse ter manifestado o seu assentimento à liberalidade. Determinou, em conseqüência, a 2.ª Câmara Cível, o cancelamento da transcrição do imóvel efetuada em nome do menor. (Rev. dos Trib. vol. 187/805).

E, firmando cada vez mais esse ponto de vista, de molde a espancar quaisquer dúvidas a

respeito as Câmaras Civis Reunidas desse E. Tribunal, em recurso de revista, por maioria de votos, decidiram: "A aceitação, mesmo nas doações puras não se presume; os que não puderem contratar hão de aceitar o contrato, representados pelo seu tutor com autorização do juiz." (Rev. dos Trib. vol. 208/360).

Entendemos, porém, com a devida vênia, que o E. Tribunal de Justiça não acertou, e,

enveredou pelo pior caminho. A interpretação dada pela Alta Corte da Justiça Paulista ao artigo 1.170 do Código Civil, esposando o pensamento de CARVALHO SANTOS e JOÃO Luiz ALVES, é cerebrina. Não há como se distinguir, nesse dispositivo, os absolutamente incapazes dos relativamente incapazes. O preceito é claro: - "Às pessoas que não puderem contratar" - e aqui não se faz distinção alguma - "é facultado, não obstante, aceitar doações puras".

- Ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet.

E, se se fizer essa distinção, para se dar um curador especial aos absolutamente incapazes a fim de aceitar as doações puras a eles feitas, o art. 1.170 redundará em uma desnecessidade. Será um dispositivo completamente inútil e supérfluo. Com efeito, de acordo com a regra do artigo 84 do Código 'Civil os incapazes podem participar de todos os atos jurídicos. Se forem absolutamente incapazes serão representados pelos pais, tutores ou curadores, e, se forem relativamente incapazes, participarão pessoalmente dos atos jurídicos, mas serão assistidos por aquelas pessoas. Ora, impor-se a interpretação do art. 1.170 do C. Civil, de acordo com o pensamento daqueles civilistas e da corrente vencedora do E. Tribunal de Justiça, será considerar-se esse dispositivo completamente supérfluo e inútil, porque a situação já estava perfeitamente prevista no artigo 84 do Código Civil. E, não é lícito a qualquer intérprete, dentro de um corpo de leis, e de acordo com os melhores princípios da hermenêutica, considerar um dispositivo legal sem finalidade, com caráter apenas de superfetação. Se o preceito legal existe, é para ter uma finalidade.

Mas, é o caso de se indagar, agora, como aceitarão as doações puras os menores de 16 anos, absolutamente incapazes? Comparecendo ao ato, à escritura, para manifestarem o seu assentimento à liberalidade? Evidentemente, não. Os menores de 16 anos não possuem discernimento suficiente para declararem sozinhos a sua vontade em qualquer ato jurídico, mesmo nas doações puras.

É noção rudimentar que, nos contratos, a aceitação não precisa ser sempre expressa. Há a aceitação tácita ou a presumida, (art. 1.079 do Cód. Civil). E, dentro do próprio capítulo da doação, o legislador nos dá um exemplo de aceitação tácita, ao declarar, no art. 166, que o doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita, ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça dentro nele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.

Ora, o legislador no artigo 1.170 do C Civil facultando às pessoas que não puderem contratar aceitar doações puras, não quis, à toda evidência, que uma criança de 2 ou 5 anos comparecesse em uma escritura pública e declarasse aceitar a doação. Nem, por outro lado, impôs que, nessas doações, fosse dado ao menor um curador especial, pois a exigência do art. 387 não é de se aplicar às doações puras onde não há qualquer colisão de interesses entre pais e filhos. Determinou, tão só, que os absolutamente incapazes (remissão ao art. 5.º existente no art. 1.170) pudessem aceitar as doações puras, sem impor qualquer formalidade para essa aceitação. É que, essa aceitação, para os menores de 16 anos, é naturalmente tácita.

E, esse é, exatamente, o pensamento e a interpretação cristalina que nos dá o extraordinário jurista CLÓVIS BEVILÁQUA, nestas palavras: "A doação pura é ato essencialmente benéfico, somente proveito leva ao donatário: entende-se aceita, sem a intervenção do representante legal do donatário... E este é o pensamento do nosso art. 1.170. A lei, facultando a aceitação aos incapazes, relativamente a doações puras, quer dizer que essas liberalidades produzem efeito, consideram-se aceitas, desde que o doador as realiza. É o poder social que se manifesta na lei suprindo a incapacidade do donatário, tornando a doação perfeita, não obstante a incapacidade do donatário, e afastando, neste caso, a interferência do representante legal, que somente aparecerá depois, como administrador do patrimônio do incapaz (Código Civil

Comentado - vol. IV - Obsrs. 2.ª ao art. 1.170).

A fonte do art. 1.170 do Código Civil Brasileiro foi inegavelmente o art. 1.478 do Código Civil Português, assim redigido: "As pessoas, que não podem contratar, não podem aceitar, sem autorização das pessoas a quem pertencem concedê-las, doações condicionais ou onerosas.

“Porém, as doações puras e simples, feita a tais pessoas, produzem efeito, independentemente de aceitação, em tudo o que aproveitar aos donatários”. E, esclarece o notável civilista lusitano, CUNHA GONÇALVES: "A doação pura a favor de incapazes nem por isso é ato unilateral como o testamento e não cessa de ser contrato; somente a aceitação dela pelo incapaz ou pelo seu representante legal é subentendida ou presumida pela lei portuguesa, como a presume a lei brasileira, art. 1.166, no caso neste declarado". (Princípios de Direito Civil, - Vol. 2.º, págs. 945/946).

O Supremo Tribunal Federal, em embargos ao recurso extraordinário n. 3.983, de São Paulo, chamado a manifestar-se sobre a questão, declarou, peremptoriamente: "Na faculdade dos incapazes aceitar doações puras, não se distingue entre os absolutamente incapazes dos relativamente incapazes". (Rev. dos Trib. Vol. 191/399).

E, felizmente, o próprio Tribunal de Justiça de São Paulo está mudando de orientação,

começando a se bitolar pelo caminho certo. Na apelação Cível n. 85.248 de Bragança Paulista, a 3.ª Câmara Cível, por votação unânime, assim se manifestou: "Exigir-se aceitação expressa de quem não pode contratar para a validade de ato do qual só benefícios lhe advém, como da doação pura e simples, é, em realidade, faltar à proteção que o estatuto civil tem levantado sobre os privados da razão ou que ainda não se podem dirigir". (Rev. Trib. vol. 277/ pág. 309).

EM CONCLUSÃO, podemos convictamente afirmar: a) - as doações puras e simples de imóveis podem ser efetuadas pelos pais aos seus filhos menores de 16 anos, sem qualquer interferência de curador especial para aceitá-las, pois a aceitação desses menores é naturalmente tácita. O art. 1.170 do Código Civil é de caráter excepcional, pelos próprios termos em que está redigido, e em confronto com o art. 84 do mesmo estatuto legal. Essas doações considerar-se-ão perfeitas e acabadas no momento da celebração da escritura. Os maiores de 16 anos comparecerão pessoalmente no ato para aceitar a liberalidade; a) -

Consideram-se doações puras e simples as que não estão subordinadas a condições, encargos ou vínculos. Ressalte-se, porém, que estão incluídas entre as doações puras as doações feitas pelos pais aos filhos com reserva de usufruto a favor dos doadores (Rev. dos Trib. vol. 103/577; vol 109/668;

vol. 117/136; vol. 118/624; vol. 124/709; vol. 128/182; vol. 178/136; Rev. Forense vol. 68/137; vol. 78/528; vol. 80/156; vol. 126/491). c) - Essas doações puras e simples podem ser transcritas no Registro de Imóveis sem a prova de aceitação de donatário exigida pelo art. 857, n. III do Cód. Civil e § único do art. 233 do Decreto n. 4.857, de 9 de Novembro de 1939 (Reg. Públicos), porque já estão naturalmente aceitas, pela aceitação tácita ou presumida do donatário.

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Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:

FILHO, ELVINO SILVA. Doação de Imóveis a Filhos Menores. Uma analise sob a norma-da-razão. Biblioteca Digital Medicina Anima, ano 13, n. 2277. 22 Outubro 2009. Disponível em: . Acesso em: 28 Out. 2009.

Arquivo: Cópia e Cola

http://arisp.files.wordpress.com/2008/12/boletim-nov-dez-1960_colaboracao-doacao.pdf


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Postado por Sancho Neto



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Um comentário:

Unknown disse...

texto totalmente desatualizado, baseado no Código Civil de 1916.