APELAÇÃO
CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – LIVRE INGRESSO DO ADVOGADO EM SERVIÇOS
NOTARIAIS E DE REGISTRO – DEVASSA NOS ARQUIVOS DA SERVENTIA – VIOLAÇÃO
AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE – DENEGAÇÃO DA ORDEM – RECURSO NÃO PROVIDO
-
Conquanto inegável o direito do advogado de ingressar livremente nos
serviços notariais e de registro, não pode ser extremado a ponto de
violar o princípio da razoabilidade, de ordem constitucional e, em
última instância, violar a própria finalidade da lei.
Apelação
Cível nº 1.0188.12.008743-5/002 – Comarca de Nova Lima – Apelante:
Antônio de Moura Nunes Neto – Apelada: Escrevente Substituta do Cartório
de Registro de Imóveis de Nova Lima, Melila Barroso Ribeiro – Relator:
Des. José Flávio de Almeida
ACÓRDÃO
Vistos
etc., acorda, em Turma, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar
provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 9 de abril de 2014. – José Flávio de Almeida – Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES.
JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA – Antônio de Moura Nunes Neto apela da sentença
(f. 69/72) destes autos de mandado de segurança impetrado contra ato
praticado pela Escrevente Substituta do Cartório de Registro de Imóveis
de Nova Lima, Melila Barroso Ribeiro, que concluiu:
"[...]
com fulcro no art. 269, inciso I, do CPC, denego a segurança pleiteada,
tendo em vista a ausência de direito líquido e certo do impetrante e de
ato abusivo da autoridade" (f. 72).
O
apelante (f. 74/81) alega que, "às 12h59min do dia 28.08.2012, [esteve]
na serventia e [deixou] de ser atendido no justo e legal pedido
apresentado à Oficiala coatora, ora apelada [...]. [Retornou] ao
Cartório, em companhia do agente militar, tendo este policial descrito
no BO que ouviu a Oficiala substituta dizer que não permitia que
“qualquer pessoa [adentrasse] nas dependências do Cartório”, negando-me o
reiterado direito de acesso aos livros registrais, sob a risível
assertiva de ser a serventia “instituição privada” – em clara
demonstração de que, com o advento da CF/88, os serviços notariais e de
registro são função pública, exercida apenas em caráter privado, por
delegação do Poder Público" (f. 75/76). Assinala que "não se pode criar
um óbice ao exercício profissional do advogado, denegando um justo
pedido, amparado em lei, quando o causídico apenas postula o direito de
exercer uma garantia do seu múnus" (f. 80). Defende que, "ao denegar a
segurança, com o consequente indeferimento do cristalino, consagrado e
singelo direito de acesso e de consulta ao advogado nas serventias
cartorárias, a sua ilustre Prolatora não se houve com o costumeiro e
reconhecido acerto" (f. 81). Pede o provimento do recurso para concessão
dos "pedidos descritos na peça exordial (itens 6.1 e 6.2), bem como os
demais constantes da peça pórtica, condenando-se a apelada no pagamento
dos ônus sucumbenciais de estilo" (f. 81).
Recurso com preparo pago (f. 82/83) e resposta pela manutenção da sentença (f. 86/92).
O ilustre Procurador de Justiça, Dr. Luiz Fernando Dalle Varela, opina "pelo desprovimento do recurso" (f. 102/106).
Peço dia.
Conheço do recurso, porque estão presentes os pressupostos de admissibilidade.
O
inciso LXIX do art. 5º da Constituição da República viabiliza a
concessão de mandado de segurança para proteger direito líquido e certo,
não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável
pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de
pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Como decorrência da norma constitucional, o art. 1º da Lei 12.016/2009 prevê:
¡°Art.
1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que,
ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica
sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de
autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que
exerça”.
A
irresignação do apelante, em síntese, encontra-se consubstanciada no
fato de que teria havido violação ao disposto no art. 7º, VI, b, da Lei
8.906/94, que confere aos advogados a prerrogativa de entrar nas salas e
dependências dos serviços notariais e de registro para colher prova ou
informação útil ao exercício da atividade profissional.
Muito
embora não se desconheça que constitui direito do advogado ingressar
livremente em edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou
outro serviço público onde deva praticar ato ou colher prova ou
informação útil ao exercício da atividade profissional, o exercício de
tal direito não deve ocorrer de forma abusiva, sem disciplina ou ordem e
segurança.
O
pedido com fundamento nesse alegado direito deve ser balizado na
razoabilidade, sob pena de violar a finalidade da própria lei.
Celso Antônio Bandeira de Melo pontifica:
"É
óbvio que uma providência administrativa desarrazoada, incapaz de
passar com sucesso pelo crivo da razoabilidade, não pode ser conforme a
finalidade da lei. Donde, se padecer deste defeito, será,
necessariamente, violadora do princípio da finalidade. Isto equivale a
dizer que será ilegítima, conforme visto, pois a finalidade integra a
própria lei. Em conseqüência será anulável pelo Poder Judiciário, a
instância do interessado" (Curso de direito administrativo. 4. ed. São
Paulo: Malheiros, 1993, p. 55).
No mesmo sentido, Theotonio Negrão e José Roberto Gouvêa anotam:
¡°Não
constitui nenhuma ilegalidade `a restrição de acesso dos advogados e
das respectivas partes além do balcão destinado ao atendimento,
observados, contudo, o direito livre e irrestrito aos autos, papéis e
documentos específicos, inerentes ao mandato. Disciplinar a forma de
acesso aos autos e papéis não é cercear o exercício do direito” (STJ –
1ª T. – RMS 1.686-9/SC – Rel. Min. Garcia Vieira – j. em 08.09.93 –
negaram provimento, maioria – DJU de 18.10.93, p. 21.836).
O
direito de ingresso é livre, porém não sem limite; ao advogado não se
outorgou “uma irrestrita incursão pelo recinto da serventia, com
consulta livre e direta aos papéis e autos ali conservados”, embora
tenha direito ao “irrestrito exame dos documentos respeitantes às suas
causas”, em dependência própria e digna, que lhe seja reservada no
cartório” (RJTJESP 104/342). (Código de Processo Civil e legislação
processual em vigor. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1.189).
O egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul adota o seguinte entendimento:
"Acesso
a estabelecimentos públicos ou judiciais, garantido aos advogados pelo
novo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – Lei Federal nº
8.906/94. Direito, entretanto, que não é absoluto, cabendo restrições de
ordem excepcional e temporária. O direito de livre ingresso dos
advogados aos estabelecimentos elencados no art. 7º, incisos III e IV,
do Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei nº 8.906/94 – não é absoluto,
estando condicionado a certas circunstâncias de tempo, lugar e situações
excepcionais. Assim, quando necessária a proteção de interesses de
ordem pública, bem como a preservação da própria integridade física dos
advogados, sua limitação revela-se plausível. Ato da autoridade apontada
coatora que não revela ilegalidade, arbitrariedade ou abuso de poder.
Apelação desprovida” (Apelação Cível nº 598582229 – Terceira Câmara
Cível – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Relator: Des. Luiz
Ari Azambuja Ramos – j. em 11.03.1999).
No
caso posto em julgamento, o apelante pleiteia o acesso franqueado às
dependências do Cartório de Registro de Imóveis de Nova Lima e a
consulta indiscriminada de seus registros, sob o único e isolado
argumento de que o acesso é permitido ao advogado regularmente inscrito
na OAB.
Ora,
a sua pretensão, nos exatos termos em que deduzida, transborda o limite
do razoável, haja vista que as suas consequências configuram verdadeira
devassa no registro de imóveis, diante do número indiscriminado de
documentos a que pretende ter acesso, o que pode implicar centenas,
talvez milhares de documentos, o que excede de sua militância na
advocacia.
À
semelhança do que ocorre nestes autos, apreende-se do art. 44 da Lei
5.010/1966 que tampouco os serventuários da Justiça poderão ter acesso
às informações cartorárias, ausente ordem judicial específica e
delimitada para o ato. Confira-se:
"Processual
civil e tributário. Execução fiscal. Penhora. Pedido para que oficiais
de justiça tivessem acesso a registros, livros e documentos bancários do
devedor. Constrição de valores porventura encontrados. Ordem judicial
inespecífica não autorizada pela lei (Lei 5.010/66, art. 44). – A teor
do disposto no art. 44 da Lei 5.010/66, não é cabível a expedição de
ordem judicial inespecífica, para que oficiais de justiça tenham acesso
aos registros imobiliários, livros e documentos bancários de empresa
devedora, a fim de garantir a constrição judicial de valores porventura
encontrados, em favor de autarquia federal. – Recurso improvido" (STJ –
REsp 399.620/SC – Relator: Ministro Garcia Vieira – Primeira Turma –
julgado em 14.05.2002 – DJ de 17.06.2002, p. 216).
Em
resumo, conquanto inegável o direito do advogado de ingressar
livremente nos serviços notariais e de registro, não pode ser extremado a
ponto de violar o princípio da razoabilidade, de ordem constitucional
e, em última instância, violar a própria finalidade da lei.
No parecer ministerial (f. 102/106), o douto Procurador de Justiça, Dr. Luiz Fernando Dalle Varela, consigna:
"No
caso dos autos, a documentação apresentada pelo impetrante não é
suficiente para lastrear uma conclusão segura e definitiva no sentido da
ilegalidade do ato praticado pela autoridade impetrada.
O
direito de acesso do advogado nos serviços notariais deve ser combinado
com medidas preventivas de defesa da incolumidade dos Livros do
Cartório de Registro de Imóveis.
Com
efeito, deve ser assegurado o regular funcionamento e a segurança do
serviço notarial e de registro, cabendo ao apelado adotar as medidas
necessárias ao cumprimento de seu mister, em obséquio da segurança e
conservação dos Livros do Cartório, desde que atendidos os princípios
norteadores da atividade administrativa, especialmente os da legalidade,
impessoalidade e da razoabilidade.
De
fato, além do elemento meramente formal, faz-se também necessária a
análise da questão sob o prisma do interesse público a ser atendido.
Claro
que o princípio da legalidade é basilar para a atuação administrativa,
porém encartados no ordenamento jurídico estão outros princípios que
também devem ser respeitados pelo administrador, como, por exemplo, o da
eficiência e o da razoabilidade.
No
caso sob exame, conforme asseverou a culta Magistrada de 1º grau,
permanece garantida a segurança dos registros e o bom andamento do
trabalho cartorário, e, de outro, fica resguardado o acesso e a obtenção
das informações pretendidas, visto que a publicidade dos documentos
está assegurada através de expedição de certidões.
Ante o exposto, é o Ministério Público pelo desprovimento do recurso" (f. 105/106).
Pelo exposto, nego provimento à apelação e condeno o apelante ao pagamento das custas recursais.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Alvimar de Ávila e Saldanha da Fonseca.
Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Recivil – TJ/MG.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
Fonte: Portal do RI.
Postado por: Sancho Neto.