quinta-feira, 28 de março de 2013

Interpretação polêmica da lei é usada para não conceder abatimento de 50% das taxas cobradas na compra da casa própria


Autor(es): VERA BATISTA e ANA D"ANGELO
Correio Braziliense - 03/02/2013

Interpretação polêmica da lei é usada para não conceder abatimento de 50% das taxas cobradas na compra da casa própria

Quem compra o primeiro imóvel residencial com preço de até R$ 500 mil tem direito a desconto de 50% sobre as taxas pagas ao cartório para a lavratura da escritura e o registro do bem. É o que garante o artigo 290 da Lei nº 6.015/73. Mas o que parece um direito líquido e certo do feliz proprietário não vale no Distrito Federal. Alegando as orientações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) de 2006 e 2007 em dois casos específicos, os cartórios não concedem o abatimento. Só admitem reduzir as taxas em 50% no caso de aquisição de imóvel financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH) desde que a garantia dada no empréstimo seja a hipoteca do imóvel.

O fato é que, com base nesse entendimento, nenhum consumidor está recebendo o benefício, a não ser quem adquire imóvel por meio de programas para renda mais baixa, como o Minha Casa, Minha Vida, que tem lei específica reduzindo esses encargos de cartórios. Isso porque, desde 1997, os bancos passaram a conceder financiamento somente com garantia da alienação fiduciária. Nesse caso, a escritura e o registro do imóvel saem em nome do comprador, mas com a restrição de que o banco é o credor fiduciário.

Isso significa que a propriedade é da instituição, até que ela dê baixa no registro, o que ocorre após a quitação total do saldo devedor. Assim, o comprador só tem a posse do imóvel, ou seja, o direito de uso, sem, no entanto, poder transferi-lo a terceiros regularmente. Se houver inadimplência no pagamento das prestações, o banco retoma o imóvel mais rapidamente, bastando levá-lo a leilão. Já para contratos com hipoteca como garantia, a retomada do bem pela instituição tem que ser mediante processo judicial, que pode levar mais de cinco anos até decisão definitiva, pois tanto a posse quanto a propriedade (direito de dispor dela) são do comprador.

O entendimento de advogados, associações de mutuários e de técnicos do governo ouvidos pelo Correio é de que todos os mutuários, mesmo com contratos prevendo a alienação fiduciária, têm direito ao desconto se o imóvel comprado foi feito nas condições do SFH, com valor até R$ 500 mil. Os cartórios, porém, estão se agarrando à Lei 9.015 de 1997, que criou o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), para negar o abatimento. É que a norma também regulamentou a garantia da alienação fiduciária no Brasil.

Os tabeliães alegam que, por estar na mesma lei, ela está restrita ao SFI. O que não é verdade, pois, desde 1997, todos os contratos habitacionais no Brasil são regidos pela alienação fiduciária, dentro ou fora do SFH. “A 6.015/73 (a que prevê o abatimento) é antiga, não se aplica ao SFI”, argumenta Alan Guerra, presidente da Associação Nacional dos Registradores do Brasil (Anoreg) no Distrito Federal (Anoreg-DF), entidade representativa dos cartórios. Ele cita os procedimentos administrativos do TJDF para defender sua posição.


Desculpas
A reportagem do Correio ligou para vários cartórios no DF. Todos confirmaram que não há desconto para esses contratos de compra de imóvel. Uns usaram os processos administrativos do TJDFT como desculpa. Outros, alegaram os limites da lei e houve aqueles que responderam que, na verdade, o desconto de 50% sobre os emolumentos dependia do entendimento de cada cartório.

Norma é válida

O imbróglio surpreendeu o servidor da Câmara, Thiago Amancio da Silva, quando ele foi registrar um apartamento de R$ 200 mil, localizado em Samambaia. A funcionária do 3º Ofício do Registro de Imóveis em Águas Claras disse que ele não tinha direito ao desconto, apontando-lhe uma placa na parede. Nela está escrito: “A primeira aquisição imobiliária residencial, financiada pelo SFH, terá redução de 50% nos emolumentos devidos. (…) Nota: de acordo com os processos administrativos do TJDF nº 2006.04.40-3559 e nº 2007.07.19-7439, a alienação fiduciária em garantia não se enquadra no artigo acima”.

Para Silva, os cartórios “criaram uma confusão interminável de conceitos e estão usando a lei da forma que lhes interessa”. O jurista Melhim Namem Chalhub, autor do livro Negócio Fiduciário, assegura que a alienação fiduciária não é exclusiva do SFI. Ele destaca que a Lei 9.015, invocada pelos cartórios, trata de forma separada, “em dois capítulos distintos, independentes”, desse tipo de garantia e do SFI. Um artigo de Chalhub defendendo o desconto para todos os contratos está publicado no portal da Anoreg do Brasil.

O SFI foi um modelo de crédito instituído para financiamento de imóveis acima do limite do SFH, com taxas de juros livres. Os recursos vêm de outras fontes, até de capital estrangeiro. Já no SFH, os juros são limitados a 12% ao ano, e os recursos são da caderneta de poupança ou do FGTS. A alienação fiduciária é aplicada a todos os tipos de contratos de financiamentos, dentro ou fora do SFH, inclusive para os do SFI.

O presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), Leandro Pacifico, considera uma aberração a interpretação de que os contratos com alienação fiduciária não são beneficiados pelo desconto. “Não vejo como, partindo do art. 39 da lei 9.514/97, o TJDF concluiu que esses contratos não fazem parte do SFH”, afirma. Para ele, a intenção é negar o direito ao cidadão. A associação pretende ajuizar ação civil pública para garantir o desconto a todos.

Procurado, o TJDF alegou que “não há lei que garanta o desconto de 50% dos emolumentos de forma genérica a todos os adquirentes de primeiro imóvel” e que sua concessão “depende do caso concreto e da forma de aquisição”. Em relação aos procedimentos administrativos citados pelos cartórios, afirma que a Anoreg-DF usa o instrumento de forma equivocada. A Corregedoria do tribunal ressaltou que “as decisões proferidas nos processos administrativos dizem respeito a consultas efetuadas por usuário, em que nos casos apresentados não era hipótese de se aplicar o desconto previsto na legislação”.

Fonte: Correio Braziliense.
Postado por: Sancho Neto. Of.s.

Nota - Como sempre jornalistas dando interpretações teratológicas do Direito. Bom mesmo era que todo jornalista fizesse Direito e entendesse melhor o nosso ordenamento.

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