sexta-feira, 2 de novembro de 2012

A compra e venda de árvores e o direito registral





A COMPRA E VENDA DE ÁRVORES E O DIREITO REGISTRAL
Geraldo Cezar Tôrres Carpes* 

1) CONCEITO DE ÁRVORE
ÁRVORE, segundo AURÉLIO B. H. FERREIRA, é o “vegetal lenhoso cujo caule chamado tronco, só se ramifica bem acima do nível do solo ao contrário do arbusto, que exibe ramos desde junto ao solo”(1). Aliás, “tronco” é o caule de uma árvore grande, sendo maciço e com grande diâmetro e se divide em ramos (ou prolongamentos secundários), como a mangueira”(2). 
2) AS ÁRVORES COMO BENS IMÓVEIS
Segundo o art. 43, I do Código Civil, são bens imóveis “O solo com a sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo.” São os BENS IMÓVEIS POR NATUREZA. 
3) AS ÁRVORES COMO MÓVEIS POR ANTECIPAÇÃO
O conceito de bem imóvel por antecipação foi assimilado da doutrina francesa. Segundo PLANIOL e RIPERT, Esta categoria de muebles comprende ciertas cosas que están incorporadas al suelo y, por ello, son inmuebles por naturaleza, pero que están destinadas a ser próximamente separadas y convertidas em muebles: se les trata, en ciertos respectos, como muebles, debido a que se les considera, no en su estado actual, como unidas a la tierra, sino en su próximo futuro, como distintas y separadas. Se les puede, por tanto, llamar muebles por anticipación, ya que en el momento en que se les aplican las reglas especiales dictadas para ellas, son aún inmuebles por naturaleza.(3)
Segundo WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO As árvores, enquanto ligadas ao solo, são bens imóveis por natureza (art. 43, nº I). Entretanto, se se destinam ao corte, para transformação em lenha e carvão, ou outra finalidade industrial, convertem-se em móveis.
O fim que se tem em vista, na compra e venda de mata, é, pois, decisivo. Destinada à derrubada, o que se vende é a árvore abatida, a madeira cortada. Não se trata assim de imóvel, mas de bens móveis por antecipação(4). 
Esse entendimento é pacífico em nossa jurisprudência. Assim, Não mais é possível manter-se qualquer dúvida a respeito do caráter de mobilidade das matas, como objeto de venda para corte de lenha ou extração de madeiras, porquanto as mesmas deixam de ser consideradas coisas imóveis, para tomarem a situação de móveis, em virtude da mobilização por antecipação, de acordo com os ensinamentos de autorizados doutrinadores do Direito, tanto nacionais como alienígenas, e vencedora jurisprudência dos nossos tribunais. (Sent. Do juiz HEITOR JOSÉ REALI, conf. por ac. da 2ª Câm. Cív. do T.J.S.Paulo, em 2/10/56, na apel. nº 77.516, rel. Des. CARDOSO ROLIM, in Rev. dos Tribs., vol. 260, pág. 351).(5)
Doutrinariamente, salvo crítica de PONTES DE MIRANDA (Tratado, Vol. 2 pág. 43/44), os autores nacionais tem o mesmo entendimento.(6)
4) IMPORTÂNCIA PRÁTICA DA DISTINÇÃO
4.1) Não há necessidade de escritura pública na alienação de árvores destinadas ao corte ou qualquer outra utilidade econômica, podendo ser utilizado o Instrumento Particular (RT 81/369; 110/665; 125/608; 205/298). 
4.2) O instrumento de alienação não pode ser transcrito no registro imobiliário. O artigo 167, I, 29 da LRP trata, à toda evidência, da compra e venda de bens imóveis. Os contratos de alienação ou de promessa de venda de bens móveis, devem ser registrados no REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS (art. 129, 5º da L.R.P.).(7)
4.3) A alienação de árvores não está sujeita ao recolhimento da SISA (ITBI);
4.4) Há diferenças na competência territorial para as ações fundadas em direito real sobre bens móveis, que em regra são propostas no Foro do domicílio do réu (CPC art. 94, Caput), sendo que as fundadas em direito real sobre imóveis, o Foro competente é o da situação da coisa, podendo, entretanto o autor, optar pelo Foro do domicílio ou de eleição, desde que o litígio não recaia sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras enunciação de obra nova (art. 95 do CPC); 
4.5) Sendo o vendedor casado, não há necessidade de outorga uxória.(8)
4.6) Se pertencente a menor, a mata pode ser vendida pelo pai, independentemente de autorização judicial.(9)
5) AVERBAÇÃO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO
Embora o instrumento de alienação de árvores não possa ser registrado no Registro Imobiliário, nada impede, de conformidade com o art. 246 da L.R.P. (6.015/73), que o mesmo possa ser averbado no Registro Imobiliário. Nesse sentido a lição de PONTES DE MIRANDA, Cumpre observar-se que o contrato, que não conste do registro de imóveis, pode ser oposto ao adquirente da propriedade, se a separação das árvores ainda não ocorreu. A 4ª Câmara do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 10 de outubro de 1940 (R. dos T., 131, 632), disse que a venda de árvores não pode ser transcrita, mas esqueceu-lhe o art. 285 do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, onde se diz que se hão de averbar, à margem das respectivas transcrições, a edificação, a reconstrução, o desmembramento, a demolição, ou quaisquer outras circunstâncias que, por qualquer modo, afetem o registo ou as pessoas nêle interessadas. Quem deseja que o seu contra sôbre árvores, a serem separadas, tenha eficácia perante o adquirente da propriedade imóvel, tem de obter essa averbação. (Tratado, 2º Volume pág. 45).
A rigor, segundo o art. 129, 5 da L.R.P., o registro em Títulos e Documentos bastaria para surtir efeitos em relação a terceiros. Entretanto, nesse caso, tendo-se em vista que as árvores ainda estão incorporadas ao solo, estando numa situação transitória e excepcional, deve ser feita a averbação na matrícula do imóvel onde se localizam as árvores vendidas.
A primeira turma do STF, o RE 64.618 (SC), rel. Min. Aliomar Baleeiro, assim também entendeu: Árvores vendidas para corte futuro passam a condição de móveis, segundo Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Controvérsia sobre a necessidade de averbação do contrato a margem do registro de imóveis, não bastando a transcrição no Registro de Títulos e Documentos.
Quem adquire um imóvel, adquire também as plantas nele contidas, salvo constando da escritura, cláusula expressa da reserva das árvores nele existentes, por se tratar e exceção à regra estabelecida no art. 43, I do Código Civil (nesse sentido a terceira CC do TJSC, apel. nº 10.935, v. un. em 29/09/1975, rel. Des. REUNALDO ALVES, “apud” WILSON BUSSADA, Código Civil Brasileiro interpretado pelos Tribunais, Vol. 1, Tomo I. Do acórdão: quem adquire o imóvel adquire também as árvores nele contida, quando a escritura de compra e venda não dispõe expressamente, de modo contrário. RT, 324/562).
Ora, não há como opor-se a um terceiro adquirente a existência de uma reserva de árvores para uso industrial que não conste na matrícula do imóvel. Assim sendo, é imprescindível, além do registro em TÍTULOS E DOCUMENTOS, a averbação na matrícula do imóvel. 
Ponta Porã, 03 e 04 de Março de 1.996 
OBS: Este modesto ensaio foi escrito atendendo solicitação do culto e operoso presidente do IRIB, Dr. Lincoln Bueno Alves. 
Infelizmente, esta solicitação foi-me feita recentemente, não podendo assim, tratá-lo com maior profundidade e reflexão, o que espero fazê-lo oportunamente.
Para reflexão:
“Ao término de um período de decadência sobrevém o ponto de mutação. A luz poderosa que fora banida ressurge. Há movimento, mas este não é gerado pela força... O movimento é natural, surge espontaneamente. Por essa razão, a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado, e o novo é introduzido. Ambas as medidas se harmonizam com o tempo, não resultando daí, portanto, nenhum dano.” 
I Ching
* Geraldo Cezar Tôrres Carpes é Registrador Imobiliário e de Títulos e Documentos
Ponta Porá – MS. Contribuição aos estudos do 14º Encontro Regional de Oficiais de Registro de Imóveis – Diamantina – MG – 08 e 09 de Março de 1996

(1) Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1ª Edição
(2) Alexandre Spyros Botsaris. “Fitoterapia Chinesa e plantas brasileiras”. Icone Editora. Pág. 3
(3) TRATADO PRACTICO DE DERECHO CIVIL FRANCES, Trad. Mário Diaz Cruz Tomo II, pág. 99.
(4) Curso de Direito Civil, Vol. 1 pág. 141, 21ª Ed.
(5) Cons. RT 110/665;  209/476;  147/116; 168/771;  394/305;  205/299. STF RE 74684 (PR), 2ª T. Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE  “Árvores vendidas para cortes são, por antecipação, bens móveis”; RE 68.644-PR 1ª T., Rel. Min. ALIOMAR BALEEIRO “Árvores vendidas para corte. A  jurisprudência do STF lhes atribue o caráter de móveis,a partir da venda”   
(6) MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, Curso de Direito Civil, Vol 1 6ª Ed. Pág. 339; DARCY ARRUDA MIRANDA, Anotações ao Código Civil Brasileiro 1º Vol. pág. 43; MARIA HELENA DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 1º Vol. pág. 151; FRANCISCO AMARAL, Direito Civil Brasileiro – Introdução, pág. 319; Ed. FORENSE; MARCO AURELIO S. VIANA, Curso de Direito Civil, Vol. 1, pág. 136. 
(7) Washington de Barros Monteiro, Ob. cit. pág. 142; Maria Helena Diniz, Ob. cit. pág. 151
(8) Maria Helena Diniz, Ob. cit. pág. 151; Washington de Barros Monteira, Ob. cit. pág. 141. Contra Marco Aurélio S. Viana, Ob. cit. pág. 137, com base na Isonomia Conjugal, erigida pela CF/88. 
(9) Washington de Barros MonteiroOb. cit. pág. 142; Marco Aurélio S. Viana, Ob. cit. pág. 137; Francisco Amaral Ob. cit. pág. 317.

A COMPRA E VENDA DE ÁRVORES E O DIREITO REGISTRAL
Geraldo Cezar Tôrres Carpes*


Fonte: IRIB
Postado por: Sancho Neto. Of.s.

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