quinta-feira, 1 de abril de 2010

RESERVA LEGAL FLORESTAL


 
RESERVA LEGAL FLORESTAL 


Da mesma forma que há quem olhe para a
floresta e só veja lenha para queimar; há quem
olhe para uma averbação de reserva legal
florestal e só veja papel!

MARCELO AUGUSTO SANTANA DE MELO1
INDICE:  I - Conceito. Evolução histórica. Base legal. II -  Natureza Jurídica. III - Publicidade. IV - Natureza jurídica da averbação da RLF. V - Exigibilidade da averbação. Retificação de Registro e Reserva Legal Florestal. Recurso Especial n. 831.212-MG do Superior Tribunal de Justiça. VI – Especialização. VII - Divisão ou desmembramento de imóvel rural. VIII - Outros aspectos registrários importantes. IX – Compensação. X - A Reserva Legal Florestal em Áreas Urbanas. XI  - Cooperação do Registro de Imóveis para a averbação da RLF. XII - Considerações finais. I - Conceito. Evolução histórica. Base legal                                               
1
 Registrador imobiliário em Araçatuba, São Paulo. Especialista em Direito Imobiliário pela
Universidade de Córdoba – Espanha e Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Mestrando em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Diretor de Meio
Ambiente da ARISP e IRIB.

   
Reserva Legal Florestal é um espaço territorial especialmente protegido consistente em área ou parcela localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e  reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas.
 
Está prevista no art. 16 do Código Florestal e trata-se de limitação ao direito de propriedade, da mesma forma que as florestas e demais formas de vegetação permanente, previstas também no Código Florestal. A RLF é espaço territorialmente protegido, consoante art. 225, § 1º, III, da CF; sua existência decorre da própria lei. Trata-se de instituto de direito ambiental genuinamente brasileiro, não existe espaço ambientalmente protegido nesses moldes em outros países e configura, sem dúvida na área ambiental mais importante do Brasil. Sua origem remonta às ordenações e decretos do reino de Portugal, preocupado com a possibilidade de esgotamento das reservas de madeira de sua colônia 2  Interessante no estudo do histórico da RLF são as instruções redigidas por José Bonifácio de Andrada e Silva em 1821, como proposta de nova 2 Carta Régia de 11 de julho de 1799: Eu, a Rainha, faço saber aos que este Alvará virem, que tendo em consideração a necessidade que há de se formar um regimento, que não só regule a direção do serviço de córtes das madeiras de construcção já abertos nas Capitanias de Pernambuco e Bahia, ou que para o futuro se houverem de abrir, de tão grande importância  aos interesses da minha Real Marinha e da mercantil; mas que também cohiba a indiscreta e desordenada ambição dos habitantes, que a pretexto das suas lavouras, tem assolado e destruído preciosas mattas a ferro e fogo, de tal sorte que, a não acudir Eu com as mais enérgicas providencias, ficarão, em poucos annos, reduzidas a inutilidade de poderem fornecer os páos de construcção, de que tanto abundaram e já hoje ficam em distâncias consideráveis dos portos de embarque ... 

TÍTULO I DO JUIZ CONSERVADOR Art. 1° Declarando ser de propriedade da minha Real Coroa, todas as mattas e alvoredos á borda da costa ou rio, que desembarque immediatamente no mar ...Art. 3° E querendo para o futuro acautelar os prejuízos que a indiscreta ambição dos habitantes continuam a causar nas mattas, reduzindo-as á cinzas pelo ferro e fogo, mando que sejam vedadas ao uso comum com os seus fundos todas as que houverem madeiras de construcção ... Art. 7° Attendendo porém a que nos fundos das referidas mattas das Alagoas, se acham alguns ramos de Pau Brasil ainda que pela má administração do seu corte destruídas, que poderão com tudo pelo tempo adiante restabelcerem-se, ordeno que fiquem as sobreditas inteiramente vedadas e fechadas a todo e qualquer uso dos particulares ... Art. 11 Considerando por outra parte a necessidade, que os povos têm de madeiras para edificarem casas, e engenhos e quaisquer outras obras, permitto que nas mattas excluídas aos particulares possam desfructar os que nellas habitarem aquellas madeiras que forem necessárias para o seu uso tão somente, não sendo das de construcção ...    
legislação sobre terras do Patriarca da Independência no exercício da vice-presidente da Junta Governativa de São Paulo, demonstrando sensível preocupação ambiental rara à época:

V – Em todas as vendas que se fizerem e sesmarias que se derem, porá a condição que os donos e sesmeiros deixem, para matos e arvoredos, a sexta parte do terreno, que nunca poderá ser derrubada e queimada sem que se faça nova plantação de bosques, para que nunca faltem as lenhas e madeiras necessárias. 

Posteriormente, em 1934, com a publicação de nosso  primeiro Código Florestal (Dec. 23.793, de 23 de janeiro de 1934),  foi determinado que todas as propriedades imobiliárias do País devessem reservar 25% das florestas. A RLF foi repetida no Código Florestal de 1965 (Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965) e atualmente é regulada pela MedProv 2.166-67/2001, lembrando que a EC 32, de 11 de setembro de 2001, no art. 2º, estabeleceu que [...] as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.

O que levou parte da doutrina a chamá-las de “super” medidas provisórias. A área necessária para a configuração da RLF de cada imóvel depende da região do Brasil que se encontra situada, variando entre 20
(sudeste, sul) e 80% (região amazônica).

II - Natureza Jurídica
   
Como afirmarmos, a RLF não se trata tão-somente de uma mera limitação administrativa, é um espaço territorial especialmente protegido3. Nesse propósito, Édis Milaré leciona como muita propriedade. Segundo o conceituado autor,

[...] espaços territoriais especialmente protegidos são espaços geográficos, públicos ou privados, dotados de atributos ambientais relevantes, que, por desempenharem papel estratégico na proteção da diversidade biológica existente no território nacional, requerem sua sujeição, pela lei, a um regime de interesse público, através da limitação ou vedação do uso dos recursos ambientais da natureza pelas atividades econômicas 4

Mas para entendermos a dimensão da natureza jurídica dos espaços territoriais especialmente protegidos é preciso analisar a própria propriedade imobiliária com a roupagem da função socioambiental, mesmo que brevemente. 

Foi com a CF de 1988 que se incorporou o conceito de função social da propriedade na forma em que concebemos hodiernamente. O art. 5º, inciso XXIII, no capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais, declara que “a propriedade atenderá a sua função social”. No artigo 170, inciso III, capítulo destinado à ordem econômica brasileira, indica a função social da propriedade com um princípio fundamental da economia.   

O artigo 182 traz inovação ao prever a função social da cidade e que o plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.                                         
3
 MILARÉ, Edis. Os espaços territoriais especialmente protegidos aproximam-se dos espaços naturais sensíveis (Espaces naturels sensibles) do sistema francês (Cf. PRIEUS, Michel. Droit de l’environnment. 2. ed. Paris: Dalloz, 1991. p. 381).
4
 Op. cit., p. 233. 
O art. 186 no capítulo destinado à política agrícola e fundiária e da reforma agrária, preceitua que “a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo  critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais; disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância
das disposições que regulam as relações de trabalho;  IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”.

Finalmente, o artigo 225 declara que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

O artigo 1.228 do Código Civil de 2002 manteve em seu  caput a redação do estatuto civil anterior, afirmando que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Porém,  em seu Parágrafo Primeiro, sob forte influência da Carta Maior, introduziu na legislação civil infraconstitucional regra inovadora e moderna:

§ 1o  O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as  belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas   Importante não restringir a função socioambiental da propriedade a aspectos jungidos à mera restrição do direito de propriedade. A propriedade de hoje não é a mesma de outrora tão-somente por aspectos restritivos, justificados meramente pelo direito administrativo. É o que defende Edésio Fernandes ensinando que “não se pode mais reduzir a noção de função socioambiental da propriedade meramente à ideia de limitação administrativas externas ao exercício do  direito, o que é muito
do gosto dos administrativistas”5

O direito de propriedade está, assim, sofrendo influências outrora jamais observadas em nosso direito, refletindo movimentos  do mundo fenomênico. E referidos reflexos não se restringem  tão somente ao aspecto social, mas também ao econômico, estando nesse aspecto, no nosso entendimento, ou conceito ou caráter pós-moderno da propriedade imobiliária.

A propriedade não mais ostenta aquela concepção individualista do direito romano, reproduzida no Código Civil (CC) de 1916; cada vez mais forte está o seu sentido social, transformando-se em fator de progresso, de desenvolvimento e de bem-estar de todos.

Em conformidade com isso, a nova lei civil brasileira acabou por contemplar a função ambiental como elemento marcante do direito de propriedade, ao prescrever que tal direito ‘deve ser exercitado em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a  flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico  e patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas’ (CC, art. 1.228, § 1º).
6

 Está se reconhecendo, assim, que o direito de propriedade pode – e deve – limitar-se em benefício de uma finalidade superior que mereça proteção;                                               
5
 FERNANDES, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística do Brasil. Minas Gerais: Del Rey, 2006, p. 15.

6
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 146-147. proteção que pode advir da lei ou por meio da consciência social. Esse fenômeno é atual em nosso direito, o CC de 1916 de  inspiração liberal decorrente do Código Napoleônico não trazia a ideia de função social da propriedade como aduzimos.

Ocorre que, malgrado o conceito de propriedade continue o mesmo, inegável que o legislador brasileiro, como muitos de outros países, acabou por entender que a propriedade deve desempenhar outro papel no direito, atribuindo-lhe, assim, uma qualidade especial. Não  se nega, outrossim, que referida qualidade é assaz subjetiva e de difícil definição por meio dos instrumentos legislativos, o que torna o operador do direito –
principalmente os juízes – figura importante para se entender o verdadeiro alcance da função social da propriedade. 

Assim, com relação à reserva legal florestal, importante identificá-la não somente como uma restrição ao direito de propriedade, mas sim, como o próprio direito de propriedade que atualmente tem funções socioambientais. 

III - Publicidade

Interessante que o legislador conferiu duas formas  de publicidade para esse espaço protegido, a legal que é a presunção de que a reserva existe na porcentagem estabelecida, e a registral, que configura a sua exata localização. A área de RLF deve ser averbada na matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas este Código (§ 8º do art. 16 do Código Florestal,  redação dada pela MedProv 2.166-67/2001).

Observa-se que não somente a área da RLF constituída pode ser averbada no Registro de Imóveis, mas também a área em recomposição ou formação. Nesse sentido, interessante a Lei do Estado de São Paulo 12.927, de 23 de abril de 2008, que em seu § 1º dispõe que “[...] a área de reserva legal recomposta na forma prevista nesta lei deverá ser averbada à margem da matrícula do imóvel, nos termos definidos na legislação federal e estadual pertinente”.

IV - Natureza jurídica da averbação da RLF 

A existência da RLF precede à averbação e especialização no Registro de
Imóveis, uma vez aprovado o projeto no órgão ambiental estadual, o
proprietário já fica vinculado na conservação, preservação ou regeneração
do espaço florestal. 

O autor português Carlos Ferreira de Almeida qualifica: “os registros públicos como os meios mais perfeitos e evoluídos da publicidade, igualando-os mesmo ao conceito técnico-jurídico de  publicidade”.
7
 O mesmo autor também classifica a publicidade registral, segundo seus efeitos, por meio de três vertentes:

a) publicidade-notícia (sem particulares efeitos no ato publicado);

b) publicidade declarativa (necessária para que os fatos sejam eficazes em
relação a terceiros);
                                                
7
 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Publicidade e teoria dos registros. Coimbra: Almedina, 1966. p. 163.   

c) publicidade constitutiva (indispensável para que os fatos produzam quaisquer efeitos).

Sem dúvidas estamos diante da publicidade-notícia de uma situação cadastral ambiental. O legislador conferiu ao Registro de Imóveis o reforço de uma publicidade já criada ou definida em outros meios. Muitas restrições administrativas, agora definidas como espaços territoriais especialmente protegidos, já possuem publicidade decorrente da própria lei que as constituiu, porém, para a segurança jurídica e cumprimento de obrigações decorrentes da limitação, seria aconselhável não se confiar somente na publicidade legal, mas também na publicidade imobiliária, para dar conhecimento e vincular definitivamente futuros adquirentes. O homem médio não possui o hábito de leitura de textos legislativos, ainda mais dos três entes políticos, de forma que o sistema jurídico não pode se valer tão somente dessa publicidade ilusória ou fictícia.


V - Exigibilidade da averbação

O § 8o  do art. 16 do Código Florestal silencia a respeito do momento da averbação:

A área de reserva legal deve ser averbada à margem  da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código.
Não obstante, malgrado exista a obrigação legal de  todo proprietário averbar a área da RLF no Registro de Imóveis, o fato é que pequena    porcentagem dos proprietários procedeu à sua especialização. A razão é simples: trata-se de norma incompleta, foi criada a obrigação, mas, propositalmente, a sanção foi esquecida.

O saudoso Washington de Barros Monteiro, lembrando  lição de Ihering, escreveu que “regra jurídica sem coação é uma contradição em si, um fogo que não queima, uma luz que não alumia.”8  Indubitavelmente é uma norma válida, mas eivada de  relativa eficácia normativa. A sanção pode ser definida como a resposta à violação, o principal efeito da institucionalização da sanção é a maior eficácia das normas respectivas.
 
Norberto Bobbio analisa com muita propriedade a existência nos ordenamentos de normas desprovidas de sanção:

É claro que o legislador tende a produzir normas não só válidas, mas eficazes: mas pode-se observar que, quando nos deparamos com normas desprovidas de sanção, geralmente nos encontramos diante dos seguintes casos típicos: 1) ou se trata de normas cuja eficácia, dada a sua reconhecida oportunidade ou correspondência com a consciência popular ou, numa palavra significativa, dada a sua justiça, é confiada á adesão espontânea, motivo pelo qual a sanção é considerada inútil; 2) ou se trata de normas postas por autoridades muito elevadas na hierarquia das normas postas, a ponto de tornar impossível ou pelo menos pouco eficiente a aplicação de uma sanção9 Parece-nos que num primeiro momento verifica-se a incidência da primeira justificativa do jurista italiano, o legislador imaginou que o cumprimento da norma ambiental ocorreria de forma espontânea de 8
 MONTEIRO, Washington Barros. Curso de direito civil: parte geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p.
15.
9 BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito.  Tradução Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 147. acordo com os princípios ambientais universais, no entanto, não foi o que verificamos no cumprimento do Código Florestal.  Paulo Affonso Leme Machado esclarece que [...] para a efetividade da averbação seria oportuno criar-se expressamente o dever legal do proprietário de informar o órgão ambiental competente, enviando-lhe cópia do ato do Cartório do Registro de Imóveis. A não-informação deveria ser criminalizada, apoiando-se, assim, o cumprimento da medida.10 Pela atual redação do art. 44 do Código Florestal (redação dada pela MedProv 2.166-67/2001), a doutrina11  tem entendendo que o órgão de controle ambiental pode exigir dos proprietários, que vêm fazendo uso ou realizando o aproveitamento integral do solo, a recuperação ou compensação da área de RLF faltante. Assim, a averbação da RLF dos proprietários deve ser exigida pelas autoridades ambientais, Ministério Público ou associações de defesa do meio ambiente.

O Registro de Imóveis, por falta de previsão legal, não pode exigir sua averbação, mas pode desempenhar papel importante agindo em parceria com o Ministério Público (art. 7º da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985 – LACP) e Administração Pública.

Um problema sem precedentes seria criado com bloqueio de registros de imóveis rurais. Umas das principais funções do Registro de Imóveis no Brasil no que se refere à proteção agrícola é o registro das cédulas de
crédito representativas do crédito destinado à atividade agropecuária. Tal crédito com juros subsidiados ou decorrentes de linhas de financiamento                                         
10
 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros,
2004. cit., p. 723.
11
 MILARÉ, Édis, Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 233.
   
especiais, demanda, maior cuidado para a concessão  e circulação e a liberação do mesmo é vinculada ao prévio registro.

A maior consequência de eventual vinculação da reserva florestal legal a atos de registro seria a criação de um mercado imobiliário informal no âmbito rural, já que a economia tem seu ritmo próprio e sempre está a frente do direito, dificultando ainda mais o trabalho das autoridades ambientais. Hernando de Soto, famoso economista peruano, critica fortemente sistemas informais criado pela ausência de representatividade formal das propriedades imobiliárias”12
 
A jurisprudência administrativa da CG do Estado de  São Paulo já se posicionou com relação ao fato de o Registro de Imóveis exigir a averbação da reserva:

Atos de registro. Condição. Impossibilidade. Decisão  administrativa CG 421, de 16 de junho de 2000 – Jaboticabal. 
Registro de Imóveis. Reserva Florestal legal. Indeferimento de requerimento formulado pelo Ministério Público visando à edição de portaria condicionando o ingresso de ato  translativo da propriedade imobiliária rural e de desmembramento de tais imóveis no registro imobiliário à averbação da reserva florestal legal. Indeferimento. Recurso não provido.

No Estado de Minas Gerais, as averbações de RLF eram obrigatórias, consoante os Provimentos 50, de 7 de novembro de 2000, e 92, de 19 de março de 2003, da Corregedoria Geral da Justiça. No entanto, em razão do Acórdão resultante do Mandado de Segurança 279.477-4/000, julgado pela Egrégia Corte Superior do Tribunal, publicado no Diário do Judiciário – Minas Gerais, de 12 de agosto de 2003, foi suspensa a aplicação de referidos provimentos. Dispõe a ementa do referido acórdão:
                                                
12
  DE SOTO, HERNANDO. O mistério do Capital, Editora Record. Lima: 2001, p. 122.   

Reserva Legal Florestal. Interpretação do art. 16 do Código Florestal. Condicionamento de atos notariais à exigência prévia de averbação da Reserva. Falta de amparo legal. Direito líquido e certo de propriedade. Garantia constitucional. Segurança concedida. A interpretação sistemática do art. 16 do Código Florestal nos conduz ao entendimento de que a RLF não deve atingir toda e qualquer propriedade rural, mas apenas aquelas que contêm área de florestas. Logo, tem-se que o condicionamento dos atos notariais necessários ao pleno exercício do direito de propriedade previsto no art. 5º, XXII, da CF, à prévia averbação da Reserva Legal Florestal, somente está autorizado quando existir floresta no imóvel, o que não é o caso dos autos, pelo que se impõe a concessão da segurança requerida.

O STJ entende obrigatória a averbação da RLF, do qual destacamos o seguinte trecho de um acórdão:

Não há nenhum sentido em desobrigá-lo das respectivas averbações, porquanto a Reserva Legal Florestal é regra restritiva do direito de propriedade, tratando-se de situação jurídica estabelecida desde 1965. Nesse sentido, ressalto que a mencionada restrição completará 40 anos em setembro próximo, tempo suficiente à incorporação cultural, não se justificando que, atualmente, haja proprietários resistentes à mencionada reserva [(RMS 18301/MG, 24.08.2005) grifos nosso].  O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio de sua Câmara Especial do Meio Ambiente, consagrou o entendimento daquele órgão especializado de que a reserva florestal legal tem  a natureza jurídica de obrigação  propter rem  e adere ao domínio, possuindo, inclusive, proteção da CF. Assim, a obrigação da delimitação, demarcação e averbação da RLF é do atual proprietário do imóvel e não do Estado.

Reserva legal. Obrigação  propter rem, vinculada ao domínio imobiliário. Irrelevante a destinação econômica a ser conferida ao imóvel. Função ecológica de índole constitucional.
Inafastabilidade da averbação como ônus imposto ao titular do domínio. Apelo do Ministério Público. A delimitação, demarcação e averbação da Reserva Legal prevista pelo Código Florestal não é de natureza pessoal, mas é obrigação propter rem e, desde 05 de outubro de 1988, constitui pressuposto intrínseco do direito de propriedade, de origem constitucional, como atributo de sua função ecológica, à luz dos arts. 186, II, e 170, VI, da Constituição da República.
13
Ação Civil Pública. Meio Ambiente. Reparação de danos, indenização e averbação de 20% do imóvel para reserva legal. Processo extinto em relação a obrigação de fazer e  sentença improcedente no tocante a averbação. Obrigação do proprietário prevista no Código Florestal. Fato de  ter havido desmatamento, mesmo que por antecessores, não afasta a obrigação de instituir a reserva. Pedido amparado na legislação vigente. Prazo fixado em 180 dias para demarcação e providência administrativas necessárias para averbação da reserva legal, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00. Recurso provido.
14
 Em 23 de julho de 2008, foi publicado o decreto federal 6.514, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração dessas infrações e dá outras providências.

No aspecto registrário, chamou-nos a atenção o art. 55 que entrará em vigor somente em 11 de junho de 2011:  

Deixar de averbar a reserva legal:
Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). § 1º No ato da lavratura do auto de infração, o agente autuante ºassinará prazo de sessenta a noventa dias para o autuado promover o protocolo da solicitação administrativa  visando à efetiva averbação da  reserva legal junto ao órgão ambiental competente, sob pena de multa diária de R$ 50,00 (cinqüenta reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por hectare ou fração da área da reserva.
§ 2o Haverá a suspensão da aplicação da multa diária no interregno entre a data do protocolo da solicitação
administrativa perante o órgão ambiental competente e trinta dias após seu deferimento, quando será reiniciado o cômputo da multa diária.                                  
13
 ApCív 402 646 5/7-00-São Carlos, de 29 jun. 2006.
14
 ApCív 424 542 5/3, de 22 mar. 2007.   
Com a publicação do decreto, espera-se que esse dilema que há anos paira sobre o direito ambiental (e registral) brasileiro se resolva, uma vez que as autoridades ambientais possuem agora claro mecanismo para compelir os proprietários a especializar e averbar a RLF.

Em 11 de dezembro 2009 foi publicado o Decreto nº 7.029 que instituiu o Programa Federal de Apoio à Regularização Ambiental de Imóveis Rurais cujo objetivo é promover e apoiar a regularização ambiental de imóveis, com prazo de até três anos para a adesão dos beneficiários. A adesão ao programa federal permite ao proprietário rural regularizar todos os espaços protegidos no imóvel, principalmente a área de preservação
permanente e reserva legal, isentando-o da multa prevista no Decreto 6.514/08.

Referido decreto também criou no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, o Cadastro Ambiental Rural - CAR, integrante do Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente, com  a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais e as informações geradas com base no “Programa Mais Ambiente” (art. 14). 

Retificação de Registro e Reserva Legal Florestal. Recurso Especial n. 831.212-MG do Superior Tribunal de Justiça  Em 01 de setembro de 2009 foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça o Recurso Especial nº 831.212-MG do Ministério Público do Estado de Minas Gerais cujo acórdão em seu dispositivo conheceu e deu provimento ao recurso especial, determinando que seja constituída área de reserva florestal no  imóvel como condição à retificação de área pleiteada, nos termos do art. 16, §8º, do Código Florestal. 

Referido julgado originou-se de procedimento administrativo de retificação de registro imobiliário em que o Ministério Público pretendia condicionar o deferimento – no caso judicial – da retificação à prévia especialização e averbação da reserva florestal legal prevista no Código Florestal.

A vinculação da necessidade de composição da RLF em retificações de registro tem lógica a ser considerada. A retificação ou georreferenciamento tem num primeiro momento a preocupação de descrever o perímetro do imóvel da forma mais precisa possível, de acordo com normas fixadas em leis e seus regulamentos federais e ou através de levantamentos ou técnicas de reconhecimento internacional.

Ocorre, que não podemos olvidar que o imóvel é formado também de parcelas ou sub-áreas internas que integram o mesmo. A Parcela é uma fração (sub-área) de um imóvel com regime jurídico único.

Nesse sentido, interessante e oportuno transcrever  trecho das conclusões da Carta de Araraquara que resultou do 19º Encontro Regional de Oficiais de Registros de Imóveis GEO-ARARAQUARA” realizado pelo IRIB de 9 a 11 de julho de 200415
:
O imóvel, segundo este conceito, é dividido em tantas partes (parcelas) quantas forem as áreas com regimes jurídicos diferentes. Estas podem ser áreas de domínio, de posse, áreas públicas (como estradas, rios, lagos), ou áreas de  restrições como reservas legais, de preservação, servidões administrativas ou legais, etc. 
                                                
15
 Disponível em http://www.irib.org.br/notas_noti/boletimel1282.asp#3, acessado em 08 de dezembro de 2009.   

Um imóvel é formado por uma ou várias parcelas, mas uma parcela nunca é dividida em vários imóveis. A parcela é sub-área do imóvel, nunca o contrário.

A partir do levantamento das "parcelas" poder-se-ão modelar unidades territoriais para os mais diversos fins econômicos, administrativos ou legais com as mais diversas definições do "imóvel", por exemplo para o Registro de Imóveis (a matrícula registrada com uma definição ( ) imóvel é unidade contínua de domínio e para o Incra imóvel é unidade econômica.  
Ora, se todo imóvel rural é formado pela parcela rural da reserva legal, nada mais natural que quando do levantamento técnico do perímetro do mesmo, seja também especializada sua parcela de reserva florestal legal.
Obviamente referida parcela necessita ser aprovada  pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, no entanto, a providência seria facilitada já que para promoção da respectiva retificação é necessária a contratação de profissional habilitado para descrever através de coordenadas georreferenciadas ou topografia metodologia ordinária para descrever o perímetro do móvel.


V - Especialização

A RLF – como outras áreas especialmente protegidas – precisam utilizar o princípio da especialidade para localização geodésica da área no imóvel. A publicidade registral reforça a publicidade legal ou cadastral, a razão da existência de referida redundância é poder localizar e identificar no fólio real o espaço geográfico da reserva, de nada adiantaria levar a registro uma mera redundância informativa, é preciso descrevê-la com a segurança jurídica mínima necessária, daí nossa discordância de se levar ao Registro  de Imóveis a averbação de tão-somente da existência da RLF, sem a devida especialização.
16
Narciso Orlandi Neto leciona que

[...] o grande problema da averbação é a especialização da reserva, assim entendida a identificação da área instituída como unidade inconfundível, localizada e localizável dentro do imóvel de que faz parte.
17
 
Com efeito, várias são as formas como os imóveis foram descritos desde a criação do Registro de Imóveis e, na grande maioria das vezes, nem mesmo a descrição existe ou, ainda, com divisas imprecisas e frágeis, tornando-se impossível localizar ou especializar a  reserva. É claro que o advento da Lei 10.267/2001, que criou o georreferenciamento, resolverá paulatinamente o problema das descrições dos imóveis rurais. No entanto, nessa transição deverá a reserva ser especializada da forma que consta a descrição da matrícula ou transcrição, seja rumo magnético, azimute ou georreferenciamento com coordenadas UTM. O registrador imobiliário deve então esforçar-se para estabelecer um ponto de amarração entre reserva e descrição registrária, mesmo porque, ao contrário da servidão, não se trata de direito real e, sim, de limitações administrativas, não sendo a averbação constitutiva. 

Em alguns estados-membros as reservas florestais estão sendo especializadas através de GPS comum de navegação, como afirmamos, não vemos problemas que a forma descritiva seja assim realizada, desde                                                 
16
RODRIGUES FREIRE, Alberto. Revista de Direito Imobiliário. 67, ano 32, julho-dezembro de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 10. 
17
 ORLANDI NETO, Narciso. Reservas florestais. Revista de Direito Imobiliário. São Paulo, jul.-dez.1997. v. 42.
que o profissional técnico habilitado estabeleça pontos de amarração mínimos de acordo com as medidas tabulares ou registrais. 

Mais uma vez utilizando os ensinamentos de Narciso Orlandi Neto:

Se a reserva estiver encostada numa das divisas do  imóvel, bastará repetir, na descrição, o que consta da matrícula (ou transcrição), copiando literalmente a parte da descrição relativa àquela divisa. Evite-se substituir critérios antigos de descrição (valas, divisores de águas, touceiras etc.) por termos técnicos (rumos, ângulos etc.). As divisas da reserva internas ao imóvel são descritas livremente e, de preferência, tecnicamente. 
Se a reserva for toda interna, encravada, o proprietário descreverá as divisas tecnicamente, mas procurará localizá-la no todo, isto é, fará referência aos principais pontos da descrição que consta do Registro. 
A averbação deve ser feita com cópia de todos os documentos apresentados à autoridade administrativa, inclusive a planta, que mostrará, no imóvel todo, a exata localização da área da reserva. Esses documentos ficarão arquivados na serventia.  Pode acontecer de a planta não permitir a identificação do mesmo imóvel da matrícula (ou transcrição), principalmente no caso de descrições antigas e descuidadas. Mas a planta não integra a matrícula. Servirá ela para localizar a reserva dentro do todo e ajudar o oficial a controlar a disponibilidade quantitativa e qualitativa do imóvel.
18
 
Em suma, em virtude da averbação não ser constitutiva e existir independentemente do ingresso no fólio real, não deve o registrador imobiliário aplicar com rigor o princípio da especialidade.

VII - Divisão ou desmembramento de imóvel rural O Código Florestal dispõe que a
                                                
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 ORLANDI NETO, Narciso. Reservas florestais. Revista de Direito Imobiliário. São Paulo, jul.-dez.
1997. v. 42.   
[...] área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código (art. 16, § 8º).

Parece-nos que ao vincular a RLF à matrícula do imóvel, o conceito de imóvel foi o registrário, assim, em tese, cada matrícula deve possuir sua reserva. Mas o problema não reside somente no conceito de imóvel rural: ao proceder à divisão ou desmembramento, muito provavelmente a reserva não será transportada para todas as matrículas, o que aumentará o percentual legal em alguns imóveis, enquanto outros não possuirão qualquer cobertura vegetal, o que é natural porque o espaço é, a princípio, afetado de forma permanente, podendo ser realizada  averbação esclarecedora nos imóveis sem reserva florestal. Mas se o caso for de redefinição da reserva, entendemos imprescindível a anuência do órgão estadual competente.

VIII - Outros aspectos registrários importantes
 
Documentos necessários

O documento idôneo para ingressar no registro predial é o termo de preservação de RLF ou declaração ou compromisso de  formação e regeneração de floresta, emitido pelo órgão estadual competente19', planta e memorial descritivo da RLF localizada no perímetro do imóvel e anotação de responsabilidade técnica – ART do profissional que elaborou o trabalho. Importante e útil constar do próprio termo de preservação ou
recuperação autorização para o registro de imóveis  proceder o ato de                                           
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 Item 112 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça.   
averbação área da reserva na matrícula em respeito ao princípio da instância20 .

Gratuidade

Consta do § 9o  do art. 16 do Código Florestal (MP 2.166-67, de 24/08/2001) que a “averbação da reserva legal da pequena propriedade ou posse rural familiar é gratuita, devendo o Poder Público prestar apoio técnico e jurídico, quando necessário”.

O conceito de pequena propriedade rural é constante do art. 1º, § 2º, inciso I, do Código Florestal, ou seja: a) aquela explorada mediante o trabalho pessoal do proprietário ou posseiro e de sua família; b) renda bruta seja proveniente, no mínimo, em oitenta por cento, de atividade agroflorestal ou do extrativismo; e c) área não superior a trinta hectares.

O critério a ser utilizado para o Registro de Imóveis para a concessão da gratuidade deve ser fixado pelo Estado respectivo.  A Lei Federal n. 10.169, de 29 de dezembro de 2000, que regulamentou o § 2º do artigo 236 da Constituição Federal outorgou ao Estado competência exclusiva para legislar sobre emolumentos dos serviços registrários e notariais.

Penso que uma solução adequada seria a declaração do proprietário sob as penas da lei do cumprimento dos requisitos do art. 1º, § 2º, inciso I, do Código Florestal, cabendo ao Registro de Imóveis a  fiscalização decorrente do tamanho da área (trinta hectares). 20
 Entende-se por este princípio que a iniciativa de requerer a prática de determinado ato registrário deve partir da parte interessada ou pela autoridade, não podendo o oficial registrador praticar atos de ofício que onerem de qualquer forma a parte interessada, consoante artigo 13 da Lei de Registros Públicos.   
Só o proprietário deve subscrever o termo de compromisso?

Interessante é a análise se o termo ou compromisso  emitido pela autoridade estadual necessariamente também deve ser subscrito pelo proprietário ou detentor de direito real sobre o imóvel. A grande maioria das leis estaduais exige a providência, no entanto, entendemos que a providência pode ser dispensada. O meio ambiente como é cediço configura bem de uso comum a todos de acordo com o art. 225 da CF; os arts. 13, II, e 246, § 1º, da Lei 6.015/73 permitem que o requerimento para averbações seja subscrito por qualquer interessado, a única observação é a dificuldade para se obter a prova documental para a averbação.

Paulo Affonso Leme Machado perfilha da mesma opinião:

Independentemente de ser ou não proprietário da propriedade rural, qualquer pessoa e, portanto, o Ministério Público e as associações poderão promover o registro e a averbação, incumbindo-lhes as despesas respectivas, e desde que ofereçam elementos fáticos e documentais.
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 Reconhecimento de firma

As firmas constantes do documento emitido pelo órgão ambiental não precisam ser reconhecidas, isso porque os documentos públicos possuem presunção de legalidade e veracidade e não podem ser questionados sem
justa razão ou suspeita de falsidade.

Ônus e direitos reais e outros gravames impedem a averbação da RLF?
                                                
21 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.cit., p. 723. A averbação da RLF não pode ficar condicionada a eventuais atos registrários constantes da matrícula relativos a direitos reais ou ônus porque é inerente ao próprio direito de propriedade e se trata de obrigação propter rem, assim, eventual indisponibilidade de bens, hipoteca cedular (decreto-lei 167, de 14 de fevereiro de 1967) ou ainda penhorado por autarquia federal (art. 53 da Lei 8.212/91). Mas é importante o registrador e autoridade ambiental ficar atentos com relação à servidões de passagem que podem ser incompatíveis com o espaço territorial protegido.

IX - Compensação
 
Uma novidade trazida pela edição da MedProv 2.166-67/2001, e regulamentada no Estado de São Paulo pelo Dec. 50.889, de 16 de junho de 2006, é a possibilidade de compensar a RLF por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento próprio (inc. III, art. 44 do Código Florestal).

O Registrador deverá observar se existe coincidência entre os proprietários dos imóveis, porque caso não ocorra,  o caso não é de compensação direta e sim indireta por meio de arrendamento ou aquisição de cotas de reserva florestal.

A averbação da RLF ocorre somente no imóvel que está servindo de compensação, mas é preciso também proceder à averbação da notícia da compensação no imóvel compensado, completando o procedimento e evitando que no futuro ocorra questionamento sobre a RLF do respectivo imóvel.

Podemos identificar duas formas de compensação de reserva florestal legal, a direta realizada quando existe coincidência entre os proprietários dos dois imóveis; e a indireta por meio arrendamento ou aquisição de cotas de reserva florestal.

Na compensação indireta por arrendamento da servidão florestal de outra propriedade, dispensável a publicidade registrária, pela falta de previsão legal (art. 167 da LRP), mas é preciso estudar a averbação dessa circunstância após a averbação da servidão florestal que se vincula à averbação da própria servidão administrativa.

A MedProv 2.166-67/2001, introduziu o art. 44-B no  Código Florestal, instituindo a CRF,

[...] título representativo de vegetação nativa sob regime de servidão florestal, de Reserva Particular do Patrimônio Natural ou reserva legal instituída voluntariamente sobre a vegetação que exceder os percentuais estabelecidos no art. 16 deste Código.
Assim, uma vez criadas as cotas, seria possível proceder à compensação por intermédio da compra das mesmas, facilitando o  cumprimento da criação das reservas, no entanto, referido artigo depende de regulamentação (§ único).
X - A Reserva Legal Florestal em Áreas Urbanas

Uma questão pouco enfrentada pela doutrina e jurisprudência é se ocorre ou não transformação ou mutação da natureza jurídica da reserva legal florestal quando o imóvel rural passa para o perímetro urbano de uma cidade. É sabido que o município tem autonomia legislativa e administrativa para gerir seu território (art. 30, inciso I, CF).

Luciano Lopes Passareli defende que a reserva legal florestal incide tão-somente em áreas rurais, entendendo tratar-se de restrição ao direito de propriedade que deve ser interpretada restritivamente. Segundo o culto registrador “o crescimento inevitável das cidades e as necessidades de gestão da área urbana parecem recomendar que não se crie tamanho obstáculo para a possibilidade dos municípios, através de seus planos diretores, ordenarem o crescimento adequado e harmônico do território urbano”22
.
Figueiredo por sua vez, entende que “[...] a ampliação do perímetro urbano que passe a abranger estes espaços territoriais especialmente protegidos não tem o condão de desafetá-los. Mesmo  que lei municipal
específica cuidasse deste tema, seus efeitos seriam írritos, já que a proteção decorre de lei federal”.
23
É cediço que o Código Florestal silencia a respeito da destinação da RLF quando o imóvel passe a integrar área urbano, o mesmo ocorrendo com o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001) que não
enfrenta diretamente a questão, mas traz elementos e princípios mínimos que podem servir de alicerce jurídico para a resolução do problema. Ao tratar da política urbana o EC incorpora no direito brasileiro a ideia de                                         
22
 LOPES PASSARELLI, Luciano. O Meio Ambiente e o Registro de Imóveis. Marcelo Augusto Santana de Melo (coordenador). São Paulo: Saraiva, 2010, no prelo. 23
 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A propriedade no direito ambiental. Rio de Janeiro: Esplanada, 2004, p. 232.   
cidades sustentáveis, disciplinando que a ordenação e controle do uso do solo de ser realizada para evitar a “poluição e degradação ambiental” (art. 2º, inciso VI, g).

Podemos considerar como marco inicial da ideia de “cidades sustentáveis” a conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro de 1992, seguida pela Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentametnos Humanos – Habitat II, realizado em 1996, na cidade de Istambul, na Turquia. Na época foi elaborado um documento chamado Agenda 21, que estabelece
um pacto pela mudança do padrão de desenvolvimento  global para o século XXI. 

Carla Canepa ensina que “em seu sentido mais amplo, a estratégia do desenvolvimento sustentável visa promover a harmonia entre os seres humanos e entre a humanidade e a natureza”24.

Diante desses argumentos, forçoso é acreditar que a RLF estaria extinta quando o imóvel passasse a integrar a área urbana ou ainda uma zona de expansão urbana, bem como a autonomia municipal conferiria ao município o total controle de referida área. 

Gabriel Montilha esclarece que “embora o município tenha competência para legislar sobre assuntos de interesse local, suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, e promover, ainda, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art.30, incisos I, II e VII da CF), não tem competência, no entanto, para legislar sobre florestas, logo, não pode                                            
24
 CANEPA, Carla. Cidades Sustentáveis. A Cidade e seu Estatuto. Maria Garcia (coordenadora). São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, 134.   
legislar sobre Reserva Florestal Legal, vez que a competência nesta matéria é concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal (art. 24 caput, c/c inciso VI, da CF)”25
.
 o plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (art. 182  § 1º, CF) e deverá obrigatoriamente tratar da incorporação da reserva florestal legal nas zonas urbanas como área
verde de loteamento que é o espaço territorial urbano compatível com a reserva legal florestal rural. 

É possível defender, ainda, que o estatuto da cidade discipline um maior aproveitamento da cobertura floresta, inclusive usa realocação ou diminuição em casos extremos como as reservas legais florestais da Amazônia Legal onde oitenta por cento, mas nunca em área inferior à mínima aprovada para um parcelamento urbano (art. 4º, inciso I, da Lei 6.766/79).

Assim, entendemos que uma cidade somente pode ser considerada sustentável, ou melhor, saudável, quando exista certa qualidade de vida somente garantida com espaços florestais mínimos para lazer recreação ou ainda para lembrar o homem de suas origens remotas  onde o contado com a natureza era diário e constante. 

XI - Cooperação do Registro de Imóveis para a averbação da RLF  Por derradeiro, uma ideia que nos parece interessante e viável, seria a adoção de providência na lavratura de escrituras de imóveis rurais que não                               
25
 A obrigação de se manter a reserva florestal legal em imóvel urbano. Disponível em www.meioambiente.pr.gov.br, acesso em 10 de fevereiro de 2010.
   
possuíssem RLF averbada na matrícula do imóvel. O tabelião de notas poderia consignar na escritura que o adquirente tem ciência de que a RLF não foi especializada e averbada no álbum imobiliário, se comprometendo no prazo e de acordo com o Código Florestal e legislação estadual, a comparecer à autoridade ambiental para regularização. Os tabeliães também enviariam ao Ministério Público (preferencialmente de forma telemática) relação mensal das transações imobiliárias realizadas. O Registro de Imóveis, no ato da qualificação registral analisaria se as escrituras possuem em seu corpo a declaração, na negativa, exigiram referida declaração e também enviariam a relação ao Ministério Público, a exemplo do que ocorre com a Declaração de Operações Imobiliárias (DOI) (art. 8º da Lei n. 10.426, de 24 de abril de 2002). 
Obviamente, referida providência necessita de autorização legislativa ou, ainda, provimento normativo da CG dos respectivos estados, no entanto, é a solução que nos parece mais viável do que a tentativa ilegal (a nosso
ver) de impedir o registro de escrituras ou outros  títulos cuja matrícula não possua RLF averbada.


No Estado do Rio de Janeiro em 04 de outubro de 2008 na região dos lagos em Cabo Frio foi lavrada uma Carta que contempla a contribuição de notários e registradores para o efetivo cumprimento dos dispositivos legais relativos à reserva legal, com a observância das declarações acima sugeridas, tendo sido subscrita pelo IRIB, Ministério Público, Colégio Notarial do Brasil, seção Rio de Janeiro – CNB-RJ E, pelo Instituto de Estudos Notariais e Registrais Tabelião Antonio Albergaria Pereira, nos dias 3 e 4 de outubro último, em Cabo Frio, RJ.   

Em 10 de janeiro de 2010, no Estado de Minas Gerais, foi assinado um Termo de Cooperação Técnica (TCT) entre o Ministério Público Estadual (MPE), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e a Associação dos Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais (Anoreg), prevendo ações  integradas para agilizar a demarcação e a averbação das áreas destinadas por lei, em cada propriedade rural, à preservação da biodiversidade, ao fluxo de fauna e à recarga hídrica

XI - Considerações finais

O Registro de Imóveis é uma instituição que surgiu como necessidade do Estado de controlar o direito de propriedade e como instrumento de segurança jurídica para o tráfego imobiliário. 

Em razão da evolução do estudo do Meio Ambiente e conseqüente transformação do direito de propriedade que após a Constituição Federal deve atender uma função socioambiental, tornou-se necessário também estudar essa nova característica do registro imobliário brasileiro, principalmente na necessidade de sua adaptação às normas protetoras do  meio ambiente e utilização de sua estrutura para tal finalidade.  

A reserva legal é o espaço territorial especialmente protegido mais importante do direito ambiental brasileiro, não existindo no mundo algo semelhante, demonstrando sua relevância ambiental e necessidade  de mecanismos alternativos para sua efetiva observância. O estudo da reserva legal florestal sempre partiu do ponto de vista do direito administrativo, identificando-a como mera restrição ao direito de propriedade,    talvez a razão de muitos equívocos jurídicos, já que a reserva legal florestal deve ser entendida como parte do próprio conceito de propriedade, mormente pela sistemática criada pela Constituição Federal e Código Civil de 2002.
O legislador elegeu o Registro de Imóveis para reforçar a publicidade ambiental da Reserva Legal Florestal e o estudo de sua função ambiental vem se desenvolvendo de forma acentuada e com resultados significativos, de sorte que interessa ao instituto não somente no aspecto jurídico, mas também social, que exista incentivo à averbação da reserva legal florestal no país.   Também é necessário que o Registro de Imóveis trabalhe em total sintonia com as autoridades ambientais, visando o efetivo cumprimento da legislação ambiental, criando-se formas de facilitar a averbação da reserva legal florestal. 
 

Informações Bibliográficas

Melo, Marcelo Augusto SantanaRESERVA LEGAL FLORESTAL. In: www.registroaracatuba.com.br, Aracatuba, 01/01/2010 [Internet].
Disponível em http://fm.registroaracatuba.com.br/plugins/filemanager/files/Reserva_Legal_Florestal_-_Tiradentes_2010.pdf. Acesso em 01/04/2010.


Postado por Sancho Neto


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