quarta-feira, 13 de maio de 2009

Dos Béns Registrados em nome de Apenas um dos Compcnheiros e dos problemas que daí decorrem.














Depois de termos analisado o que é o regime condominial da união estável e como este se estabelece, podemos observar que, diante do disposto no artigo 5.º da Lei n.º 9.278/96, é irrelevante que os bens estejam registrados apenas em nome de um dos companheiros. A partilha ocorrerá da mesma forma, sem qualquer prejuízo para o companheiro alheio ao registro, ou seus descendentes. Nesse sentido:

"Concubinato- Partilha dos bens registrados em nome da concubina. Ação proposta pelo espólio e por herdeiros do concubino. Os herdeiros do concubino, filhos havidos durante o seu casamento, têm direito à metade dos bens adquiridos durante a relação concubinária do pai, com recursos fornecidos por ele, embora registrados em nome da concubina, que fica com a outra metade " (STJ- 4ª T.; Resp. nº 91.993- DF; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar; DJU 02.09.1996) RJ 231/78.

No entanto, esse efeito dominial que recai sobre os bens adquiridos pelos conviventes, independentemente do nome de quem os registrou, nos leva a um problema de difícil solução prática, a saber: um bem imóvel, adquirido a título oneroso, durante a constância da união e que, portanto, está sujeito à partilha, pode ser alienado por apenas um dos companheiros, sem a anuência do outro, já que o mesmo bem está registrado exclusivamente no nome daquele?

A princípio, responderíamos que não. Se o bem imóvel pertence a ambos, em condomínio e em partes iguais, não pode um único proprietário desfazer-se do todo sem o consentimento do outro condômino.

Não obstante, uma outra questão surge: pode o terceiro de boa-fé, que compra esse imóvel sem a anuência do outro companheiro, ser prejudicado por uma situação jurídica da qual não tinha conhecimento?

Como vemos, é um problema que envolve duas vítimas: o companheiro que não possui seu nome no registro e o terceiro de boa-fé que celebrou o negócio jurídico com aquele que parecia ser o único proprietário do bem imóvel.

Atualmente, levando em conta a interpretação da lei "ao pé-da-letra", a solução que tem sido dada para dirimir a questão é a de invalidar o negócio jurídico firmado com o terceiro de boa-fé, já que faltou a outorga de um dos companheiros, ou seja, há um vício de vontade a corroer a contratação de compra e venda. Nesse caso, o terceiro que desconhecia a comunhão dos aqüestos sai prejudicado, encontrando-se numa situação complicada, por conta de um ato fraudulento do companheiro que agiu de má-fé.

No entanto, discordamos de tal posição e acreditamos que o terceiro de boa-fé não pode ser prejudicado. Primeiro porque a própria lei não obriga que o registro do imóvel se dê em nome de ambos os conviventes, tornando o documento público válido mesmo quando estiver apenas em nome de um deles. Dessa forma, diante dos olhos do terceiro que analisa o registro e diante da própria lei, o mesmo está perfeito e, portanto, não pode ser questionado ou desfeito.

Segundo porque a responsabilidade pela informação da situação do imóvel recai sobre quem está vendendo e não sobre quem está comprando, uma vez que este não tem como saber da existência da união. Na maioria das vezes, os companheiros não celebram entre si qualquer contrato escrito e mesmo se o fizessem a lei não determina ao mesmo efeito erga omnes, por meio da obrigatoriedade de seu registro público.

Sob esse ponto de vista, restaria ao companheiro prejudicado mover uma ação de perdas e danos contra o outro companheiro que agiu de má-fé, resolvendo-se o problema entre eles.

Hoje, porém, diante da falta de uma normatização a respeito, soluciona-se a questão em prol do companheiro prejudicado, invalidando o contrato de compra e venda e muitas vezes o próprio registro.

ANTECEDENTES;

Diante do que foi acima analisado, podemos observar que com a prática do regime condominial, dúvidas surgiram a respeito da necessidade ou não da averbação no Cartório de Registro de Imóveis da situação de união estável em que vivem duas pessoas.

Não obstante, antes mesmo de surgir a questão, já se discutia a importância da contratação na união estável e o seu respectivo registro nos Cartórios de Registro Civil e Registro de Imóveis.

Tal contratação possui uma relevante finalidade de fazer valer os pontos ali constantes (alimentos, regime de bens etc.) não só em relação às partes que o celebram, mas também em relação à terceiros.

O assunto era tratado nos artigos 3º e 4º da Lei nº 9.278/96, que foram, no entanto, vetados pelo Presidente da República.

O artigo 4º, suprimido do bojo da Lei dizia que: "Para ter eficácia contra terceiros, o contrato referido no artigo anterior deverá ser registrado no Cartório do Registro Civil de residência de qualquer dos contratantes, efetuando-se, se for o caso, comunicação ao Cartório de Registro de Imóveis, para averbação" (grifo nosso).

Assim sendo, a Lei nº 9.278/96 facultava aos companheiros contratarem os pontos necessários a regerem a relação. No entanto, caso o fizessem, obrigava o registro do mesmo no Serviço Registral de Títulos e Documentos, bem como no Serviço Registral Imobiliário, caso abrangesse bens imóveis.

Não obstante, com os vetos, retirou-se a obrigatoriedade de registro do contrato, o que de certa forma é justificável. Caso permanecesse essa obrigação, não poderíamos mais falar em união livre, sem formalidades civis. Seria mais vantajoso, nesse caso, que os companheiros se casassem na forma da lei.

Por outro lado, se a obrigação permanecesse, parte dos problemas com terceiros alheios à união desapareceria, uma vez que a união estável se tornaria pública, ou melhor, uma vez que a contratação entre os companheiros passaria a ter efeito erga omnes.

No entanto, como dissemos, apenas parte dos problemas desapareceriam, já que a solução foi dada apenas àqueles que procedessem à contratação, tendo em vista que essa, segundo os artigos vetados, era facultativa. O problema persistiria àqueles que não realizassem formalmente o acordo.

Assim sendo, poderiam esses artigos representarem uma solução ao problema; porém, de forma incompleta, já que não resolveriam grande parte dos casos.

Uma outra interpretação que podemos analisar para solucionar a questão reside no artigo 167, II, 5, da Lei nº 6.015/73, ao dizer que:

Art. 167. "No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

II- a averbação:

5) da alteração do nome por casamento ou por desquite, ou, ainda, de outras circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas" (grifo nosso).

Dessa forma, a norma é clara quando explicita a necessidade de fazer constar no registro todos os pontos importantes a ele e, por isso mesmo, nada mais importante que a constatação de todos os proprietários do bem.

Observando sob esse prisma, a comunicação da situação de união estável no Registro de Imóveis seria obrigatória. No entanto, não é o que ocorre na prática.

Por fim, acreditamos que nenhuma solução oferecida até agora aos problemas que decorrem da falta de comunicação da união estável ao registro imobiliário foi adequada ou suficiente.

5. A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO AO SERVIÇO REGISTRAL IMOBILIÁRIO E O PROJETO DE LEI N.º 2.686/96.

A solução mais fácil a evitar os problemas acima descritos seria a criação de uma lei que obrigasse todos os conviventes a realizar na matrícula do imóvel a comunicação do estado de união estável em que vivem.

No entanto, tal procedimento traz à tona um problema antigo, mas sempre atual, que continua sendo questionado por diversos juristas brasileiros: não estamos retirando ainda mais a liberdade daqueles que preferem se unir sem as formalidades civis?

É fato notório que cada vez que se procura "aprimorar" a situação daqueles que se unem estavelmente, mais entraves jurídicos são colocados em seu caminho, tornando a união informal cada dia mais formal.

Na verdade, há a necessidade de se legislar sobre a união estável sem deixar de lado os motivos que levam um homem e uma mulher a não optarem pelas formalidades civis, respeitando-se sempre esses motivos, que afinal de contas, nunca deixarão de existir.

Como então proceder?

Como vimos, atualmente não existe nenhuma normatização que resolva de maneira eficaz a questão, não havendo nada que obrigue a averbação da união estável no registro imobiliário. Por outro lado, também vimos que, se houvesse tal obrigatoriedade, lesionaria a própria existência do instituto.

Diante da cruel realidade dos fatos, enquanto não surgir uma lei que discipline a matéria sem grandes prejuízos ao terceiro de boa-fé e sem grandes prejuízos à razão de ser e de existir da união estável, podemos dizer que a grande importância da comunicação da união estável ao Serviço Registral Imobiliário, seja através da averbação do contrato firmado entre os companheiros, seja pela simples comunicação voluntária da união em que vivem, está justamente na necessidade de assegurar os direitos de um em relação ao outro, e de ambos em relação a terceiros, ante a falta de uma regulamentação adequada sobre o assunto, possibilitando evitar-se problemas futuros a envolverem os direitos sobre o bem.

Não se procedendo dessa forma, o nosso sistema pró má-fé fará com que o terceiro alheio à relação, que não tinha como saber que um outro proprietário existia, veja-se prejudicado por conta de uma relação jurídica que não tinha como conhecer. E o companheiro que havia sido ignorado poderá ver de volta o bem imóvel que lhe é de direito na proporção de 50%.

Por outro lado, apesar de ser hoje assim, não podemos ignorar que os registros imobiliários gozam de fé-pública, de onde decorre toda a sua utilidade jurídico-social. Destinam-se à autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Por isso mesmo acreditamos que o terceiro alheio à união estável não pode se ver prejudicado no caso ora em discussão. A presunção de boa-fé deve ser preservada, bem como a autenticidade do registro imobiliário. Mas como dissemos a pouco, atualmente isso só é possível caso os companheiros, voluntariamente, declarem sua situação no registro imobiliário.

Assim sendo, há uma aparente contradição na dinâmica do sistema, uma vez que, se por um lado deve ser respeitado o regime condominial com a mesma eficiência dos regimes de bens do casamento, por outro não se pode negar a fé-pública dos registros imobiliários em relação aos terceiros de boa-fé que adquirem o bem sem ter como saber da existência do segundo proprietário.

Diante desse dilema, procura-se uma solução plausível, que não arranhe a liberdade caracterizadora da união estável, que não coloque em dúvida a fé-pública dos registros imobiliários e que leve em consideração a boa-fé do terceiro adquirente do bem.

Felizmente, o artigo 5º do Projeto de Lei nº 2.686/96, que pretende revogar as leis nº 8.971/94 e nº 9.278/96, parece contornar a questão de forma inteligente e simples, ao dizer que: "Nos instrumentos que vierem a firmar com terceiros, os companheiros deverão mencionar a existência da união estável e a titularidade do bem objeto de negociação. Não o fazendo, ou sendo falsas as declarações, serão preservados os interesses dos terceiros de boa-fé, resolvendo-se os eventuais prejuízos em perdas e danos, entre os companheiros, e aplicadas as sanções penais cabíveis".

A perspicácia da norma está justamente em não obrigar a constatação do nome de ambos os companheiros no registro imobiliário todas as vezes que adquirirem um bem, já que não se deve impor peculiaridades à união livre. Ao mesmo tempo, não permite o artigo que essa liberdade coloque em risco outras pessoas alheias à união.

Preservou-se a liberdade interna do companheirismo, uma vez que os conviventes apenas deverão mencionar a existência da união estável quando vierem a negociar com terceiros, alertando sobre a real situação do bem. Não o fazendo, serão aplicadas as sanções penais cabíveis e os terceiros de boa-fé não serão prejudicados.

Paralelamente, o registro imobiliário continua a gozar de fé-pública, mesmo quando o bem estiver registrado em nome de apenas um dos companheiros.

A norma, portanto, inova ao fazer prevalecer a boa-fé do terceiro adquirente e a eficácia do registro imobiliário. Inverte-se o prejuízo que agora não mais recai sobre o terceiro alheio à união estável, mas sim sobre quem não cuidar de esclarecer a real situação do bem imóvel.

Dessa forma, sendo aprovado o Projeto de Lei nº2.686, muitos problemas serão evitados, já que o Direito, mais uma vez, correu atrás dos fatos, regulamentando uma situação controvertida, objeto de discórdia na sociedade. Com isso, seu artigo 5.° atinge diretamente o ponto onde a má-fé dentro do companheirismo possa encontrar meios para se perpetuar.

http://www.irib.org.br/biblio/eliane.asp

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