segunda-feira, 21 de junho de 2010

Cessão de direitos hereditários de bens singulares: possibilidade

Autor: Zeno Veloso
Tabelião em Belém do Pará

 Aberta a sucessão, o co-herdeiro pode ceder o seu direito à mesma, bem como o quinhão de que disponha, por escritura pública. Esta forma é da substância do ato; a cessão de direitos hereditários celebrada por instrumento particular é nula de pleno direito. E é necessária a outorga conjugal, a não ser que o regime do casamento seja da separação absoluta.

              O art. 1.793, § 2º, dispõe que é ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente. Sem dúvida, o co-herdeiro só pode ceder a sua quota-parte, ou a sua parte ideal na universalidade da herança, mas não a respeito de um bem específico, de um bem determinado ou considerado singularmente. Note-se: a cessão de um bem individuado, dentre os que compõem o espólio, não é negócio jurídico inválido. Não é nulo, nem anulável. A censura da lei está no plano da eficácia. A cessão, neste caso, é ineficaz, não produz efeito, é inoponível aos demais herdeiros, dado que a herança é uma universalidade, e até a partilha, indivisível.

Todavia, a cessão que teve por objeto direito sobre bem determinado recobrir-se-á de eficácia, futuramente, se, na partilha, o aludido bem for efetivamente atribuído ao herdeiro cedente. A questão estará superada, e tudo se resolve. A eficácia opera ex tunc, até por imperativo da lógica e do bom senso.

Considerando a razão da lei, isto é, observando o que pretendeu a norma ao estatuir a ineficácia da cessão de direito hereditário sobre bem considerado singularmente, que foi o objetivo de garantir o direito dos demais co-herdeiros, uma vez que somente com a partilha estará fixado e definido o que cabe materialmente a cada um, sou de opinião de que a cessão de bem determinado é válida e eficaz se existe apenas um herdeiro, pois não há outros interessados (co-herdeiros) que pudessem aspirar ao aludido bem. Do mesmo modo - e por igual razão -, se todos os herdeiros fazem a cessão de direitos hereditários sobre um bem da herança considerado singularmente, não há contra quem opor a ineficácia desta cessão, e a mesma é válida e eficaz, resguardados, sempre, os direitos de credores.

Se há vários herdeiros, e todos eles cedem seus direitos a um bem determinado da herança, isso funciona como verdadeiro acordo de partilha, que só precisa ser homologado pelo juiz, observada a escritura pública de cessão. E podem os co-herdeiros fazer o inventário e partilha administrativamente, por escritura pública, independentemente de homologação judicial, observando-se a Lei n. 11.41, de 04.01 de 2007, e esta escritura pública pode conter uma cessão de direitos de bem considerado individualmente, constituindo título único, suficiente e hábil para o registro imobiliário.

Sintetizando: os direitos a respeito de um bem singular da herança podem ser cedidos pelo herdeiro único (herdeiro universal) ou por todos os herdeiros, conjuntamente. E não haveria motivo parar considerar ineficaz o negócio, pois não há ineficácia que não se oponha a interesse de terceiros, e ninguém, no caso, pode alegar direito frustrado ou algum prejuízo. Enfim, não há razão moral, econômica ou jurídica para impedir que a cessão, nos hipóteses citadas, seja realizada.

Jornal Carta Forense, quarta-feira, 2 de junho de 2010

Postado Por Sancho Neto

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